Capital convencional e capital especulativo

Até aqui, tenho-me restringido praticamente às virtudes que provocam o sucesso intrínseco das cidades. Para fazer uma analogia, é como se eu tivesse falado da agricultura apenas quanto aos requisitos de solo, água, máquinas, sementes e fertilizantes para uma boa colheita, mas nada tivesse dito sobre os recursos financeiros para obtê-los.

Esse é o capítulo 16
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Para entender por que os meios e métodos financeiros usados para comprar bens agrícolas são tão importantes, precisamos primeiramente compreender por que os próprios requisitos para a atividade agrícola têm tal importância e compreender um pouco de sua natureza. Sem essa compreensão, poderíamos deixar de lado a questão de como financiar um bom abastecimento de água e centrar-nos entusiasticamente nas formas de financiamento para a construção de cercas muito melhores. Ou, sabendo que a água é importante mas sem termos conhecimento de possíveis mananciais que atendam aos nossos fins, poderíamos perder-nos dançando para chamar a chuva e ficaríamos sem acordos financeiros para comprar o encanamento.

O dinheiro tem suas restrições. Não compra o sucesso intrínseco de que carecem certos lugares das cidades, nos quais o uso do próprio dinheiro não consegue propiciá-lo. Além do mais, o dinheiro provoca prejuízos irreparáveis por destruir as condições necessárias para o sucesso intrínseco. Por outro lado, por ajudar a obter os requisitos imprescindíveis, pode contribuir para o surgimento intrínseco do sucesso nas cidades. Na verdade, ele é indispensável.

Por esses motivos, o dinheiro tem o poder de contribuir tanto para a decadência quanto para a revitalização das cidades. Porém, é preciso entender que o mais importante não é a simples disponibilidade do dinheiro, mas sim como ele se torna disponível e para quê.

Três formas principais de capital custeiam e orientam as mudanças que ocorrem em imóveis  residenciais e comerciais nas cidades. Pelo fato de o dinheiro ser tão poderoso como instrumento, quando ele some, as cidades também somem.

A primeira e mais importante das três formas de capital é o crédito concedido pelas instituições de empréstimo privadas convencionais. Pela ordem do montante de hipotecas em seu patrimônio, as mais importantes dessas instituições são: entidades de crédito e poupança, companhias de seguro de vida, bancos comerciais e caixas econômicas. Somam-se a elas várias categorias de financiadores hipotecários menores – alguns deles em rápido crescimento, como os fundos de pensão. A parte do leão, na construção, na reforma, na restauração, na transferência e na expansão que ocorrem nas cidades (assim como nos subúrbios) é financiada por essa forma de capital.

A segunda forma de capital é aquela que o governo fornece, seja por meio de receita tributária, seja por meio de seu poder de tomar empréstimos. Com exceção das obras urbanas que normalmente cabem ao governo (escolas, vias públicas etc.), o dinheiro público também financia, em certos casos, imóveis residenciais e comerciais. Há ainda outros elementos que são definidos e influenciados pelo fato de esse dinheiro poder ser usado para financiamento parcial ou como caução de outros empréstimos. Os subsídios do governo federal e do municipal para demolições, a fim de tornar financeiramente viáveis os projetos de reurbanização e reforma financiados pela iniciativa privada, estão entre os usos desse dinheiro, da mesma forma que conjuntos habitacionais garantidos pelos governos federal, estadual e municipal. Além disso, o governo federal garante até 90 por cento do valor das hipotecas residenciais bancadas por financiadores convencionais – e chega a comprar de credores hipotecas avalizadas –, desde que os empreendimentos cujas hipotecas foram garantidas estejam de acordo com os padrões de construção aprovados pela Secretaria Federal da Habitação.

A terceira forma de capital vem de um mundo paralelo de investimentos, um submundo, por assim dizer, de dinheiro vivo e crédito. A origem desse dinheiro e o caminho que ele percorre são nebulosos e dúbios. Esse dinheiro é emprestado com taxas de juros que começam em 20 por cento e vão até onde o mercado suportar, aparentemente, em certos casos, até 80 por cento, com a soma dos juros e das taxas e comissões do mediador. Essa atividade gera muitos empregos – poucos dos quais realmente produtivos e úteis –, mas é mais conhecida por financiar a transformação oportunista de edifícios comuns em cortiços, com um lucro exorbitante. Esse capital está para o mercado de hipotecas como o dinheiro dos agiotas está para a situação financeira pessoal.

Essas três formas de capital funcionam de maneira diferente em questões importantes. Cada uma tem sua função no financiamento das transformações imobiliárias urbanas.

Inteiramente consciente de suas diferenças – em especial a diferença moral entre o dinheiro do submundo e o dinheiro legítimo da iniciativa privada e do governo –, pretendo destacar que a atuação dessas três formas de capital é semelhante num aspecto. Em suma, esse dinheiro provoca mudanças drásticas nas cidades. Pequena parte dele provoca mudanças graduais.

O capital especulativo é despejado em alguma área de forma concentrada, produzindo mudanças drásticas. Em contrapartida, esse capital apenas goteja em localidades não encaradas como prioridade.

Figuradamente, com relação a seus efeitos na maioria das ruas e dos bairros, essas três formas de capital atuam não como sistemas de irrigação, criando canais vitais que nutrem um crescimento estável e constante. Ao contrário, manifestam-se como intempéries que fogem ao controle humano, produzindo tanto secas terríveis quanto enchentes torrenciais e devastadoras.

Claro que essa não é uma maneira eficaz de alimentar as cidades. A construção de uma base sólida nas cidades ocasiona uma mudança gradual e constante, gerando diversificações complexas. O crescimento da diversidade ocorre com mudanças interdependentes, que gerem combinações de usos  cada vez mais efetivas. A recuperação de cortiços – por mais que se acelere seu lento passo atual – é um processo de mudança constante, porém progressiva. Todas as construções urbanas que se mostrem perenes quando deixem de ser novidade, que preservem a liberdade nas ruas e permitam a autogestão dos cidadãos, requerem que o local em que se encontram seja capaz de adaptar-se, atualizar-se, manter-se atraente e útil, e isso, por sua vez, exige uma miríade de mudanças concentradas, graduais e constantes.

Não se pode garantir de uma hora para a outra a tarefa de dar boas condições de funcionamento às ruas e aos bairros (o que significa principalmente fomentar as condições que geram a diversidade) e garantir sua preservação. Mas, por outro lado, trata-se também de uma tarefa que nunca termina nem nunca terminará, seja qual for o lugar.

O tipo de dinheiro que permite capitalizar, aprimorar e suplementar o que existe é o capital convencional. Contudo, esse recurso indispensável está em falta.

Tal situação está longe de ser inevitável. Ao contrário, foi necessário um engenho intencional considerável (além de alguns desvios) para chegarmos a ela. O “inevitável”, dizia Holmes, só acontece depois de muito empenho; isso se aplica ao uso especulativo do dinheiro nas cidades; se se juntassem todas as palavras de ordem e os folhetos que incitam o investimento na renovação urbana drástica, eles dariam um volume com pelo menos cinquenta vezes a espessura deste livro. E ainda assim, a despeito de toda essa promoção, da coleta de dados e do trabalho legislativo imensos por trás dela, essa forma de investimento urbano é tão canhestra, que, em muitos casos, serve mais para paralisar e punir a aplicação do dinheiro do que para estimulá-la e recompensá-la. É necessário inventar incentivos cada vez maiores para dar mais uma injeção de ânimo e mais um empurrãozinho nesses investimentos especulativos. Como comentou o presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Arthur H. Motley, em conferência sobre reurbanização no final de 1960: “Algumas cidades que utilizam recursos federais adquiriram tantos terrenos sem promover reformas que a Agência Federal de Financiamento Residencial e Habitação se tornou a maior criadora de ervas daninhas.”

A objetividade crua de Motley não se enquadrava no espírito dessas conferências, que versavam principalmente sobre banalidades como o “desafio” e “o papel do homem de negócios em cidades belas e saudáveis” e sobre comentários, como “o fator lucro é a chave do investimento futuro nessa área”.

Por trás do uso do dinheiro em construções e hipotecas existe, sem dúvida, a preocupação com o lucro – na maioria das vezes, uma preocupação legítima com lucros legítimos. Mas, além disso, por trás do uso desse dinheiro há ideias mais abstratas sobre as próprias cidades, e essas ideias têm o poder de determinar o que se faz com o dinheiro nas cidades. Assim como os projetistas de parques e os especialistas em zoneamento, os credores hipotecários operam num vácuo legal e ideológico.

Comecemos pela existência e pelos efeitos da escassez de dinheiro, já que, não fosse a escassez de dinheiro para hipotecas, a decadência das cidades seria evitável.

“Se o poder de cobrar impostos equivale ao poder de destruir (…) então os órgãos oficiais de crédito representam não só o poder de destruir como também o de criar e de desviar”, diz o professor Charles M. Haar, da Faculdade de Direito de Harvard, numa análise sobre os incentivos federais ao investimento na construção de habitações.

O poder de destruir que esses órgãos e a gestão de créditos têm sobre o próprio crédito é negativo: é o poder de recusar o crédito.

Para entender as consequências dessa atitude nos bairros, é melhor analisarmos primeiro alguns milagres, para demonstrar que só milagres vencem esse impulso para a decadência.

O North End de Boston é exemplo de uma saída miraculosa.

Depois da Depressão e da guerra, períodos em que não se fez praticamente nenhuma construção, o North End entrou na lista negra das instituições de crédito convencionais para empréstimos hipotecários. Isso significou a recusa de crédito para construção, expansão ou reforma dado pelo sistema de crédito norte-americano, quase como se o North End fosse uma comunidade na Tasmânia.

Por trinta anos, começando na Depressão e adentrando o período da Lista Negra, os mais altos empréstimos hipotecários dados ao distrito foram de 3 mil dólares e, mesmo assim, raros. O mais próspero dos subúrbios, conclui-se, dificilmente conseguiria manter-se nesse período sob tais condições. Melhora material só por milagre.

Devido a uma circunstância particularmente favorável, o North End conseguiu o milagre. Acontece que, entre seus moradores e comerciantes, parentes e amigos, havia muitas pessoas dedicadas às várias atividades envolvidas na construção: pedreiros, eletricistas, carpinteiros, mestres de obras. Essas pessoas contribuíram com serviços, em alguns casos, ou fizeram permutas, em outros, para modernizar e recuperar as construções do North End. A maioria das despesas foi com material, e as dívidas contraídas eram pagas com dinheiro da poupança. No North End, um comerciante ou um proprietário de imóvel precisa ter primeiro o dinheiro para investir em melhorias cujo retorno ele prevê que justifiquem os gastos!

Em síntese, o North End retornou aos primitivos métodos de escambo e manutenção de reservas, que vigoravam antes do surgimento do sistema bancário. Era a única saída para uma recuperação de cortiços ininterrupta e a sobrevivência da comunidade.

Esses métodos, no entanto, não possibilitavam o financiamento de novas construções, que precisavam ser feitas no North End gradualmente, como em qualquer bairro vivo.

O North End, nessa situação, só pode ter construções novas se submetido a uma avalanche de reformas e reurbanização – que destruiriam sua complexidade, dispersariam sua população e varreriam seus comerciantes1. Ela exigiria também um volume enorme de dinheiro, em comparação com a necessidade de recursos financeiros do North End para custear permanente e constantemente a reforma e a substituição do que envelhece.

  1. Back-of-the-Yards, em Chicago, sobreviveu e progrediu depois de condenado à morte. Conseguiu isso com um expediente incomum. Pelo que sei, o Back-of-the-Yards é o único distrito urbano que enfrentou de cabeça erguida o problema comum de estar na lista negra do crédito e o superou com os recursos de que dispunha. Para entender como esse distrito conseguiu tal proeza, é preciso conhecer um pouco de sua história.

  2. Back-of-the-Yards era uma zona de cortiços famosa. Quando o célebre caçador de corruptos e cruzado Upton Sinclair queria referir-se, em seu livro, The Jungle [A selva], à escória da vida urbana e à exploração humana, era o Back-of-the-Yards e seus matadouros que ele escolhia como exemplo. Até a década de 30, os moradores de lá que procuravam emprego fora do distrito davam endereços falsos, para evitar a discriminação existente na época. Fisicamente, há bem pouco tempo, em 1953, o distrito – uma miscelânea de construções castigadas pelo tempo – era um exemplo clássico do tipo de localidade que, segundo a crença geral, deveria ser inteiramente demolida.

Nos anos 30, os operários trabalhavam principalmente nos matadouros, e durante essa década a população do distrito voltou-se para a sindicalização das firmas de acondicionamento de plantas. Aproveitando-se da nova militância e da oportunidade que ela oferecia de erradicar o antigo antagonismo nacionalista que assolava o distrito, um grupo de pessoas competentes resolveu organizar-se2.

Chamada de Conselho do Back-of-the-Yards, a organização adotou um lema intrépido: “Nós, o povo, traçaremos nosso destino.” O Conselho passou a atuar quase como um governo. Sua organização é mais abrangente e formal do que a das associações de amigos de bairro comuns e tem muito mais poder, tanto por realizar serviços públicos por conta própria como por ver atendidas suas reivindicações pelo governo municipal. A linha de ação é definida por uma espécie de assembleia de duzentas pessoas eleitas, que representam organizações menores e quarteirões. O poder do distrito de conseguir da administração municipal os necessários serviços, equipamentos públicos, regulamentações e exceções às regulamentações é encarado com admiração considerável em toda Chicago. Em resumo, o Back-of-the-Yards não é uma parte do organismo político que se possa menosprezar ou desconsiderar, o que é um ponto muito significativo de sua história.

No período entre a constituição do Conselho e o início dos anos 50, os moradores do distrito e seus filhos fizeram outros progressos. Muitos ascenderam a postos profissionais qualificados em escritórios ou na indústria. A atitude seguinte “inevitável” nesse estágio seria a migração em massa para os subúrbios exclusivos, com uma nova leva de pessoas mais desfavorecidas ocupando o distrito abandonado. Retrocesso, cortiços permanentes.

No entanto, como geralmente ocorre com os habitantes de zonas de cortiços em via de erradicação, os moradores desse distrito preferiram ficar. (É por esse motivo que eles já vinham reduzindo o número de moradores por domicílio e promovendo a recuperação do bairro.) As instituições locais, especialmente as igrejas, queriam que eles permanecessem.

Ao mesmo tempo, porém, milhares de moradores também queriam melhorar sua residência mais do que já haviam conseguido com a diminuição do número de pessoas por domicílio e com pequenas reformas e nova decoração. Eles não eram mais moradores de cortiços e não pretendiam viver como se ainda fossem.

Os dois desejos – ficar e melhorar – eram incompatíveis, porque ninguém conseguia um empréstimo para as melhorias. Como o North End, o Back-of-the-Yards estava na lista negra do crédito hipotecário.

Contudo, nesse caso havia uma organização capaz de lidar com o problema. Uma pesquisa do Conselho revelou que comerciantes, moradores e instituições do distrito tinham depósitos em cerca de trinta entidades de crédito e poupança e caixas econômicas. Chegou-se ao acordo no distrito de que esses depositantes – instituições e comércio e também indivíduos – retirariam seus depósitos se as instituições de crédito insistissem em boicotar o distrito.

No dia 2 de julho de 1953, representantes dos bancos e das entidades de crédito e poupança descobertos pela pesquisa do Conselho foram convidados para uma reunião. A questão das hipotecas do bairro foi apresentada e amigavelmente discutida. Polidamente, o porta-voz do Conselho revelou o número de depositantes do distrito; o volume de seus depósitos; a dificuldade em compreender por que o investimento em poupança dos habitantes parecia não ser colocado à disposição para uso na cidade; a séria preocupação do distrito com esse problema; a importância da compreensão da população.

Antes que a reunião terminasse, vários dos financiadores se dispuseram a ajudar – quer dizer, uma decisão favorável ao pedido de empréstimos. No mesmo dia, o Conselho começou a negociar um lugar para a construção de quarenta e nove moradias. Pouco tempo depois, a sucessão de sórdidos prédios de cortiços estava equipada com encanamento interno e modernizou-se por inteiro, por meio de um empréstimo de 90 mil dólares. Em três anos, cerca de 5 mil moradias haviam sido reformadas pelos proprietários, e o número de reformas desde então foi tão grande que se perdeu a conta. Em 1959 foi iniciada a construção de vários blocos de pequenos apartamentos. O Conselho e os moradores do distrito referem-se com gratidão ao interesse e à cooperação dos bancos. E os bancos, do seu lado, falam com admiração do distrito como um local de investimento seguro. Ninguém foi expulso do distrito nem “transferido”. O comércio permaneceu ileso. A recuperação dos cortiços tinha prosseguido, embora esse processo tivesse chegado a um ponto – como acaba ocorrendo em qualquer lugar – em que a necessidade de empréstimo se tornara crucial.

O boicote de crédito a localidades de uma cidade é impessoal. Funciona não contra a pessoa dos moradores ou dos comerciantes, mas contra seus bairros. Por exemplo, um conhecido meu, comerciante do boicotado distrito do East Harlem, em Nova York, incapaz de conseguir um empréstimo de 15 mil dólares para expandir e modernizar seu negócio, não teve dificuldade alguma em obter um empréstimo de 30 mil dólares para construir uma casa em Long Island. De maneira parecida, um morador do North End, pelo simples fato de estar vivo e ter um emprego de pedreiro ou contador ou serralheiro, pode obter com facilidade um empréstimo equivalente a trinta anos de trabalho, pelas taxas correntes, para comprar uma casa num condomínio de subúrbio. Mas, vinculados ao North End, nem ele, nem seus vizinhos, nem mesmo os proprietários do imóvel em que moram são dignos de um centavo de crédito.

Isso é um ultraje e uma perversidade, mas antes de se sentir ultrajado é bom parar para pensar que os bancos e outros financiadores convencionais que boicotam localidades urbanas não estão fazendo nada senão levar a sério as lições convencionais do planejamento urbano. Eles não são perversos. Os mapas de listas negras de crédito são idênticos, tanto na concepção quanto na maioria dos resultados, aos planos municipais de erradicação de cortiços. E os planos municipais de erradicação de cortiços são encarados como instrumentos respeitáveis, utilizados com propósitos respeitáveis – entre os quais se encontra, na verdade, o de alertar os financiadores a não investir nesse local.

Às vezes os urbanistas antecipam-se aos financiadores; às vezes os financiadores antecipam-se aos urbanistas. Qualquer um deles sabe o que está fazendo, porque conhece muito bem o urbanismo da Cidade-Jardim Beautiful Radieuse. Os dois instrumentos – os mapas da lista negra e os planos municipais de erradicação de cortiços – passaram a ser usados quase ao mesmo tempo, no início dos anos 40. Com os financiadores, começaram como mapas das áreas em que houvera um grande número de execuções de hipotecas durante a Grande Depressão e para as quais supunha-se, portanto, ser arriscado conceder outros empréstimos. Esse critério, no entanto, ficou em segundo plano. (Era confuso. A área de escritórios da Grand Central de Nova York detinha o mais alto número de execuções de todo o país; isso significaria que era arriscada para investimentos futuros?) O critério atual é a decisão dos financiadores de que tal e tal lugar já são uma zona de cortiços, ou estão fadados a isso. Seu futuro, na medida em que mereça consideração, é então concebido de acordo com os métodos do urbanismo ortodoxo: eventual demolição e, antes disso, decadência.

Ao optar pelo uso do poder de destruição do crédito, os financiadores agem, portanto, segundo a premissa de que sua atitude reflete uma fatalidade e, à luz dessa fatalidade, não estão sendo senão prudentes. Eles fazem profecias.

Suas profecias costumam confirmar-se, aliás. Vejamos, por exemplo, o caso de uma cidade da Nova Inglaterra (desta vez não é Boston) com um programa de reurbanização amplo e bastante divulgado. Como base do trabalho, a equipe de urbanistas elaborou um mapa que mostrava onde a decadência estava tão avançada que a solução só podia ser a demolição. Depois de fazer o mapa, os urbanistas descobriram que ele coincidia exatamente com os mapas elaborados pelos banqueiros da cidade muitos anos antes, indicando as áreas que não deviam receber empréstimos. Os banqueiros haviam profetizado que esses lugares se tornariam zonas de cortiço irrecuperáveis, e seus vaticínios se mostraram corretos. Havia apenas uma pequena discrepância entre os dois mapas. O mapa dos urbanistas sugeria não uma erradicação generalizada, mas uma erradicação localizada. Nesse caso, um lugar que constava na lista negra, nele incluídos trechos de sua pequena zona comercial, não parecia tão deteriorado, tanto que seria parcialmente preservado. Essa localidade tinha uma fonte de crédito própria: um pequeno banco familiar, remanescente dos velhos tempos, uma preciosidade que fazia empréstimos dentro de sua área boicotada. A expansão e a renovação do comércio, a manutenção do local eram financiadas por ele. Essa era, por exemplo, a fonte de crédito que permitira a um famoso estabelecimento comercial do bairro – um restaurante que atraía fregueses de toda a cidade – comprar bons equipamentos, ampliar as instalações e fazer reformas quando necessário.

Os mapas da lista negra, da mesma forma que os mapas de erradicação de cortiços, são profecias precisas porque são profecias desejadas.

No caso do North End e no do Back-of-the-Yards, os mapas da lista negra foram profecias imprecisas. Mas ninguém jamais teria sabido que a previsão da potencialidade local era errada não fosse a milagrosa capacidade desses lugares de escapar à sua condenação.

Outros bairros que têm vitalidade sempre resistem à sentença de morte. Meu bairro fez isso por doze anos (neste caso, os urbanistas vieram na frente, com um plano de erradicação de cortiços, e os financiadores vieram atrás). Algumas ruas do East Harlem que estavam na lista negra mantiveram-se firmes, desde 1942, com empréstimos feitos entre familiares e parentes3.

    1. impossível dizer quantos distritos foram destruídos por causa da lista negra. O Lower East Side de Nova York, uma área de grande potencial – pelo menos tão grande quanto o do Greenwich Village –, foi condenado pela lista negra. O distrito Society Hill, em Filadélfia, no qual um enorme volume de dinheiro público para revitalização será agora gasto oficialmente para “atrair de novo a classe média”, foi escolhido há alguns anos por muitas pessoas de renda média por iniciativa própria

– que acabaram descartadas quando não conseguiram empréstimos para adquirir imóveis ou reformá-los.

Se o bairro não possuir vitalidade extraordinária, além de alguma espécie de recurso extraordinário, a tradicional escassez de dinheiro provoca inexoravelmente a degradação.

Os piores casos são os de bairros já estagnados, com muita coisa que é intrinsecamente errada. Essas localidades, que afinal de contas estão perdendo seus antigos moradores, geralmente sofrem um tipo especial de avalanche de investimentos. Num curto período depois de terem entrado na lista negra do crédito convencional, pode ser que surja o dinheiro vazio do mundo paralelo dos investimentos. Ele aflui em abundância, adquirindo as propriedades que agora não têm outros compradores, e provavelmente nem terão, pelas quais seus atuais proprietários ou ocupantes não possuem um apego efetivo, considerável. Segue-se a rápida transformação dos prédios em cortiços altamente rentáveis. O capital especulativo do submundo está preenchendo a lacuna deixada pelo dinheiro convencional.

Essa sequência ocorre na maioria das grandes cidades e parece considerada natural, embora tenham sido feitos poucos estudos a respeito. Um destes foi a análise da pesquisa do Dr. Chester A. Rapkin, economista e urbanista, sobre uma área terrivelmente prejudicada pelo capital especulativo. A análise de Rapkin descreve a imposição da escassez de dinheiro provindo de fontes convencionais, o surgimento em seu lugar do capital especulativo e a incapacidade dos proprietários de promover reformas a não ser para vender seus imóveis a exploradores. O New York Times, citando James Felt, presidente da Comissão de Planejamento Urbano, para a qual a pesquisa foi elaborada, resumiu-a concisa e desapaixonadamente:

Ele disse que a pesquisa revelou a quase completa inexistência de novas construções na área de vinte quadras. Disse ainda que ela revela a suspensão da concessão de empréstimos hipotecários de bancos e outras instituições para imóveis, a transferência de imóveis para outro tipo de investidor, o aumento da ausência de proprietários nos imóveis e a transformação de boa parte dos domicílios da área em cômodos mobiliados.

Todas as três formas de capital especulativo participaram desse colapso, como costumam fazer na decadência urbana. Primeiro, a retirada de todo o capital convencional; depois, a ruína financiada pelo capital do submundo; depois, a escolha da área pela Comissão de Planejamento como candidata

  1. utilização drástica de recursos financeiros do governo a fim de custear demolições para a renovação urbana. Esta última etapa possibilita o retorno drástico do capital tradicional para financiar as construções e reabilitações do plano de reurbanização. Cada uma dessas três formas de capital colabora de tal maneira para alavancar a outra, que poderíamos ser levados a elogiar esse processo como um tipo de organização altamente avançado, não fosse ele tão nocivo para todos os outros tipos de organização urbana. Não se trata de uma “conspiração”. É o resultado racional alcançado por pessoas racionais, pautadas por crenças urbanísticas convencionais mas absurdas.

No entanto, o fato notável – e uma grande manifestação da força e da atratividade de muitos bairros em situação adversa – é o grau de resistência que eles demonstram contra sua condenação à morte. Isso foi descoberto em Nova York durante os anos 50, depois que novas leis passaram a exigir que os prédios de apartamentos tivessem aquecimento central. Os proprietários seriam recompensados por essa benfeitoria com o aumento dos aluguéis ou o desconto de impostos. Esse acordo foi de encontro a obstáculos inesperados, precisamente nos lugares em que tais obstáculos não poderiam ter sido previstos: áreas socialmente estáveis, com vida normal, onde os inquilinos poderiam arcar com os aumentos. Geralmente não se conseguia dinheiro para a obra (a taxas de juros inferiores a 20 por cento).

Os apuros de um proprietário, arrastado aos tribunais por descumprir a lei, foram noticiados nos jornais em dezembro de 1959, porque ele era congressista, o deputado federal Alfred E. Santangelo, e portanto valia a pena noticiar. Santangelo afirmou que o aquecimento central fora instalado após inspeção e acrescentou que havia custado 15 mil dólares em cada um dos cinco edifícios de sua família, ou seja, um total de 90 mil dólares. “Desse montante”, disse ele, “conseguimos apenas 23 mil dólares em bancos – prorrogando uma hipoteca por cinco anos e contraindo um empréstimo bancário pessoal. O restante tivemos de pagar com dinheiro da família.”

Santangelo saiu-se muito bem com os bancos, considerando o tratamento habitual dado a pedidos de empréstimos para locais que estão na lista negra. Vez ou outra os jornais de Nova York trazem cartas a respeito desse problema. Uma delas, do início de 1959, escrita pelo advogado de uma associação de proprietários, dizia:

    1. de conhecimento geral que os bancos e as companhias de seguros abstêm-se de conceder empréstimos ou hipotecas a proprietários de apartamentos, especialmente aqueles situados em áreas da cidade tachadas de indesejáveis. As hipotecas que estão expirando não são renovadas, e os proprietários são frequentemente obrigados a recorrer a agiotas, que exigem taxas de juros de até 20% [notem: essa cifra é modesta] para empréstimos de curto prazo (…). Há proprietários que pretendem fazer mais do que apenas instalar o aquecimento central. Eles gostariam de reformar os apartamentos, ampliando os cômodos, colocando equipamentos novos nas cozinhas, instalando uma rede elétrica apropriada (…). Com as portas do financiamento fechadas para eles, os proprietários pediram ajuda ao município e ninguém foi receptivo (…). Não há repartição que ajude nesse problema.

Faz pouca diferença numa área boicotada se o tipo de edifício em questão é um prédio de apartamentos ou um casarão de interesse histórico ou um simples imóvel comercial. Da mesma forma que as pessoas não são boicotadas como tal, também os edifícios não são boicotados como tal, mas sim a localidade.

No ano de 1959, Nova York lançou-se num pequeno programa experimental de conservação de bairros de Manhattan, nos quais, por um lado, não se faziam novas construções, mas, por outro, eram considerados longe de irrecuperáveis no aspecto físico e dignos de atenção no aspecto social. Infelizmente, os financiadores já haviam julgado esses bairros irrecuperáveis. Unicamente para que as violações de zoneamento pudessem ser corrigidas, o município achou necessário obter uma lei estadual que fixasse um fundo público de crédito de 15 milhões de dólares para utilização dos proprietários de imóveis em tais bairros. É tão difícil conseguir dinheiro para mudanças gradativas, que teve de ser criado um órgão de empréstimos para fornecer uma ninharia para os fins mais insignificantes. A lei foi redigida com tanta inépcia, que o fundo, no momento em que escrevo, praticamente não serve para nada; e tem tão poucos recursos que não fará a menor diferença para a cidade.

Como mencionado, as localidades boicotadas podem voltar a conseguir dinheiro dos financiadores convencionais se o dinheiro vier na forma de avalanche e se ele for então empregado para uma triagem de rendas familiares e de usos semelhante à Cidade-Jardim Radieuse.

Ao inaugurar no Harlem um conjunto habitacional no estilo Ville Radieuse, financiado pela iniciativa privada, o diretor da região administrativa de Manhattan definiu a ocasião como muito significativa porque, “por terem obtido financiamento privado, os responsáveis pelo projeto habitacional haviam rompido a barreira levantada há muito tempo pelos bancos a um investimento substancial em novas habitações no Harlem”.

A barreira, todavia, foi rompida no Harlem por nada mais nada menos que o investimento especulativo em empreendimentos residenciais.

O crédito convencional voltará a ser concedido a um distrito boicotado se o governo federal garantir hipotecas tão generosamente quanto garante em empreendimentos de subúrbios e em novos empreendimentos residenciais no estilo Cidade-Jardim Radieuse. Mas o governo federal não garante hipotecas em quantidade suficiente para estimular as construções ou as reformas localizadas, a não ser em áreas de reurbanização certificadas por um plano aprovado. E a aprovação do plano significa que mesmo as construções existentes devem contribuir para fazer a área se assemelhar ao máximo a uma Cidade-Jardim Radieuse. Esses planos de reurbanização geralmente dispersam, mesmo em áreas de baixa densidade, entre metade e dois terços da população presente. Mais uma vez, o dinheiro é usado para financiar mudanças drásticas. E ele não é utilizado para aumentar a diversidade urbana, mas para extingui-la. Quando perguntei a uma autoridade envolvida em acordos para uma “remoção localizada” num distrito em renovação por que motivo o comércio disperso seria extinto (em vez de estimulado o aparecimento de mais estabelecimentos) e as atividades comerciais seriam confinadas a um shopping center monopolista, numa imitação da vida suburbana, ele respondeu, em primeiro lugar, que isso demonstrava um bom planejamento. Depois, acrescentou: “De todo jeito, é uma questão clássica. Com usos combinados como esses, nós não conseguiríamos a aprovação do Ministério de Habitação para os empréstimos.” Ele tem razão. Não há hoje uma quantidade apreciável de dinheiro para alimentar distritos preparados para a vida urbana, e essa situação é estimulada e muitas vezes implementada pelo governo. Portanto, não temos a quem culpar, a não ser a nós mesmos.

Há ainda outra forma de obtenção de capital legítimo que os distritos boicotados podem utilizar: recursos públicos para programas habitacionais. Embora haja muita conversa sobre “programas de bolso de colete”, o colete mencionado deve ser o de Paul Bunyan. Esse dinheiro também chega, quase invariavelmente, de forma especulativa e sempre de modo a selecionar a população e rotulá-la pela renda.

O East Harlem, como o Lower East Side, receberam uma avalanche desse tipo de dinheiro. Em 1942, o East Harlem poderia ter tido uma oportunidade de recuperar seus cortiços tão boa quanto o North End. Apenas cinco anos antes, em 1937, um estudo abalizado da área, financiado pelo município, constatou a existência de tanta esperança e tantas melhorias no East Harlem, que isso faria dele o núcleo natural da cultura de influência italiana em Nova York. O distrito abrigava milhares de comerciantes que cuidavam de negócios muito sólidos e prósperos, que em muitos casos estavam sendo geridos pela segunda ou terceira geração. Alojava centenas de organizações culturais e sociais. Era uma área de habitações muito deterioradas e pobres (além de algumas moradias boas e outras em processo avançado de recuperação), mas também de uma vitalidade enorme e capaz de cativar muitos de seus moradores. O distrito abrigava também a maior colônia de porto-riquenhos da cidade, que morava em condições de miséria mas tinha em seu meio muitos recém-chegados de Porto Rico que já despontavam como líderes, e possuía também estabelecimentos culturais, sociais e comerciais de porto-riquenhos em profusão.

Depois de o East Harlem ter sido rejeitado pelos financiadores em 1942, também ele realizou pequenos milagres. Uma área próxima da base da Ponte Triborough continuou a recuperar seus cortiços e a reabilitar-se, apesar dos empecilhos. Quando funcionários do Departamento de Habitação tiveram de remover as pessoas de lá para que fosse construído um imenso cortiço emparedado, as Wagner Houses, eles ficaram abismados e aturdidos com o fato de que melhorias tão grandes e em tal quantidade seriam destruídas. Não havia milagre que pudesse salvar o East Harlem. Para realizar seus planos (mesmo nos locais em que eles não eram atropelados pelos planos municipais), muitos moradores acabaram indo embora. Apesar de desencorajados a realizar melhorias e da inutilidade do capital do submundo que passou a entrar pelas brechas que encontrasse, os que ficaram necessitaram de medidas e de tenacidade extraordinárias.

Era como se o East Harlem tivesse de fato sido classificado como um país atrasado e miserável e financeiramente alijado da vida nacional normal. Até as agências bancárias foram fechadas numa área de mais de 100 mil habitantes e milhares de estabelecimentos comerciais; os comerciantes tinham de ir a outro lugar só para depositar as receitas diárias. Até as contas de poupança de escolas foram recusadas às escolas do distrito.

Por fim, da mesma forma que uma nação rica deveria generosamente prestar ajuda maciça a um país atrasado e miserável, choveu nesse distrito uma maciça ajuda “externa”, de acordo com decisões tomadas por especialistas do remoto continente habitado por construtores e planejadores urbanos. A ajuda veio em abundância para transferir as pessoas de moradia – no valor de 300 milhões de dólares. Quanto mais ajuda se dava, pior se tornavam a agitação e os problemas do East Harlem, que cada vez mais se assemelhava a um país carente e atrasado. Foram extintos mais de 1.300 negócios que tiveram a infelicidade de estar nos lugares designados para habitação, o que arruinou aproximadamente quatro quintos dos proprietários. Mais de quinhentos estabelecimentos “de frente de loja” não comerciais também foram extintos. Praticamente toda a população de cortiços recuperados que havia permanecido foi arrancada dali e dispersada para “melhorar”.

De forma alguma, o problema do East Harlem foi falta de dinheiro. Depois da seca vieram enchentes desastrosas. O dinheiro abundante despejado no East Harlem só com verbas da habitação pública é quase comparável ao que foi perdido no Edsel. No caso de um erro como o do Edsel, houve uma definição quando a receita foi reavaliada e suspensa. No East Harlem, porém, os cidadãos lutam hoje contra a entrada de mais dinheiro para a reprodução de erros que não são avaliados por quem controla as comportas monetárias. Só espero que prestemos ajuda ao exterior com mais inteligência do que prestamos dentro do país.

A falta do capital convencional arruína os distritos intrinsecamente preparados para a vida urbana e, portanto, com grande potencial para rápido desenvolvimento. Isso também quer dizer que não há esperança para os distritos que carecem de uma ou mais das condições para gerar diversidade e precisam de ajuda para obter esses suplementos e também de dinheiro para alterações corriqueiras e reforma de estruturas.

Onde está o dinheiro das fontes convencionais que deveria ser empregado em mudanças graduais? Para onde ele vai?

Parte dele vai para planos especulativos de renovação urbana e reurbanização; outra parte vai para a autodestruição da diversidade, para a ruína da prosperidade urbana que chama a atenção.

Boa parte desse dinheiro não vai para as cidades, mas para a periferia.

Como disse Haar, a instituição de crédito constitui não só o poder de destruir como também o poder de criar e de desviar. Ele se referia especificamente à instituição de crédito do governo e à utilização dessa instituição na execução de obras nos subúrbios, e não nas cidades.

O enorme crescimento dos subúrbios das cidades norte-americanas não ocorreu por acaso – e menos ainda pelo mito da livre escolha entre cidades e subúrbios. O eterno crescimento dos subúrbios foi viabilizado (e para muitas famílias foi na verdade compulsório) pela criação de uma coisa que os Estados Unidos não tinham até meados dos anos 30: um mercado hipotecário nacional, arquitetado especificamente para promover a construção de residências nos subúrbios. Em razão da garantia propiciada pelo aval do governo às hipotecas, um banco de New Haven [no estado de Connecticut, Nordeste dos Estados Unidos] poderia comprar e compra hipotecas do programa habitacional de subúrbios no sul da Califórnia. Um banco de Chicago compra hipotecas de programas habitacionais de subúrbios em Indianápolis numa semana e, na semana seguinte, um banco de Indianápolis compra hipotecas de programas habitacionais na periferia de Atlanta ou de Buffalo. E, hoje em dia, essas hipotecas nem precisam ser avalizadas pelo governo. Podem ser a reprodução, sem aval, do tipo de planejamento e construção que virou rotina e é aceito pelos avalistas.

O mercado hipotecário nacional tem vantagens óbvias em atender, com rapidez e sensibilidade, a demanda de dinheiro por meio de um suprimento financeiro vindo de longe. Porém, particularmente quando o dinheiro é desviado para uma única espécie de desenvolvimento, esse mercado também tem suas desvantagens.

Como os moradores do Back-of-the-Yards descobriram, a poupança acumulada nas cidades e imprescindível para elas costuma não ter relação alguma com o investimento em construções urbanas. Essa relação é tão remota que em 1959, quando uma das caixas econômicas do Brooklyn anunciou que 70 por cento de seus empréstimos seriam concedidos às redondezas, o New York Times achou que a novidade valia uma notícia com destaque nas páginas de negócios. “Nas redondezas” é uma expressão que tem certa elasticidade. Os 70 por cento, descobriu-se depois, foram usados em Nassau County, uma expansão suburbana muito desorganizada em Long Island, depois do Brooklyn. Enquanto isso, boa parte do Brooklyn está condenada pela lista negra.

Os habitantes da cidade financiam a construção de subúrbios. Sem dúvida, uma das missões históricas das cidades, esses lugares incrivelmente produtivos e eficientes, é financiar a colonização.

Mas pode-se fazer qualquer coisa com o solo.

Obviamente houve mudanças nas fontes de dinheiro para as obras urbanas nos últimos trinta anos. O empréstimo e o gasto de dinheiro tornaram-se mais institucionalizados do que no passado. A versão atual dos indivíduos que nos anos 20 emprestavam dinheiro, por exemplo, é bem capaz de ser aquele que usa o dinheiro para o imposto de renda ou um seguro de vida e, se é gasto em obras urbanas ou emprestado para elas, ele é gasto ou emprestado pelo governo ou pela companhia de seguros de vida. Os bancos locais pequenos, como a preciosidade da Nova Inglaterra que ignorou o boicote e emprestou dinheiro à vizinhança, desapareceram durante a Depressão e em fusões posteriores.

Será que isso significa que nosso dinheiro mais institucionalizado só possa ser usado hoje especulativamente? Será que as grandes burocracias financeiras são tão importantes que só conseguem operar em cidades de figurões, de grandes tomadores de empréstimo e de mudanças abruptas e amplas? Um sistema que, numa de suas manifestações, é capaz de dividir suavemente o crédito para a compra de enciclopédias e viagens de férias, seria capaz, em outra de suas manifestações, de distribuir o crédito violentamente, em lotes para uso coletivo?

Esse capital para obras urbanas atua dessa maneira não por necessidades e forças internas próprias. Atua de modo drástico porque nós, como sociedade, pedimos que seja assim. Pensávamos que fosse bom para nós, e conseguimos o que queríamos. Hoje o aceitamos como se fosse ordenado por Deus ou pelo sistema.

Analisemos, da perspectiva daquilo que pedimos e explicitamente aceitamos, as três formas de capital que moldam as cidades – começando pela mais importante, as fontes de crédito convencionais, privadas.

A ideia de desviar vultosas somas de dinheiro para o desenvolvimento pouco consistente dos subúrbios, à custa do definhamento dos bairros urbanos, não foi uma invenção dos credores de hipotecas (embora eles, como os construtores dos subúrbios, tenham agora total interesse nesse procedimento). Nem a ideia nem o modo de executá-la surgiram racionalmente dentro do nosso sistema de crédito. Surgiram com os magnânimos pensadores sociais. Nos anos 30, quando foram elaborados os métodos do Ministério da Habitação para estimular o crescimento dos subúrbios, virtualmente todos os magos do governo – da direita à esquerda – concordavam nas metas, embora divergissem nos métodos. Poucos anos antes, Herbert Hoover havia aberto a Conferência da Casa Branca sobre Habitação com um discurso polêmico contra a inferioridade moral das cidades e um elogio às virtudes morais das casas de campo simples, das cidades pequenas e das áreas verdes. Em polo político oposto, Rexford G. Tugwell, administrador federal responsável pelos subúrbios experimentais do Cinturão Verde do New Deal, explicou: “Minha ideia é sair um pouco dos centros populacionais, arranjar terra barata, construir uma cidadezinha completa e atrair as pessoas. Depois, voltar para as cidades, arrasar os cortiços e transformá-los em parques.”

O uso especulativo do dinheiro para a expansão dos subúrbios – e o concomitante definhamento de todas as áreas urbanas que a ortodoxia do urbanismo tachou de zonas de cortiços – era o que nossos magos queriam para nós; eles fizeram de tudo para conseguir isso. Nós conseguimos.

O apadrinhamento deliberado da sociedade ao crédito privado especulativo para projetos de reurbanização e reforma é ainda mais óbvio. Em primeiro lugar, a sociedade emprega nessas mudanças drásticas seus subsídios financeiros para desimpedir áreas, só para possibilitar financeiramente o subsequente investimento privado especulativo. A sociedade também supervisiona o investimento privado para que seja aplicado especificamente na criação de pseudocidades e no combate à diversidade urbana. A sociedade vai ainda mais longe, dando incentivo às garantias de hipotecas para os projetos de renovação, mas insiste em que essa criação, apesar de garantida, seja o mais estática possível, enquanto durar o investimento. O crescimento gradual em direção ao futuro é banido.

O apadrinhamento da sociedade a essas mudanças bruscas é encarado como normal. É essa a contribuição pública à reurbanização.

A população compreende menos ainda que, ao apadrinhar esse uso especulativo do investimento privado nas cidades, está também fazendo escolhas entre várias formas diferentes de investimento privado.

Para entender isso, é preciso saber que os subsídios públicos para demolições generalizadas ou localizadas estão longe de ser os únicos. Os subsídios involuntários, imensos no conjunto, vão também para esses empreendimentos.

Adquire-se uma área para reurbanização ou renovação mediante a prerrogativa da desapropriação, a qual cabe somente aos governos. Além do mais, utiliza-se a ameaça de compra por desapropriação para obrigar os lotes que não foram realmente adquiridos a se submeterem aos planos de renovação.

A prerrogativa da desapropriação, conhecida há muito tempo e um recurso vantajoso para a aquisição de propriedades necessárias para uso público, aplica-se também, na lei de reurbanização,

  1. aquisição de propriedades para uso particular e lucro privado. Essa distinção era o ponto duvidoso da constitucionalidade da lei de reurbanização e reforma. A Corte Suprema declarou que a sociedade tinha o direito – por intermédio dos legisladores – de fazer essa escolha entre empreendedores e proprietários particulares; poderia tomar a propriedade de um em benefício de outro, como forma de atingir objetivos que, segundo decisão dos legisladores, fossem para o bem público.

Esse uso da prerrogativa da desapropriação vai além de possibilitar a reunião física de terrenos para empreendimentos. Possibilita também a garantia financeira, em razão dos subsídios compulsórios acarretados. Essa questão dos subsídios compulsórios foi muito bem explicada por Anthony J. Panuch, especialista em administração, num parecer elaborado para o prefeito de Nova York sobre os meandros nos programas de reurbanização e habitação da cidade:

O efeito imediato do exercício da prerrogativa de desapropriação sobre o inquilino de um imóvel comercial é drástico e geralmente desastroso. Quando o governo desapropria um imóvel, ele é obrigado a pagar somente pelo que adquire para si, e não pelo que ele toma do proprietário.

Na desapropriação, o governo não adquire o negócio, mas sim o imóvel. Ele deve pagar apenas pelo imóvel. O proprietário não recebe nada por perder o negócio ou pelo valor do ponto comercial, nem mesmo pela vigência do contrato de aluguel, porque os contratos preveem universalmente que, em caso de desapropriação, o contrato de locação do proprietário com o inquilino é automaticamente extinto sem indenização do inquilino.

Embora toda a sua propriedade e todo o seu investimento lhe sejam tomados, ele não recebe praticamente nada.

Na continuação, o parecer traz um exemplo:

Um farmacêutico comprou uma drogaria por mais de 40 mil dólares. Poucos anos depois, o prédio em que o estabelecimento se localizava foi desapropriado. O valor total que ele acabou recebendo foi uma indenização de 3 mil dólares pelos bens móveis, e essa quantia teve de ser paga ao credor hipotecário dos bens móveis. Assim, todo o seu investimento foi inteiramente perdido.

Essa é uma história triste e comum nos locais em que se executam renovações e empreendimentos habitacionais, e é uma das razões por que esses projetos são tão combatidos pelos comerciantes locais. Eles subsidiam tais projetos não com sua parcela de impostos, mas com seu meio de vida, com o dinheiro da escola dos filhos, com todo o seu passado transformado em esperança de futuro – com praticamente tudo o que possuem.

O parecer de Panuch prossegue, sugerindo com suas palavras aquilo que inúmeras cartas a editores, cidadãos em audiências públicas e editoriais de jornais já sugeriram: “A comunidade como um todo deveria arcar com o custo do progresso comunitário, e essa despesa não deveria ser imposta às vítimas infelizes do progresso da comunidade.”

A comunidade como um todo ainda não parece estar pronta para arcar com todo o custo, e nunca estará. As autoridades responsáveis pela reurbanização e os especialistas em habitação empalidecem quando ouvem essa sugestão. O custo de arcar com todas as despesas tornaria pesados demais os subsídios públicos para reurbanização e empreendimentos habitacionais. No momento, a reurbanização que visa ao lucro privado é justificada ideológica e fiscalmente com o argumento de que o investimento com subsídio público terá retorno num prazo razoável na forma de impostos mais altos provenientes das melhorias. Se os subsídios compulsórios que possibilitam esses projetos fossem lançados como gastos públicos, os gastos públicos ampliados não teriam nenhuma relação plausível com a receita tributária futura. Os empreendimentos habitacionais públicos, de seu lado, mantêm-se a um custo corrente de 17 mil dólares por unidade habitacional. Se os subsídios compulsórios fossem absorvidos como gastos públicos, o custo dessas moradias subiria a patamares politicamente inconvenientes. Essas duas iniciativas, empreendimentos de “renovação” e empreendimentos habitacionais públicos, com a destruição indiscriminada característica, são meios intrinsecamente ruinosos de reurbanizar cidades e, comparativamente com seus custos totais, dão uma contribuição patética aos valores urbanos. Atualmente, a sociedade está protegida desses casos cotidianos, já que uma enorme porcentagem desses gastos é imposta a vítimas involuntárias e não é computada oficialmente. Mas os gastos existem. A construção de conjuntos residenciais como meio de transformar a cidade faz pouco sentido tanto financeira quanto socialmente.

Quando uma companhia de seguros ou um fundo de pensão sindical injeta uma quantidade imensa de recursos em empreendimentos padronizados ou em projetos de renovação para uma população rotulada pela renda, eles não estão cedendo à conduta de certa forma necessária aos fundos de investimento no século XX. Mais que isso, eles fazem o que a sociedade expressamente pediu e possibilitou, usando apenas poderes sociais extraordinários e implacáveis.

Quanto ao caso do uso especulativo do crédito convencional na autodestruição da diversidade, a situação é diferente. Aí, os efeitos especulativos nunca provêm do imenso volume de crédito, mas da soma de várias transações isoladas que se concentram demais numa localidade durante determinado tempo. A sociedade não criou nenhum estímulo deliberado a essa destruição da prosperidade urbana óbvia. Porém, a sociedade também nada fez para conter ou desviar essa espécie de avalanche de capital prejudicial às cidades.

O investimento privado molda as cidades, mas as ideias sociais (e as leis) moldam o investimento privado. Primeiro surge a imagem do que queremos; depois a máquina é ajustada para produzi-lo. A máquina financeira foi ajustada para criar imagens de anticidades porque, e só porque, nós, como sociedade, achamos que isso seria bom. Quando acharmos que o desejável é uma cidade viva, diversificada, capaz de aprimoramento contínuo e denso, então ajustaremos a máquina financeira para obter isso.

Quanto ao uso especulativo de recursos públicos na reurbanização, há ainda menos razão do que com relação ao crédito privado para supor que isso acontece simplesmente porque acontece. O capital público destinado a habitações é empregado especulativamente em vez de ser usado para a melhoria gradativa e constante das ruas e dos distritos, porque achamos que isso seria bom para os moradores de nossos cortiços – e uma demonstração para todos nós do que é uma boa vida urbana.

Não existe nenhuma razão intrínseca para que a receita de impostos e as verbas públicas não sejam usadas para acelerar a recuperação de cortiços e não para removê-los ou confiná-los. É possível utilizar em habitações subsidiadas métodos inteiramente diversos daqueles atualmente utilizados. Abordarei esse assunto no próximo capítulo.

Também não há nenhuma razão intrínseca para que os prédios públicos sejam drasticamente separados e reunidos em empreendimentos públicos ou culturais monumentais. Eles podem ser construídos e situados como componentes de uma mudança gradativa, para suplementar a matriz da cidade existente e dar vida a ela. Só os fazemos do outro jeito porque achamos correto.

  1. difícil a sociedade controlar o dinheiro do submundo, mas poderíamos fazer muita coisa para refrear pelo menos seus drásticos efeitos. O boicote a certas localidades cria uma oportunidade magnífica para o uso drástico do capital especulativo. Nesse particular, o problema está longe de ser o capital especulativo em si, mas a recusa (encorajada pela sociedade) do investimento convencional.

O uso especulativo do dinheiro público também cria, como subproduto, uma oportunidade magnífica para o dinheiro do submundo. Para entender por que isso ocorre, precisamos compreender que os proprietários de cortiços, ao contrário do proprietário da drogaria do parecer de Panuch, beneficiam-se consideravelmente do uso amplo da prerrogativa da desapropriação. Quando um prédio é comprado por desapropriação, costuma-se levar em conta três fatores para fixar a indenização (preço de venda). São eles o valor tributário da propriedade, o valor de substituição do prédio e a rentabilidade corrente do prédio (diferentemente da rentabilidade de um negócio que possa funcionar nele). Quanto maior for o aproveitamento do prédio, maior será sua rentabilidade e mais o proprietário receberá. Essas vendas por desapropriação são tão lucrativas para os proprietários de cortiços, que alguns deles fazem negócio comprando prédios em áreas já designadas para desapropriação, superlotando-os e aumentando os aluguéis, menos pelos lucros que terão nesse ínterim do que pelo lucro que terão com a venda do prédio para destinação pública. Para combater essa falcatrua, alguns municípios aprovaram leis de “posse imediata”, com a finalidade de transferir legalmente ao patrimônio público, no dia em que a desapropriação é aprovada, o título das propriedades do local que será desapropriado – deixando as negociações sobre preços e avaliação de venda para mais tarde4.

Se os prédios são bem aproveitados, onde quer que estejam, seus proprietários ficam ricos com a remoção dos cortiços. Eles podem usar a indenização da desapropriação – e aparentemente sempre o fazem – para comprar mais imóveis do que os que possuíam, em novas localidades que eles pretendem transformar em cortiços. Se os novos cortiços forem desapropriados mais adiante, tanto melhor para a fortuna e o patrimônio crescente dos investidores. Em Nova York, alguns investidores desse tipo levam não só o dinheiro para um novo local, mas também seus antigos inquilinos, ajudando assim o município a solucionar o problema da “transferência”. A remoção de cortiços tem vantagens próprias. Ela financia a si mesma.

Mais uma vez, o uso especulativo do dinheiro do submundo para criar novos cortiços não chega a ser um problema que envolve apenas o próprio dinheiro desse mundo. Em certa medida, é um problema que provém da remoção de cortiços (encorajada pela sociedade).

Por fim, o uso especulativo do dinheiro do submundo poderia ser mais bem controlado por meio da tributação, conforme explica Panuch em seu parecer:

Não há aplicação do código ou reforma habitacional com abatimento de impostos feitos pelo Departamento de Habitação da Cidade de Nova York que acompanhe a velocidade da formação de cortiços, até que – ou a menos que – o lucro seja retirado dos cortiços pela tributação. [A tributação com base nos lucros é necessária] para corrigir o efeito da estrutura do Imposto de Renda Federal, cujas cláusulas de depreciação e ganhos de capital tornam a propriedade em cortiços uma especulação altamente lucrativa para os proprietários (…).

Um proprietário de cortiço numa área saturada, onde a necessidade de abrigo é desesperadora e os aluguéis são o que o tráfico permitir, nem precisa manter a propriedade. Ele embolsa anualmente sua dedução por depreciação, e depois de registrar o valor contábil de sua propriedade em cortiços como zero, ele a vende a um preço que capitaliza seus altos aluguéis. Feita a venda, ele paga um imposto de 25% de ganhos de capital sobre a diferença entre o valor contábil e o preço de venda. Então ele compra outra propriedade em cortiços e percorre o mesmo caminho. [Uma fiscalização profunda das declarações de rendimentos de proprietários em cortiços feita pelo Departamento de Receitas Fiscais deveria] determinar o volume de impostos e multas atrasadas sobre a retenção de um valor indevido da dedução por depreciação lançada.

Os críticos – ou pelo menos os críticos com quem converso – acham que os lucros do capital especulativo são muito facilitados atualmente pelo fato de o investimento do submundo representar grupos poderosos, com voz ativa nos bastidores do cenário legislativo e administrativo. Não tenho como confirmar se isso é ou não verdade. Contudo, sou levada a pensar que nossa apatia tem certa relação com essa situação. Hoje em dia, alguns construtores têm um raciocínio plausível a respeito dos lucros que o submundo aufere como resultado das iniciativas de reurbanização. “A sociedade criou os cortiços”, dizem eles, “e é justo que a sociedade pague o que for necessário para erradicá-los.” Ao colocar o problema dessa forma, no entanto, foge-se à questão de quem está sendo pago pela sociedade e para onde o dinheiro vai. A apatia é fomentada, também, pela ideia cômoda de que o problema dos cortiços acaba sendo superado com a demolição de velhos prédios de cortiços. Não poderia haver inverdade maior.

  1. muito fácil atribuir a decadência ao trânsito… aos imigrantes… ou aos caprichos da classe média. Os motivos da decadência das cidades são mais profundos e complexos. Dizem respeito ao que pensamos ser desejável e à nossa ignorância a respeito do funcionamento das cidades. O dinheiro pode ser usado – ou recusado – nas obras urbanas como um instrumento que leva ao declínio das cidades. Mas ele deve transformar-se num instrumento de recuperação – passando de um instrumento que financia alterações drásticas a um instrumento que financia mudanças contínuas, graduais, complexas e mais suaves.

1. A primeira etapa dessa avalanche está sendo planejada, na forma de uma desocupação em massa à volta dos prédios históricos. Boston – ou pelo menos os guardiães de sua tradição – envergonha-se de que atualmente os turistas e os estudantes prestem atenção no irrelevante North End ao mesmo tempo que assimilam o sentido da liberdade norte-americana.

2. Os líderes eram o bispo J. Sheil, o sociólogo e criminologista Saul D. Alinsky e Joseph B. Meegan, então supervisor de um parque.

Alinsky revelou os fundamentos e as formas de organização num livro, Reveille for Radicals [Alvorada dos radicais].

3. Em 1960, os proprietários de imóveis de uma dessas ruas conseguiram o que talvez tenham sido os primeiros créditos hipotecários concedidos ao East Harlem em dezoito anos. Foram conseguidos com a intervenção de John J. Merli, vereador e figura de destaque no Comité de Nova York do Partido Democrata. O próprio Merli adiantou o dinheiro para a compra do material necessário e acertou a permuta de trabalho e o mutirão, como o North End havia feito. Depois de concluídas as obras, ele obteve empréstimos bancários para os proprietários em questão, para que pudessem restituir-lhe os empréstimos que ele havia contraído para comprar material.

4. O objetivo dessas leis, claro, é evitar que a propriedade mude nesse meio-tempo, aumentando, assim, as despesas do município além do previsto. As leis de posse imediata dão resultado nisso, mas ao mesmo tempo causam mais dificuldades que de costume para os legítimos proprietários do local. No West End de Boston, por exemplo, os proprietários que ocupavam seus prédios foram levados ao desespero pela lei da posse imediata. A partir do dia da desapropriação, os inquilinos passaram a pagar o aluguel para o município em vez de fazê-lo ao ex-proprietário, e os proprietários também tiveram de começar a pagar aluguel para o município. A situação persistiu por meses a fio – em certos casos, quase um ano; o ex-proprietário não tinha como se mudar por não ter recebido o que lhe era devido e por não ter ideia, além do mais, de quanto receberia. No fim, acabava recebendo quase nada.