Os parques de bairro ou espaços similares são comumente considerados uma dádiva conferida à população carente das cidades. Vamos virar esse raciocínio do avesso e imaginar os parques urbanos como locais carentes que precisem da dádiva da vida e da aprovação conferida a eles. Isso está mais de acordo com a realidade, pois as pessoas dão utilidade aos parques e fazem deles um sucesso, ou então não os usam e os condenam ao fracasso.
Esse é o capítulo 5
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Os parques são locais efêmeros. Costumam experimentar extremos de popularidade e impopularidade. Seu desempenho nada tem de simples. Podem constituir elementos maravilhosos dos bairros e também um trunfo econômico para a vizinhança, mas infelizmente poucos são assim. Com o tempo, podem tornar-se mais apreciados e valorizados, mas infelizmente poucos duram tanto. Para cada Rittenhouse Square, na Filadélfia, ou Rockefeller Plaza ou Washington Square, em Nova York, ou Boston Common, ou ainda seus amados equivalentes em outras cidades, há dúzias de vazios urbanos desvitalizados chamados parques, destruídos pela decadência, sem uso, desprezados. Como me disse uma mulher em Indiana, quando lhe perguntei se gostava da praça da cidade: “Lá só ficam uns velhos indecentes, que cospem uma gosma de tabaco e tentam olhar por baixo da saia da gente.”
No planejamento urbano ortodoxo, as áreas livres dos bairros são veneradas de uma maneira surpreendentemente acrítica, quase como os selvagens veneravam fetiches1. Se perguntarmos a um construtor como fazer para melhorar seu projeto na cidade tradicional, ele responderá, como se fosse uma virtude patente: Mais Áreas Livres. Se perguntarmos a um técnico sobre os avanços nos códigos de zoneamento progressistas, ele mencionará, mais uma vez como uma virtude patente, os incentivos a Mais Áreas Livres. Se andarmos com um planejador por um bairro desvitalizado, já marcado por parques vazios e jardins descuidados cheios de papéis velhos, ele vislumbrará um futuro de Mais Áreas Livres.
Mais Áreas Livres para quê? Para facilitar assaltos? Para haver mais vazios entre os prédios? Ou para as pessoas comuns usarem e usufruírem? Porém, as pessoas não utilizam as áreas livres só porque elas estão lá, e os urbanistas e planejadores urbanos gostariam que utilizassem.
Em certos aspectos de seu desempenho, todo parque urbano é um caso particular e desafia as generalizações. Além do mais, os parques grandes, como o Fairmount, em Filadélfia, o Central, o Bronx e o Prospect, em Nova York, o Forest, em St. Louis, o Golden Gate, em São Francisco, e o Grant, em Chicago – ou mesmo o Boston Common, menor –, diferem muito, de trecho para trecho, dentro de si próprios, e também recebem influências diversas das diferentes partes da cidade no seu entorno. Alguns dos fatores que interferem no desempenho dos grandes parques metropolitanos são muito complexos para que os abordemos na primeira parte deste livro; nós os analisaremos adiante, no Capítulo 14, A maldição das zonas de fronteira desertas.
Não obstante, embora seja ilusório considerar um parque urbano uma duplicata real ou potencial de outro ou acreditar que as generalizações explicam inteiramente todas as peculiaridades de cada um deles, pode-se generalizar acerca de alguns princípios básicos que afetam profundamente quase todos os parques urbanos. Além do mais, a compreensão desses princípios ajuda a entender um pouco as influências presentes em parques urbanos de todo tipo – de espaços que funcionam como extensão de ruas a parques amplos com as grandes atrações de uma metrópole, como zoológicos, lagos, bosques e museus.
Os parques de bairro revelam certos princípios gerais do desempenho dos parques com mais clareza do que os parques específicos exatamente porque são o tipo mais numeroso de parque urbano que possuímos. Normalmente se destinam ao uso trivial geral, como pátios públicos, seja a localidade predominantemente ligada ao trabalho, predominantemente residencial, ou uma grande mistura. A maioria das praças enquadra-se nessa categoria de uso geral como pátio público; o mesmo ocorre com a maioria dos usos do solo projetados; e o mesmo ocorre com boa parte das áreas verdes que se aproveitam de acidentes naturais, como margens de rios ou topos de morros.
A primeira precondição para compreender como as cidades e seus parques influenciam-se mutuamente é acabar com a confusão entre os usos reais e os fantasiosos – por exemplo, a baboseira de ficção científica de que os parques são “os pulmões da cidade”. São necessários cerca de doze mil metros quadrados de árvores para absorver a quantidade de dióxido de carbono que quatro pessoas geram ao respirar, cozinhar e aquecer a casa. São as correntes de ar que circulam à nossa volta, e não os parques, que evitam que as cidades sufoquem2.
Além disso, certa metragem de áreas verdes não fornece mais ar a uma cidade do que uma metragem equivalente em ruas. Subtrair as ruas e adicionar sua metragem quadrada a parques ou esplanadas em conjuntos habitacionais não tem o mínimo efeito sobre a quantidade de ar fresco que uma cidade recebe. O ar não tem conhecimento algum dos fetiches das áreas verdes e é incapaz de atuar de acordo com eles.
Para compreender o desempenho dos parques é também necessário descartar a falsa convicção de que eles são capazes de estabilizar o valor de bens imóveis ou funcionar como âncoras da comunidade. Os parques, por si sós, não são nada e menos ainda elementos efémeros de estabilização de bens ou de sua vizinhança ou distrito.
Filadélfia serve quase como uma experiência controlada nesse aspecto. Quando Penn* projetou a cidade, colocou em seu centro uma praça, hoje ocupada pela Prefeitura, e, equidistantes do centro, quatro praças residenciais. O que aconteceu com essas quatro, todas da mesma idade, do mesmo tamanho, com a mesma destinação e praticamente as mesmas supostas vantagens de localização?
O destino de cada uma é muitíssimo diferente.
A mais conhecida das quatro praças de Penn é a Rittenhouse Square, um parque adorado, bem-sucedido e muito frequentado, atualmente um dos maiores patrimónios de Filadélfia, núcleo de um bairro elegante – na verdade, o único dos bairros tradicionais de Filadélfia que está revitalizando espontaneamente sua área periférica e valorizando seus imóveis.
O segundo dos pequenos parques de Penn é a Franklin Square, um parque de submundo, onde se juntam os sem-teto, os desempregados e os indigentes, em meio a cortiços, pensões, estabelecimentos religiosos, lojas de roupas usadas, salas de leitura, casas de penhores, agências de emprego, estúdios de tatuagem, casas de shows e lanchonetes. O parque e seus frequentadores têm má fama, mas o local não é perigoso, nem há crimes. Entretanto, o parque nunca funcionou como âncora do valor de imóveis ou da estabilidade social. Planeja-se desocupar inteiramente a vizinhança.
O terceiro é a Washington Square, no meio de uma região que foi centro de comércio mas hoje é uma área de escritórios – companhias de seguros, editoras, empresas de publicidade. Há várias décadas, a Washington Square tornou-se um local de perversão, a ponto de ser evitado pelo pessoal dos escritórios na hora do almoço e constituir um problema insolúvel de tráfico e crime para os funcionários do parque e a polícia. Em meados dos anos 50, o parque foi revolvido, ficou fechado por mais de um ano e foi reprojetado. Durante esse período, seus frequentadores se dispersaram, e era essa a intenção. Hoje, tem uso escasso e aleatório e está quase sempre vazio, a não ser na hora do almoço, nos dias de tempo bom. O bairro da Washington Square, como o da Franklin Square, não conseguiu preservar os imóveis, quanto mais valorizá-los. Hoje se planeja reurbanizar inteiramente toda a área à volta do perímetro dos escritórios.
A quarta das praças de Penn foi reduzida a uma pequena ilha de tráfego, Logan Circle, no Benjamin Franklin Boulevard, um exemplo do modelo do City Beautiful. A rotatória foi adornada com um chafariz que jorra alto e um jardim bem cuidado. Ainda que não seja convidativo ir lá a pé e se trate mais de um local para ser visto para quem passa de automóvel, a rotatória recebe um punhado de pessoas nos dias claros. O bairro vizinho ao centro cultural monumental que ela integrou deteriorou-se incrivelmente, teve seus cortiços removidos e foi transformado em Ville Radieuse.
Os destinos diferentes dessas quatro praças – principalmente as três que continuam sendo praças – ilustram o desempenho inconstante que caracteriza os parques urbanos. Elas também ilustram boa parte dos princípios fundamentais que norteiam o desempenho dos parques, e eu pretendo retomá-los e a suas lições em breve.
O desempenho instável dos parques e de sua vizinhança chega a extremos. Um dos parques pequenos mais encantadores de todas as cidades norte-americanas, o Plaza de Los Angeles, circundado por imensas magnólias, um lugar adorável, cheio de sombras e história, está hoje infelizmente rodeado, em três faces, por prédios abandonados e uma imundície tão deplorável que o mau cheiro se espalha pelas calçadas. (Na quarta face há uma loja para turistas que está indo bem.) O Madison Park de Boston, área verde gramada de uma área residencial com casas geminadas, exatamente o tipo de parque que está surgindo atualmente em muitos dos projetos de revitalização sofisticados, constitui o núcleo de um bairro que parece ter sido bombardeado. As casas à sua volta
– bastante parecidas com aquelas que são muito procuradas no entorno da vizinhança da Rittenhouse Square, de Filadélfia – perderam o valor e estão desmoronando com o consequente descaso. Quando uma das casas de uma série sofre uma rachadura, ela é demolida, e a família da casa ao lado é retirada por segurança; poucos meses depois, esta também se vai, e a seguinte é evacuada. Não existe um plano por trás disso; nada senão espaços escancarados, entulho e abandono não intencionais, com o pequeno parque fantasma, teoricamente uma ótima âncora de áreas residenciais, no centro da devastação. O Federal Hill, em Baltimore, é um parque lindíssimo e tranquilo, que proporciona a melhor vista da cidade e da baía. A vizinhança, embora respeitável, está agonizante, como o próprio parque. Não conseguiu, geração após geração, atrair o interesse de novos moradores. Um dos fracassos mais amargos da história dos conjuntos habitacionais é que parques e áreas livres nesses locais não foram capazes de valorizar a vizinhança ou ao menos estabilizá-la, quem diria melhorá-la. Observe o entorno de qualquer parque urbano, praça pública ou área verde de conjunto habitacional:
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muito raro encontrar uma área livre com um entorno que espelhe convenientemente o propalado magnetismo ou a influência estabilizadora que os parques possuiriam.
E lembre-se também dos parques que ficam vazios a maior parte do tempo, como ocorre com o lindo Federal Hill, de Baltimore. Nos dois melhores parques de Cincinnati, voltados para o rio, consegui contar, numa tarde esplêndida e quente de setembro, um total de cinco pessoas (três garotas adolescentes e um casal de jovens); ao mesmo tempo, na cidade, uma rua após a outra fervilhava de gente passeando, mesmo sem dispor das mais insignificantes instalações para apreciar a cidade e a ínfima generosidade de uma sombra. Numa tarde parecida, com a temperatura acima de 30 °C, consegui contar no parque de Corlears Hook – um oásis ajardinado diante do rio, com brisa fresca, no superpovoado Lower East Side de Manhattan – só dezoito pessoas, a maioria delas homens
sozinhos, aparentemente indigentes3. Não havia crianças. Mãe alguma, com a cabeça no lugar, permitiria que seu filho ficasse lá sozinho, e as mães do Lower East Side não perderam a cabeça. Um passeio de barco à volta de Manhattan transmite a errônea impressão de que é uma cidade composta principalmente de áreas verdes – e quase desprovida de habitantes. Por que é tão frequente não haver ninguém onde há parques e nenhum parque onde há gente?
Os parques impopulares preocupam não só pelo desperdício e pelas oportunidades perdidas que implicam, mas também pelos efeitos negativos constantes. Eles sofrem do mesmo problema das ruas sem olhos, e seus riscos espalham-se pela vizinhança, de modo que as ruas que os margeiam ganham fama de perigosas e são evitadas.
Além do mais, os parques de pouco uso e seus equipamentos são alvo de vandalismo, o que é bem diferente do desgaste por uso. Esse fato foi reconhecido indiretamente por Stuart Constable, então diretor do Departamento de Parques da cidade de Nova York, quando a imprensa lhe perguntou sobre a proposta feita em Londres de instalar televisores nos parques. Depois de afirmar que os televisores não eram adequados para parques, Constable acrescentou: “Acho que [os aparelhos] sumiriam em meia hora.”
Em todas as noites agradáveis de verão veem-se televisores fora de casa, usados em público, nas velhas calçadas movimentadas do East Harlem. Cada aparelho, com uma extensão elétrica estendida ao longo da calçada até a tomada de algum estabelecimento, transforma-se em um quartel-general informal de mais ou menos uma dúzia de homens que dividem a atenção entre a televisão, as crianças das quais devem cuidar, as latas de cerveja, os comentários dos outros e os cumprimentos de quem passa. Desconhecidos param quando querem e se juntam à plateia. Ninguém está preocupado com danos aos aparelhos. Porém, o ceticismo de Constable quanto à segurança dos aparelhos nas jurisdições do Departamento de Parques era plenamente justificável. Ele é um homem experiente, que tem sido responsável por inúmeros parques impopulares, perigosos e maltratados, além de alguns poucos bons.
Espera-se muito dos parques urbanos. Longe de transformar qualquer virtude inerente ao entorno, longe de promover as vizinhanças automaticamente, os próprios parques de bairro é que são direta e drasticamente afetados pela maneira como a vizinhança neles interfere.
As cidades são lugares absolutamente concretos. Ao tentar entender seu desempenho, as boas informações vêm da observação do que ocorre no plano palpável e concreto, e não no plano metafísico. As três praças de Penn, em Filadélfia, são parques urbanos comuns, prosaicos. Vejamos o que elas revelam a respeito de suas interações triviais concretas com a vizinhança.
Rittenhouse Square, a bem-sucedida, possui entorno variado e bairros vizinhos também variados. Junto a seus limites, existe, na sequência, neste exato momento, um clube de arte com restaurante e galerias, um conservatório de música, um edifício de escritórios do Exército, um prédio de apartamentos, um clube, um antigo boticário, um edifício de escritórios da Marinha que foi hotel, apartamentos, uma igreja, uma escola mantida por igrejas, apartamentos, uma seção da biblioteca pública, um prédio de apartamentos, um terreno vazio de onde foram demolidos casarões com a intenção de construir apartamentos, uma associação cultural, apartamentos, um terreno vazio onde se pretende construir uma casa, outra casa, apartamentos. Logo depois desse entorno, nas ruas que o cortam em ângulo reto e nas ruas seguintes, paralelas às laterais do parque, há abundância de estabelecimentos e serviços de todo tipo no andar térreo de casas antigas ou de prédios de apartamentos novos, misturados a grande variedade de escritórios.
Essa disposição física afeta concretamente o parque de alguma maneira? Sim. A variedade de usos dos edifícios propicia ao parque uma variedade de usuários que nele entram e dele saem em horários diferentes. Eles utilizam o parque em horários diferentes porque seus compromissos diários são diferentes. Portanto, o parque tem uma sucessão complexa de usos e usuários.
Joseph Guess, jornalista da Filadélfia que mora na Rittenhouse Square e se delicia acompanhando o balé da praça, conta que ele obedece a esta sequência: “Primeiro, uns poucos andarilhos madrugadores que moram ao lado do parque fazem caminhadas em passo firme. Logo depois, juntam-se a eles, e fazem o mesmo, moradores que atravessam o parque para ir trabalhar em outros bairros. Pouco depois de essas pessoas terem saído da praça, começam a passar pessoas a trabalho, muitas delas retardando o passo, e no meio da manhã surgem as mães com os filhos pequenos, junto com um número crescente de comerciantes. Antes do meio-dia, as mães e as crianças se vão, mas o movimento da praça continua a crescer com os empregados em horário de almoço e pessoas que vêm não se sabe de onde para almoçar no clube de arte e em restaurantes próximos. De tarde, as mães e as crianças aparecem de novo, os comerciantes e as pessoas a trabalho demoram-se mais, e eventualmente escolares juntam-se a eles. No fim da tarde, as mães já se foram, mas surgem os trabalhadores que vão para casa – primeiro, os que estão saindo do bairro; depois, os que estão retornando. Alguns destes permanecem na praça por algum tempo. Daí em diante, noite adentro, a praça recebe muitos jovens com encontro marcado, uns que vieram para jantar fora por perto, outros que moram perto, outros que parecem vir só por gostar dessa mistura de animação e lazer. Durante o dia inteiro, aparecem alguns idosos que dispõem de tempo, outros que são mendigos e vários ociosos anónimos.”
Em resumo, a Rittenhouse Square tem quase sempre um movimento contínuo pelas mesmas razões que uma calçada viva tem uso contínuo: pela diversidade física funcional de usos adjacentes, e pela consequente diversidade de usuários e seus horários.
A Washington Square de Filadélfia – aquela que se tornou um local de perversão – constitui um contraste extremo nesse aspecto. Em seu entorno predominam enormes edifícios de escritórios, e tanto nela quanto na região vizinha não há nenhuma semelhança com a diversidade da Rittenhouse Square – serviços, restaurantes, atrativos culturais. A região vizinha tem baixa densidade de moradias. Assim, nas últimas décadas, a Washington Square só teve um contingente de usuários potenciais: os funcionários de escritórios.
Há alguma coisa relacionada a esse fato que afete a praça concretamente? Sim. Esse contingente principal de usuários usa a praça diariamente quase nos mesmos horários. Todos chegam ao bairro de uma vez. Ficam ocupados durante toda a manhã, até o horário do almoço, e de novo presos depois do almoço. Após o expediente, nem sinal deles. Portanto, a Washington Square, inevitavelmente, está vazia na maior parte do dia e da noite. Nela se instalou o que normalmente preenche os vazios urbanos – uma espécie de praga.
Aqui é necessário discordar de uma crença comum a respeito das cidades – a crença de que os usos de baixo status expulsam os usos de alto status. Não é assim que as cidades se comportam, e a convicção de que o seja (Combate à Praga!) torna inócua toda a energia despendida no ataque aos sintomas e no desprezo às causas. As pessoas ou os usos que dispõem de mais dinheiro ou de maior respeitabilidade (para uma firma de crédito, as duas coisas estão sempre juntas) podem dominar com muita facilidade aqueles menos prósperos ou de status menor, o que geralmente acontece nos bairros que ganham fama. Raramente ocorre o contrário. As pessoas ou os usos com menos dinheiro à disposição, menos alternativas ou respeitabilidade claramente menor mudam-se para áreas urbanas já deterioradas, bairros que não são mais cobiçados pelas pessoas que dispõem do luxo do poder de escolha, ou bairros que só podem almejar algum financiamento com dinheiro vivo, capital especulativo ou dinheiro de agiotas. Os recém-chegados, portanto, precisam tentar se arranjar num lugar que, por esta ou aquela razão – ou, mais comumente, por uma série delas –, já perdeu a popularidade. Superpopulação, degradação, crime e outras formas de decadência urbana são sintomas superficiais de um fracasso econômico e funcional mais profundo do bairro.
Os degenerados que durante décadas ocuparam inteiramente a Washington Square de Filadélfia eram uma manifestação em escala reduzida desse comportamento urbano. Eles não aniquilaram um parque que era apreciado e cheio de vida. Eles não expulsaram frequentadores respeitáveis. Eles se mudaram para um lugar abandonado e se entrincheiraram. No momento em que escrevo, os frequentadores indesejados já foram enxotados para outros vazios urbanos, mas esse ato não rendeu ao parque um número suficiente de frequentadores bem-vindos.
Num passado longínquo, a Washington Square teve boa quantidade de frequentadores. Mas, embora seja ainda a “mesma” praça, seu uso e sua essência mudaram inteiramente quando a vizinhança se transformou. Como todos os parques urbanos, ela é fruto de sua vizinhança e da maneira como a vizinhança gera uma sustentação mútua por meio de usos diferentes ou deixa de gerar essa sustentação.
Não necessariamente foram os escritórios que despovoaram essa praça. Qualquer uso específico e esmagadoramente predominante que impusesse um horário limitado aos frequentadores teria provocado efeito similar. A mesma situação se repete em parques onde o uso residencial predomina. Nesse caso, o único grande contingente potencial diário de frequentadores adultos são as mães. Os parques urbanos e os playgrounds não podem ser continuamente frequentados apenas por mães, nem apenas por funcionários de escritório. Ao utilizar os parques em momentos alternados, as mães podem povoá-los significativamente no máximo por cerca de cinco horas – mais ou menos duas horas de manhã e três à tarde –, e isso só se houver mistura de classes4. O predomínio diário das mães nos parques não apenas é curto como também depende do horário das refeições, do trabalho doméstico, da soneca das crianças e, muito claramente, do tempo.
Um parque de bairro genérico, que esteja preso a qualquer tipo de inércia funcional de seu entorno, fica inexoravelmente vazio por boa parte do dia. E aí se estabelece um círculo vicioso. Mesmo que o vazio não seja atingido por várias espécies de praga, ele exerce pouca atração devido ao número restrito de frequentadores potenciais. Chega a entediá-los terrivelmente, porque a agonia é enfadonha. Nas cidades, a animação e a variedade atraem mais animação; a apatia e a monotonia repelem a vida. E esse é um princípio crucial não apenas para o desempenho social das cidades, mas também para seu desempenho econômico.
Há, no entanto, uma exceção importante à regra de que é necessária uma mistura funcional ampla de frequentadores para povoar e dar vida a um parque de bairro o dia inteiro. Existe nas cidades um grupo que, sozinho, é capaz de usufruir e povoar os parques prolongada e satisfatoriamente, embora raramente atraia outros tipos de frequentadores. Esse grupo é formado pelas pessoas que têm tempo para o lazer, e não têm responsabilidades domésticas; em Filadélfia são essas as pessoas do terceiro parque de Penn, a Franklin Square, o parque do submundo.
Existe uma grande aversão aos parques de submundo, o que é natural, já que é difícil engolir a decadência humana em doses tão cavalares. Também é comum fazer pouca distinção entre esses e os parques em que há crimes, embora sejam bastante diferentes. (É claro que, com o tempo, um pode se transformar no outro, como ocorreu com a Franklin Square, inicialmente um parque em área residencial que acabou tornando-se um parque de submundo, depois que ele e sua vizinhança deixaram de atrair pessoas abastadas.)
Deve-se fazer um comentário a respeito de um bom parque de submundo, como a Franklin Square. Aí já houve oferta e procura, e a má sorte é claramente apreciada por aqueles que foram deserdados por si próprios ou pelas circunstâncias. Na Franklin Square, quando o tempo está bom, realiza-se durante o dia todo uma reunião ao ar livre. Os bancos do centro do encontro ficam lotados, com uma procissão constante à volta. Sempre se formam rodas de conversa, que se desfazem para formar outras. Os convidados tratam bem a todos e são amáveis mesmo com os intrometidos. Tão imperceptivelmente quanto o ponteiro de um relógio, essa reunião heterogênea arrasta-se ao redor do espelho d’água do centro da praça. E ela é, de fato, um ponteiro de relógio, porque acompanha o Sol, buscando calor. Quando o Sol se põe, o relógio para; a reunião é suspensa até o dia seguinte5.
Nem todas as cidades têm parques de submundo desenvolvidos. Nova York, por exemplo, não tem, embora tenha muitos parques pequenos e playgrounds utilizados principalmente por mendigos, e o deteriorado parque Sara Delano Roosevelt acolha grande quantidade de mendigos. O maior parque de submundo dos Estados Unidos – com alta frequência em comparação com a da Franklin Square – talvez seja a principal praça do centro de Los Angeles, a Pershing Square. Ela também mantém uma relação interessante com a vizinhança. As atividades fundamentais de Los Angeles são tão espalhadas e descentralizadas que o único elemento do centro da cidade que se destaca em proporção e força bem metropolitanas é o indigente desocupado. A Pershing Square lembra mais uma conferência do que uma reunião, um seminário composto de várias mesas-redondas, cada uma com seu palestrante ou moderador. As confabulações estendem-se por toda a orla da praça, onde ficam os bancos e os muros, e aumentam proporcionalmente nas esquinas. Em alguns bancos está inscrito “Reservado para senhoras”, e essa delicadeza é respeitada. Los Angeles tem sorte de o vazio urbano do centro degradado não ter sido ocupado por predadores, mas foi ocupado, de modo relativamente respeitoso, por um submundo crescente.
Porém, não podemos contar com a cortesia do submundo na recuperação dos parques impopulares das nossas cidades. Um parque de bairro genérico que não seja quartel-general de indigentes desocupados pode vir a ser frequentado natural e informalmente só por estar situado bem próximo de onde se concentram diferentes modos de vida e atividade. Se for no centro da cidade, deve ter lojistas, visitantes e transeuntes, além de funcionários. Se não for no centro, deve situar-se onde a vida pulse, onde haja movimentação de escritórios, atividades culturais, residências e comércio – o máximo possível de toda a diversidade que as cidades podem propiciar. O principal problema do planejamento de parques de bairro resume-se ao problema de alimentar uma vizinhança diversificada capaz de utilizá-los e mantê-los.
Muitos bairros, contudo, já possuem exatamente esses pontos de concentração humana ignorados que anseiam por parques e praças públicas próximos. É fácil identificar tais locais de aglomeração e de atividade, porque estão onde se encontram as pessoas que distribuem folhetos de mão em mão (se a polícia permitir).
No entanto, não há por que levar os parques aonde as pessoas estão se, ao fazê-lo, as razões que motivam as pessoas a estar lá forem eliminadas e o parque tornar-se um substituto para elas. Esse é um dos erros fundamentais dos projetos de conjuntos residenciais e centros administrativos e culturais. Os parques urbanos não conseguem de maneira alguma substituir a diversidade urbana plena. Os que têm sucesso nunca funcionam como barreira ou obstáculo ao funcionamento complexo da cidade que os rodeia. Ao contrário, ajudam a alinhavar as atividades vizinhas diversificadas, proporcionando-lhes um local de confluência agradável; ao mesmo tempo, somam-se à diversidade como um elemento novo e valorizado e prestam um serviço ao entorno, como a Rittenhouse Square e qualquer outro bom parque.
Não é possível mentir para um parque de bairro nem argumentar com ele. “Concepções artísticas” e plantas persuasivas podem compor imagens vivas nos parques de bairro ou nas esplanadas arborizadas, e a argumentação pode invocar frequentadores que deveriam apreciá-los, mas na realidade somente uma vizinhança diversificada tem o poder efetivo de induzir uma fluência natural e permanente de vida e de usos. A variação arquitetônica superficial pode parecer diversidade, mas só uma conjuntura genuína de diversidade econômica e social, que resulta em pessoas com horários diferentes, faz sentido para um parque e tem o poder de conceder-lhe a dádiva da vida.
Se for bem localizado, qualquer parque de bairro pode tirar proveito de seus trunfos, mas pode também desperdiçá-los. É óbvio que um lugar que lembre um pátio de prisão não vai atrair frequentadores nem interagir com a vizinhança do mesmo modo que um lugar que lembre um oásis. Contudo, também existem vários tipos de oásis, e algumas de suas importantes características para ter êxito não são tão óbvias.
Os parques de bairro bem-sucedidos raramente têm a concorrência de outras áreas livres. Isso é compreensível, pois as pessoas da cidade, com seus interesses e deveres, dificilmente conseguem dar vida a uma quantidade ilimitada de parques locais de uso genérico. A população urbana teria de dedicar-se ao uso dos parques como se tratasse de um negócio (ou como os pobres ociosos fazem) para justificar, por exemplo, a profusão de esplanadas, passeios públicos, playgrounds, parques e terrenos infindáveis aceita nos planos típicos da Cidade-Jardim Radieuse e impostas pelo governo na reurbanização, por meio de exigências rigorosas de deixar livre grande porção de terreno.
Já podemos concluir que nos bairros que dispõem de uma quantidade relativamente grande de parques genéricos, como Morningside Heights ou o Harlem, em Nova York, é raro a população concentrar-se com intensidade num deles ou ter adoração por algum, como a adoração que a população do North End, em Boston, dedica ao Prado, ou a população do Greenwich Village devota ao Washington Square, ou a população do distrito de Rittenhouse Square nutre pelo seu parque. Os parques de bairro apreciados levam vantagem por serem raros.
A capacidade de um parque de bairro de estimular uma ligação apaixonada ou, ao contrário, a apatia parece ter pouca ou nenhuma relação com a renda ou a ocupação da população do bairro. Pode-se inferir isso pelos grupos de renda, ocupação e cultura inteiramente diferentes que estão ao mesmo tempo profundamente vinculados a um parque como a Washington Square de Nova York.
A ligação de classes de renda diferentes com determinados parques pode ser às vezes percebida numa sequência cronológica, tanto positiva quanto negativamente. Com o tempo, a condição econômica da população do North End, em Boston, aumentou significativamente. Tanto na época de pobreza como na época de prosperidade, o Prado, um parque diminuto mas central, foi o núcleo do bairro. O Harlem, em Nova York, é exemplo de uma atuação sempre contrária. Através dos anos, o Harlem passou de um bairro residencial elegante de classe média alta para um bairro de classe média baixa e para um bairro com predominância de pobres e discriminados. Nessa sucessão de populações diferentes, o Harlem, com profusão de parques locais em comparação com o Greenwich Village, por exemplo, nunca viveu uma época em que um de seus parques tenha se tornado um ponto crucial de vida e identidade comunitária. A mesma triste observação pode ser feita com relação a Morningside Heights. E também se aplica especialmente aos espaços livres dos conjuntos habitacionais, aí incluídos os que tiveram um projeto cuidadoso.
Essa incapacidade da vizinhança ou do bairro de vincular-se com paixão a um parque local – e o enorme poder simbólico resultante – deve-se, penso eu, a uma associação de fatores negativos: primeiro, os parques que são candidatos potenciais têm a desvantagem da diversidade de usos insuficiente na vizinhança próxima; segundo, a diversidade e a vida que existam são dispersadas e dissipadas entre muitos parques com características bastante similares.
Certos traços do projeto podem também fazer diferença. Se o objetivo de um parque urbano de uso genérico e comum é atrair o maior número de tipos de pessoas, com os mais variados horários, interesses e propósitos, é claro que o projeto do parque deve promover essa generalização de frequência, em vez de atuar em sentido contrário. Parques muito usados como áreas públicas genéricas costumam incluir quatro elementos em seu projeto, que eu identificaria como complexidade, centralidade, insolação e delimitação espacial.
A complexidade diz respeito à multiplicidade de motivos que as pessoas têm para frequentar os parques de bairro. Uma pessoa vai a um parque por motivos diferentes e em horários diferentes: às vezes para descansar, às vezes para jogar ou assistir a um jogo, às vezes para ler ou trabalhar, às vezes para se mostrar, às vezes para se apaixonar, às vezes para atender a um compromisso, às vezes para apreciar a agitação da cidade num lugar sossegado, às vezes na esperança de encontrar conhecidos, às vezes para ter um pouquinho de contato com a natureza, às vezes para manter uma criança ocupada, às vezes só para ver o que ele tem de bom e quase sempre para se entreter com a presença de outras pessoas.
Se o espaço puder ser apreendido num relance, como um bom cartaz, e se cada um de seus segmentos for igual aos outros e transmitir a mesma sensação em todos os lugares, o parque será pouco estimulante para usos e estados de espírito diversificados. Nem haverá motivo para frequentá-lo várias vezes.
Uma mulher talentosa e competente que mora ao lado da Rittenhouse Square afirma: “Fui lá quase todos os dias durante quinze anos, mas uma noite dessas eu tentei desenhar de cabeça um mapa da praça e não consegui. Achei muito complicado.” O mesmo fenômeno acontece com a Washington Square de Nova York. Durante a luta da comunidade para evitar que a cortassem com uma via expressa, os estrategistas sempre tentavam esboçar a praça durante as reuniões para esclarecer um ponto de vista. Era muito difícil.
Apesar disso, nenhum desses parques tem uma planta assim tão complicada. A complexidade que está em jogo é a complexidade visual, mudanças de nível no piso, agrupamentos de árvores, espaços que abrem perspectivas variadas – resumindo, diferenças sutis. As diferenças sutis da paisagem são acentuadas pelas diferenças de usos que nela proliferam. Os parques bem-sucedidos sempre parecem mais complexos quando estão em uso do que quando estão vazios.
Mesmo as praças muito pequenas que são bem-sucedidas compõem-se de uma variação engenhosa nos cenários que proporcionam aos usuários. O Rockefeller Center apresenta tal variação por meio de quatro mudanças de nível. A Union Square, no centro de São Francisco, tem uma planta que parece extremamente sem graça no papel ou olhada do alto de um edifício, mas ela tem tantas mudanças no nível do piso, como a pintura dos relógios derretendo de Dali, que se torna bastante variada. (Essa é, sem dúvida, exatamente a mudança que ocorre, em escala maior, na malha regular e ortogonal das ruas de São Francisco, quando elas sobem e descem os morros.) As plantas de praças e parques são enganadoras – às vezes estão cheias de variações aparentes que quase nada significam porque estão todas abaixo do ângulo de visão ou são ignoradas pelo olho por serem muito repetitivas.
Talvez o elemento mais importante da complexidade seja a centralidade. Os parques pequenos e bons geralmente têm um lugar reconhecido por todos como sendo o centro – no mínimo, um cruzamento principal e ponto de parada, num local de destaque. Certos parques e certas praças pequenas são quase que unicamente um centro, e sua complexidade deve-se a diferenças menores na periferia.
As pessoas se esforçam por criar um centro e um local de destaque nos parques, mesmo remando contra a maré. Às vezes é impossível. Os parques que são uma faixa longa, como o tristemente fracassado Sara Delano Roosevelt, em Nova York, e muitos parques à beira de rios são quase sempre desenhados como se tivessem saído de uma estamparia de tecidos. O parque Sara Delano Roosevelt tem quatro construções idênticas com alvenaria para “recreação” encravados ao longo de sua extensão a intervalos regulares. O que os frequentadores podem achar disso? Andem para cá ou para lá, estão sempre no mesmo lugar. É como fazer girar penosamente uma roda de suplícios. Esse é também um erro comum dos conjuntos habitacionais, e nesse caso quase inevitável, já que a maioria dos conjuntos constitui um projeto modular padrão feito para atividades padronizadas.
As pessoas são inventivas ao utilizar o centro dos parques. O chafariz rebaixado da Washington Square, em Nova York, tem uso intenso e inventivo. Há muito, muito tempo, a depressão no piso teve um ornamento central de ferro com um chafariz. Só restou a depressão circular de concreto, seca na maior parte do ano, margeada por quatro degraus que levam a uma mureta de pedra, que forma uma borda externa de mais ou menos um metro acima do nível do piso. Na verdade, trata-se de uma arena circular, um teatro de arena, e é assim que é usado, sem nenhuma distinção entre quem são os espectadores e quem são os atores. Todos são ambas as coisas, mas alguns são mais que isso: tocadores de violão, cantores, grupos de crianças atirando dardos, dançarinos improvisados, pessoas tomando sol, conversando, exibicionistas, fotógrafos, turistas e, bem misturado a todos eles, um punhado esparso de leitores absortos, que não estão aí sentados por falta de opção, já que os bancos que estão a leste, em local sossegado, ficam praticamente vazios.
Os funcionários municipais estão sempre maquinando esquemas de aprimoramento para esse centro do parque, como plantar grama e flores e circundá-lo com uma cerca. A frase invariável usada para descrever isso é “recuperar o local para uso como parque”.
Esta é uma forma diversa de uso de parques, apropriada em certos lugares. Mas, em parques de bairro, os centros mais agradáveis servem de palco às pessoas.
O sol faz parte do cenário para as pessoas, claro que sob uma sombra no verão. Um edifício alto que corte a passagem da luz do sol no lado sul de um parque pode comprometê-lo seriamente. A Rittenhouse Square, a despeito de todas as suas qualidades, tem esse problema. Numa tarde gostosa de outubro, por exemplo, quase um terço da praça fica completamente vazio; o manto da grande sombra de um prédio de apartamentos recente funciona como um enorme apagador de seres humanos.
Embora os edifícios não devessem tirar o sol dos parques – desde que a meta seja encorajar o uso irrestrito –, a existência de construções à volta deles é importante nos projetos. Elas os envolvem. Criam uma forma definida de espaço, de modo que ele se destaca como um elemento importante no cenário urbano, um aspecto positivo, e não um excedente supérfluo. Em vez de se sentirem atraídas por pedaços indefinidos de terreno que sobram à volta de edifícios, as pessoas agem como se fossem repelidas por eles. Até atravessam a rua quando defrontam com um desses, o que se pode comprovar, por exemplo, nos lugares em que os conjuntos habitacionais limitam com uma rua movimentada. Richard Nelson, analista do mercado imobiliário de Chicago que observa o comportamento das pessoas em busca de pistas sobre valor econômico, declara: “Numa tarde quente de setembro, a Mellon Square, no centro de Pittsburgh, tinha tantos frequentadores que era impossível contá-los. Mas naquela mesma tarde, por um período de duas horas, só três pessoas – uma senhora idosa tricotando, um mendigo e um sujeito indefinível dormindo com um jornal sobre o rosto – estavam no Gateway Center, no centro da cidade.”
O Gateway Center é um conjunto de escritórios e hotel no estilo Ville Radieuse, com os edifícios dispostos aqui e acolá num terreno vazio. Falta a ele o nível de diversidade da vizinhança da Mellon Square, mas sua diversidade não é assim tão pequena a ponto de atrair apenas quatro pessoas (contando o próprio Nelson) no melhor horário de uma tarde gostosa. Os frequentadores de parques urbanos não procuram um cenário feito para os edifícios; eles procuram um cenário feito para eles mesmos. Para eles, os parques são o primeiro plano, e os edifícios, o pano de fundo, e não o contrário.
As cidades estão cheias de parques genéricos que não se justificam, mesmo que o bairro seja bastante movimentado. Isso ocorre porque alguns parques são por si sós incapazes, pela localização, pelo tamanho ou pelo traçado, de proporcionar esse modelo de área pública que tenho discutido. Eles nem mesmo têm condições, pelo tamanho ou pela variação intrínseca de cenários, de transformar-se em parques metropolitanos de maior destaque. O que fazer com eles?
Alguns, se forem bem pequenos, podem muito bem prestar outro serviço: ser visualmente agradáveis. São Francisco é boa nisso. Um pequeno triângulo formado pela intersecção de ruas, do mesmo tipo que muitas cidades nivelariam com asfalto ou no qual colocariam uma cerca viva, alguns bancos e se tornaria uma bobagenzinha empoeirada, em São Francisco é um mundo em miniatura cercado, um mundo recôndito, sereno, com água e plantas exóticas, habitado por pássaros que se sentiram atraídos por ele. Não se pode entrar nele. Nem é preciso, porque os olhos o penetram e nos levam a um lugar mais distante do que os pés o fariam. São Francisco transmite uma impressão de frescor e refrigério na selva de pedra urbana. Ainda assim, é uma cidade densamente povoada e, para transmitir essa impressão, usam-se espaços reduzidos. A sensação provém principalmente de pequenos espaços com muitas plantas e se multiplica porque boa parte do verde de São Francisco está na vertical – floreiras em janelas, árvores, trepadeiras, uma cobertura espessa nos canteiros de ladeiras sem outros usos.
O Gramercy Park, em Nova York, supera a localização desagradável por agradar aos olhos. Esse parque vem a ser uma área particular cercada num local público; a propriedade pertence aos edifícios residenciais das ruas vizinhas. Só se pode entrar aí com chave. Por ser dotado de árvores esplêndidas, manutenção primorosa e um ar de magia, é um lugar que agrada bastante aos olhos de quem passa e, no que diz respeito à população, isso já o justifica.
Todavia, os parques que existem em princípio apenas para agradar aos olhos, sem outras finalidades, têm de estar necessariamente onde os olhos os vejam; e devem ser necessariamente pequenos, porque para cumprir bem sua função, devem fazê-lo com beleza e intensidade, não superficialmente.
Os parques mais problemáticos localizam-se exatamente nos locais onde as pessoas não passam e provavelmente nunca vão passar. Um parque urbano nessa situação, agravada (porque nesses casos
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uma desvantagem) por um terreno de bom tamanho, encontra-se, comparativamente, na mesma situação que uma loja enorme num local comercialmente ruim. Se uma loja dessas puder ser recuperada e fizer jus a isso, será por força da concentração total no que os comerciantes chamam de “artigos de primeira necessidade”, e não na confiança nas “compras por impulso”. Se esses produtos indispensáveis conseguirem atrair fregueses, é possível que, em seguida, se obtenha um bom lucro com as compras por impulso.
Da perspectiva de um parque, quais seriam os artigos de primeira necessidade?
Podemos obter algumas dicas observando alguns desses parques problemáticos. O Jefferson Park, no East Harlem, é um exemplo. Ele é constituído de várias partes, e a que é claramente a principal está voltada para uso genérico da vizinhança – equivalente às compras por impulso do jargão mercadológico. Mas tudo o que há nele contraria esse propósito. Ele se situa na ponta extrema do bairro, limitado de um lado pelo rio. Fica ainda mais isolado por uma rua larga de tráfego pesado. Seu traçado interno tende para caminhos longos e isolados, sem um centro efetivo. Uma pessoa de fora vai achá-lo misteriosamente deserto; para quem é do bairro, é um foco de brigas, violência e medo. Desde que adolescentes assassinaram brutalmente um visitante, numa noite de 1958, todos se esquivam do parque e o evitam.
Contudo, entre as várias partes distintas do Jefferson Park, uma conseguiu impor-se bem. É uma piscina ampla ao ar livre, claro que não ampla o suficiente. Em certos dias há mais gente que água.
Pensemos em Corlears Hook, aquele trecho de parques do Rio East onde só consegui ver dezoito pessoas espalhadas em meio aos gramados e bancos num dia bonito. Corlears Hook possui, num canto, uma quadra de esportes, nada especial, e mesmo assim, naquele mesmo dia, toda a animação do parque, ainda que pouca, concentrava-se na quadra. Corlears Hook também contém, entre seus extensos gramados inúteis, uma concha acústica. Seis vezes por ano, nas noites de verão, milhares de pessoas do Lower East Side apinham-se no parque para assistir a um programa de concertos. Num total de dezoito horas por ano, o parque de Corlears Hook ganha vida e é muito bem aproveitado.
Nesse caso se trata de mercadoria de primeira necessidade, ainda que em quantidade obviamente muito limitada e muito esparsa no tempo. Fica claro, no entanto, que as pessoas realmente vão a esses parques em busca de certos produtos indispensáveis especiais, embora elas simplesmente não apareçam pelo seu uso genérico ou por impulso. Em síntese, se um parque de bairro genérico não pode ser sustentado pelos usos derivados de uma diversidade natural e intensa da vizinhança, precisa ser convertido de parque genérico em parque específico. Uma diversidade de usos verdadeira, que atraia naturalmente uma sucessão de frequentadores diferentes, deve ser introduzida deliberadamente dentro do próprio parque.
Só a vivência e a tentativa e o erro podem indicar que combinações variadas de atividades realmente operam como artigos de primeira necessidade em qualquer parque problemático. Porém, podemos arriscar algumas hipóteses genéricas e úteis sobre esses elementos. Primeiro, uma generalização negativa: vista magnífica e paisagismo bonito não funcionam como artigos de primeira necessidade; talvez “devessem”, mas evidentemente não funcionam. Podem funcionar apenas como complemento.
Por outro lado, a natação funciona como um artigo de primeira necessidade. E também a pescaria, se houver conjuntamente iscas à venda e barcos. Quadras de esportes também. E ainda festas, ou atividades que tenham esse caráter6.
Música (inclusive a gravada) e peças de teatro também servem como artigo de primeira necessidade. É curioso que se faça muito pouco uso dos parques para esse fim, já que a inserção espontânea da vida cultural faz parte da missão histórica das cidades. É uma missão que ainda pode realizar-se plenamente, como deu a entender o New Yorker neste comentário sobre a temporada gratuita de Shakespeare de 1958 no Central Park:
O ambiente, o tempo, as cores e as luzes e a curiosidade pura e simples atraíram o público; alguns nunca tinham visto uma peça teatral ao vivo. Centenas de pessoas já tinham vindo várias vezes; um conhecido nosso contou que se encontrou com um grupo de crianças negras que disseram ter visto Romeu e Julieta cinco vezes. A vida de muitos desses neófitos foi ampliada e enriquecida, da mesma maneira que a plateia do teatro norte-americano do futuro. Mas espectadores como esses, novatos em teatro, são exatamente os mesmos que, com um ou dois dólares na mão, não pagarão por uma experiência que nem sabem se é agradável.
Isso indica, por um lado, que as universidades dotadas de um departamento de artes cênicas (e, geralmente, com parques mortos e problemáticos nas redondezas) deveriam tentar unir o útil ao agradável, em vez de cultivar políticas hostis em defesa de um Território. A Universidade de Colúmbia, em Nova York, está dando um passo construtivo ao planejar instalações esportivas – tanto para a universidade quanto para a vizinhança – no Morningside Park, que por décadas foi evitado e temido. Com o acréscimo de outras poucas atividades, como música ou espetáculos, um ônus comunitário incômodo poderia transformar-se num notável trunfo do bairro.
Faltam aos parques urbanos atividades menores, que poderiam funcionar como “artigos de primeira necessidade” menos importantes. Algumas delas podem ser descobertas observando o que as pessoas tentam fazer escondido. Por exemplo, o gerente de um shopping center próximo de Montreal encontrava todas as manhãs o lago ornamental misteriosamente sujo. Ficou espiando depois do horário de fechamento e viu que crianças entravam sorrateiramente e lavavam e poliam suas bicicletas lá. Locais para lavar bicicletas (onde as pessoas tenham bicicletas), locais para alugá-las e passear com elas, locais para fazer buracos no chão, locais para montar tendas de índio e cabanas desengonçadas com tábuas velhas são geralmente enxotados das cidades. Os porto-riquenhos que chegam atualmente às nossas cidades não dispõem de um local ao ar livre para assar porcos, a menos que encontrem um pátio particular para esse fim, mas o churrasco de porco e as festas em torno dele podem ser tão divertidos quanto os festivais de rua dos italianos que muitos moradores passaram a adorar. Empinar pipas é uma atividade pouco realizada, mas há os que a adoram, o que sugere a existência de locais para empinar pipas onde também se venda o material para construí-las e haja espaços onde se possa aprender essa arte. Costumava-se praticar muita patinação no gelo em lagos das cidades do Norte, até que essa atividade foi suplantada. A Quinta Avenida, em Nova York, teve cinco rinques de patinação muito frequentados entre a rua 31 e a 98, um deles a apenas quatro quadras do rinque existente na Rockefeller Plaza. Os rinques artificiais propiciaram a redescoberta da patinação no gelo nas cidades atuais, e em cidades com as latitudes de Nova York, Cleveland, Detroit e Chicago os rinques artificiais vão além da temporada de patinação e ficam abertos por quase metade do ano. Todo bairro provavelmente adoraria ter e usar um rinque de patinação ao ar livre e também iria formar uma plateia de espectadores extasiados. Rinques relativamente pequenos, distribuídos por vários lugares, são sem dúvida muito mais adequados e agradáveis que rinques enormes, estabelecidos num local central.
Tudo isso exige dinheiro. Mas as cidades norte-americanas atuais, movidas pela ilusão de que as áreas livres são um bem em si e de que quantidade equivale a qualidade, estão torrando dinheiro em parques, playgrounds e vazios urbanos muito extensos, muito abundantes, supérfluos, mal localizados e portanto muito monótonos e incômodos de usar.
Os parques urbanos não são abstrações ou repositórios automáticos de virtudes ou avanços, assim como as calçadas não são abstrações. Eles nada significam se forem divorciados de seus usos reais, concretos e, portanto, nada significam se divorciados das influências concretas – boas ou más – dos bairros e dos usos que os afetam.
Os parques genéricos podem ser, e na verdade são, um chamariz a mais nos bairros que as pessoas consideram atraentes pela grande variedade de outros usos. Eles desvitalizam ainda mais os bairros que as pessoas não acham atraentes pela grande variedade de outros usos, porque aumentam a monotonia, o perigo, o vazio. Quanto mais a cidade conseguir mesclar a diversidade de usos e usuários do dia a dia nas ruas, mais a população conseguirá animar e sustentar com sucesso e naturalidade (e também economicamente) os parques bem-localizados, que assim poderão dar em troca à vizinhança prazer e alegria, em vez de sensação de vazio.
1. P. ex.: “O Sr. Moses concordou que alguns dos novos conjuntos residenciais podem ser ‘feios, padronizados, prosaicos, idênticos, homogêneos, inexpressivos’. Mas argumentou que esses conjuntos poderiam ser circundados por parques” – de uma reportagem do New York Times de janeiro de 1961.
2. Los Angeles, que precisa da ajuda de um pulmão mais do que qualquer outra cidade dos Estados Unidos, possui mais áreas livres que qualquer outra cidade grande; sua poluição atmosférica deve-se em parte a peculiaridades locais de circulação do ar, mas também ao fato de ser uma cidade muito espalhada e à extensão das áreas livres. As grandes distâncias urbanas implicam um tráfego intenso de automóveis, e este, por sua vez, contribui com cerca de dois terços dos poluentes atmosféricos. Das mil toneladas de poluentes liberadas diariamente pelos três milhões de veículos licenciados de Los Angeles, cerca de 600 toneladas são hidrocarbonetos, que podem ser eliminados em grande parte com a instalação de dispositivos nos escapamentos nos automóveis. Porém, cerca de 400 toneladas são óxidos de nitrogénio, e, no momento em que escrevo, nem se iniciou a pesquisa de dispositivos capazes de reduzir a emissão dessas substâncias. O paradoxo do ar e das áreas livres – e não se trata, obviamente, de um paradoxo temporário – é este: nas cidades modernas, a copiosa distribuição de áreas livres propicia a poluição do ar, em lugar de combatê-la. Ebenezer Howard dificilmente poderia ter previsto esse efeito. Mas a previsão não é mais necessária; só a percepção tardia.
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William Penn (1644-1718) governou a colônia da Pensilvânia por dois anos, entre 1682 e 1684, a qual lhe havia sido concedida pelo rei inglês Carlos II como pagamento de uma dívida. Penn projetou e batizou a cidade de Filadélfia. O plano consistia de uma malha ortogonal de 22 por oito quadras. (N. do T.)
3. Coincidentemente, quando cheguei a minha casa, encontrei um número equivalente ao dos frequentadores desse parque, dezoito pessoas (de ambos os sexos e de todas as idades), reunidos à volta da entrada do prédio de apartamentos vizinho. Não havia aí nenhum dos atrativos de um parque, a não ser aquele que mais conta: o prazer do lazer, com os outros e com a cidade que passa.
4. As famílias de operários, por exemplo, jantam mais cedo que as de funcionários de escritório porque o expediente dos maridos que trabalham em tempo integral começa e termina mais cedo. Assim, no parquinho perto de onde moro, as mães das famílias operárias vão embora antes das quatro horas; as mães das famílias de “colarinhos-brancos” chegam mais tarde e saem antes das cinco.
5. Aí não se encontram de manhã bêbados jogados ao lado de garrafas. É mais provável encontrá-los o grande Independence Mall, um novo vazio urbano, despovoado de qualquer espécie reconhecível de coletividade, mesmo a do submundo.
6. O Dr. Karl Menninger, diretor da Clínica Psiquiátrica Menninger de Topeka, ao discorrer numa reunião sobre problemas urbanos, em 1958, abordou os tipos de atividades que parecem combater a tendência à degradação. Ele os citou como (1) contatos numerosos com muita gente; (2) trabalho, incluindo o enfadonho; e (3) jogos violentos. Menninger é de opinião que as cidades infelizmente dão poucas oportunidades para os jogos violentos. Entre os tipos que ele enumerou e provaram ser úteis estavam os esportes ao ar livre, o boliche e as bancas de tiro ao alvo, como as que se encontram em festas e parques de diversão, mas só ocasionalmente nas cidades (na Times Square, por exemplo).