A necessidade de prédios antigos

CONDIÇÃO 3: O distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos.

Esse é o capítulo 10
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As cidades precisam tanto de prédios antigos, que talvez seja impossível obter ruas e distritos vivos sem eles. Ao falar em prédios antigos, refiro-me não aos edifícios que sejam peças de museu, nem aos prédios antigos que passaram por reforma excelentes e dispendiosas – embora esses sejam ótimos ingredientes –, mas a uma boa porção de prédios antigos simples, comuns, de baixo valor, incluindo alguns prédios antigos deteriorados.

Se uma área da cidade tiver apenas prédios novos, as empresas que venham a existir aí estarão automaticamente limitadas àquelas que podem arcar com os custos dos novos edifícios. O alto custo de ocupação dos prédios novos pode ser compensado na forma de aluguéis ou na forma de pagamento de juros e amortização pelo proprietário sobre o custo investido da construção. Seja como for, os custos precisam ser pagos. Por essa razão, as empresas que podem arcar com o custo das construções novas devem ser capazes de arcar com uma despesa fixa relativamente alta – alta em comparação com o que necessariamente se exige em prédios antigos. Para manter esses altos custos fixos, as empresas precisam ser ou (a) muito lucrativas ou (b) muito subsidiadas.

Ao olhar à sua volta, você verá que somente as atividades bemestabelecidas, que têm giro alto e são padronizadas ou muito subsidiadas, conseguem normalmente arcar com os custos das construções novas. Redes de lojas, redes de restaurantes e bancos instalam-se em novas construções. Mas bares de bairro, restaurantes típicos e casas de penhores instalam-se em prédios antigos. Supermercados e lojas de calçados geralmente se instalam em prédios novos; boas livrarias e antiquários raramente o fazem. Teatros líricos e museus de arte subvencionados instalam-se em prédios novos. Mas os fomentadores informais das artes – estúdios, galerias, lojas de instrumentos musicais e de material artístico, salas dos fundos onde os negócios de fundo de quintal, de baixo rendimento, permitem travar uma conversa prolongada –, esses se instalam em prédios antigos. Talvez ainda mais significativo, centenas de empresas comuns, necessárias para a segurança e a vida nas ruas e nos bairros e reconhecidas por sua utilidade e pela qualidade do pessoal, conseguem sair-se muito bem em prédios antigos, mas são inexoravelmente aniquiladas pelos altos custos fixos das construções novas.

Como em qualquer tipo de ideia nova – independentemente de algumas delas, em última análise, se mostrarem mais ou menos proveitosas ou acertadas –, não há espaço para tais tentativas, e erros e acertos na economia de altos custos fixos das construções novas. Ideias antigas às vezes podem lançar mão de prédios novos. Ideias novas devem lançar mão de prédios antigos.

Até mesmo as empresas que consigam financiar novas obras nas cidades precisam de construções antigas na vizinhança. Do contrário, serão uma atração única num ambiente único, bastante limitado economicamente – e portanto com muitas limitações, do ponto de vista funcional, para se tornar movimentados, interessantes e úteis. O florescimento da diversidade em qualquer lugar da cidade pressupõe a mistura de empresas de rendimentos altos, médios e baixos.

O único mal dos prédios antigos num distrito ou numa rua é aquele que inevitavelmente não resulta senão da idade – um mal que existe em tudo o que é antigo e se deteriora. Mas uma área urbana em tal situação não fracassa por ser velha. Ao contrário. A área é velha por ter fracassado. Por alguma razão ou por uma série delas, suas empresas ou seus moradores são incapazes de bancar novas construções. Talvez essa área não tenha conseguido reter os moradores ou as empresas que evoluam a ponto de financiar novas construções ou reformas; assim que têm condições, eles vão embora. Essa área também não conseguiu atrair moradores novos por livre escolha; eles não veem nela atrativos ou oportunidades. E, em alguns casos, tal área pode ser tão improdutiva economicamente que as empresas capazes de obter sucesso em outros lugares e então construir ou reformar sua sede nunca o fazem aqui porque aqui não ganham dinheiro suficiente1.

Um distrito bem-sucedido torna-se uma espécie de celeiro natural de construções. Ano após ano, alguns dos prédios antigos são substituídos por novos – ou reformados a ponto de equivaler a um novo. Portanto, com o passar do tempo, há uma mistura constante de edifícios de várias idades e de vários tipos. Trata-se, é claro, de um processo dinâmico, em que o que era novo acaba se tornando velho em meio à variedade.

Mais uma vez estamos tratando dos efeitos do tempo sobre a economia, como fizemos com os usos principais combinados. Mas, neste caso, estamos tratando da economia no tempo não hora a hora ao longo do dia, mas em termos de décadas e de gerações.

O tempo transforma os prédios de alto custo de uma geração em pechinchas na geração seguinte. O tempo salda o valor inicial do dinheiro investido, e essa depreciação pode refletir-se nos rendimentos que se esperam de um edifício. O tempo torna obsoletas certas estruturas para certos empreendimentos, e elas passam a servir a outros. O tempo pode transformar o espaço adequado para uma geração em espaço supérfluo para outra. O que é lugar-comum nas edificações de um século torna-se aberração no seguinte.

A necessidade econômica de prédios antigos misturados a novos não é uma excentricidade ligada aos vertiginosos aumentos do custo da construção desde a guerra e especialmente por toda a década de 50. Na verdade, é bastante acentuada a diferença entre os rendimentos proporcionados pela maioria das construções do pós-guerra e os das construções anteriores à Depressão. A diferença entre os custos de manutenção por metro quadrado de espaço comercial pode atingir de 100 a 200 por cento, muito embora os prédios antigos possam ser mais bem construídos do que os novos e os custos de manutenção de todos os edifícios, inclusive os antigos, tenham subido. Os prédios antigos eram um ingrediente necessário à diversidade urbana nos anos 1920 e 1890. Os prédios antigos serão ainda necessários quando os prédios novos de hoje forem velhos. Isso foi, ainda é e será válido, independentemente de os custos de construção oscilarem ou se estabilizarem, porque um prédio desvalorizado requer uma renda menor do que aquele que ainda não saldou o capital investido. O crescimento constante dos custos de construção intensifica a necessidade de prédios antigos. Talvez eles também tornem necessária uma proporção maior de prédios antigos em toda a diversidade que a rua ou o distrito contenham, porque os custos de construção crescentes aumentam o patamar do retorno financeiro necessário para arcar com os custos de novas construções.

Há poucos anos, dei uma palestra num congresso sobre planejamento urbano a respeito da necessidade social de diversidade comercial nas cidades. Não demorou para que aquilo que eu dissera fosse repetido por projetistas, urbanistas e estudantes em forma de lema (que eu certamente não inventei): “Devemos deixar espaço para a mercearia de esquina!”

Em princípio pensei que isso fosse uma figura de linguagem, a parte pelo todo. Mas em seguida comecei a receber pelo correio planos e esboços de empreendimentos e áreas de renovação nos quais, literalmente, se deixara aqui e acolá, a grandes intervalos, um espaço para a mercearia de esquina. Esses planos vinham com cartas que diziam: “Veja, nós levamos a sério o que você disse.”

Esse recurso da mercearia de esquina representa um entendimento raso e paternalista, da diversidade urbana, talvez apropriado para uma vila do século passado, mas pouco adequado a um distrito urbano movimentado de hoje. Na verdade, merceariazinhas solitárias dão-se mal nas cidades. São invariavelmente uma marca de áreas apagadas estagnadas e não diversificadas.

Entretanto, os projetistas dessas inutilidades bem-intencionadas não estavam sendo simplesmente obstinados. Estavam fazendo provavelmente o possível em face das condições econômicas que lhes foram apresentadas. Um shopping center típico de subúrbio em algum lugar do projeto e essa frágil inclusão das mercearias de esquina era o máximo que se poderia esperar. Isso porque esses projetos contemplavam tanto grandes áreas de construções novas quanto novas construções combinadas com reformas amplas e predeterminadas. Os custos fixos sempre altos frustravam antecipadamente qualquer tipo de diversidade. (As perspectivas são ainda mais fracas devido a uma combinação insuficiente de usos principais e, portanto, a uma distribuição insuficiente de fregueses ao longo do dia.)

Até mesmo as mercearias isoladas, se tivessem sido construídas2, dificilmente seriam os estabelecimentos aconchegantes imaginados pelos projetistas. Para manter despesas fixas altas, elas precisam ser (a) subsidiadas – por quem e por quê? – ou (b) convertidas em fábricas padronizadas, de alta produtividade.

Trechos extensos construídos ao mesmo tempo são por si próprios incapazes de abrigar um espectro amplo de diversidade cultural, populacional e de negócios. São incapazes até mesmo de abrigar uma diversidade comercial considerável. Isso pode ser comprovado num lugar como Stuyvesant Town, em Nova York. Em 1959, mais de uma década após a inauguração, dos trinta e dois pontos que compreendem o espaço comercial de Stuyvesant Town, sete estavam desocupados ou não eram usados para vendas diretas (como depósito, para anúncios na fachada e similares). Isso representava a não utilização ou a subutilização de 22 por cento dos pontos. Ao mesmo tempo, na calçada oposta das ruas limítrofes, onde se misturam construções de todas as idades e em vários estados, havia cento e quarenta pontos comerciais, dos quais onze estavam desocupados ou não eram usados para vendas diretas, representando uma não utilização ou uma subutilização de apenas 7 por cento. Na verdade, a disparidade é maior do que aparenta ser, porque as lojas vazias das ruas antigas eram na maioria pequenas e representavam em metragem menos de 7 por cento, o que não era o caso das lojas da nova área projetada. O lado do bom comércio de rua é aquele em que as idades das construções se misturam, apesar de boa parte de seus fregueses serem moradores de Stuyvesant Town e a despeito de terem de atravessar ruas largas e perigosas para chegar até lá. As grandes lojas e os supermercados reconhecem essa realidade e estão construindo novas instalações nos locais onde há mistura de prédios de idades variadas, em vez de ocupar os pontos comerciais vazios do espaço planejado.

Atualmente, as construções urbanas da mesma idade são às vezes protegidas da ameaça da concorrência comercial mais eficiente e ágil. Essa proteção – que não é nada mais, nada menos que o monopólio comercial – é considerada muito “progressista” nos círculos do planejamento urbano. O plano de revitalização do Society Hill, em Filadélfia, impedirá, com o zoneamento, que os centros comerciais da empreiteira sofram concorrência em todo o distrito. Os planejadores da cidade também arquitetaram um “plano de alimentação” para a área, o que significa dar a uma única rede de restaurantes o monopólio em todo o distrito. A comida dos outros é proibida! O distrito reurbanizado de Hyde Park-Kenwood, em Chicago, reservou para um shopping center típico de subúrbio o monopólio de praticamente todas as atividades comerciais, para serem exploradas pelo principal empreiteiro do plano. No enorme distrito Southwest de Washington, que está sendo reurbanizado, a principal construtora dos edifícios parece ter a intenção de eliminar a concorrência consigo mesma. Os primeiros planos desse projeto continham um shopping center central típico de subúrbio mais umas poucas lojas de variedades espalhadas – nosso velho conhecido, o recurso da mercearia solitária de esquina. Um analista econômico de shopping centers previu que essas lojas de variedades poderiam provocar uma redução de negócios no centro comercial principal, típico de subúrbio, o qual já teria de arcar com despesas fixas altas. Para não prejudicá-lo, as lojas de variedades foram retiradas do projeto. É dessa maneira que os pacotes monopolistas, repetitivos, de arremedos de cidades são impingidos como “consumo planejado”.

O planejamento monopolista pode transformar em sucesso financeiro esses empreendimentos da mesma idade naturalmente ineficientes e estagnados. Mas só com isso não consegue criar, como num passe de mágica, um equivalente da diversidade urbana. Nem consegue reproduzir, nas cidades, a eficiência própria aos prédios de idades variadas e os custos fixos naturalmente variados.

  1. muito relativa a idade das construções quanto à utilidade e à conveniência. Nada num distrito que tenha vitalidade parece velho a ponto de não ser escolhido por quem tem esse poder – ou a ponto de ser eventualmente substituído por algo novo. E essa utilidade do antigo não é uma questão pura e simples de excelência ou de charme arquitetônico. No Back-of-the-Yards, em Chicago, não há sequer uma casa castigada pelo tempo, sem atrativos, deteriorada, com uma estrutura supostamente ultrapassada que pareça irrecuperável a ponto de não atrair um investimento ou motivar um pedido de empréstimo – porque se trata de um bairro que os moradores não abandonam quando seu poder aquisitivo aumenta. No Greenwich Village, os prédios antigos quase nunca são desprezados pelas famílias de classe média que procuram bons preços num distrito movimentado ou pelos que procuram uma pérola para reformar. Nos distritos de sucesso, os prédios antigos estão na crista da onda.

No outro extremo, em Miami Beach, onde o que reina é a novidade, hotéis com dez anos são considerados velhos e são rejeitados porque há outros mais novos. A novidade, com seu verniz superficial de bem-estar, é um bem muito perecível.

Muitos moradores e empresas das cidades não têm necessidade de obras novas. O prédio em que este livro está sendo escrito é ocupado também por uma academia de ginástica, uma empresa de decoradores de igrejas, um diretório recém-fundado para reformas no Partido Democrata, um diretório do Partido Liberal, um conservatório de música, uma associação de acordeonistas, um importador aposentado que vende erva-mate pelo correio, um homem que vende jornais e também cuida do despacho da erva-mate, um laboratório de protético, um estúdio de aulas de aquarela e um artesão que faz bijuteria. Entre os inquilinos que moravam aqui e se mudaram pouco antes de eu vir para cá, havia um homem que alugava fraques, uma sede de sindicato e um grupo de dança haitiano. Não há lugar para gente do nosso tipo nas novas construções. E a última coisa que queremos são novas construções3. O que nós queremos, e muitos outros querem, são construções antigas, num bairro cheio de vida, que alguns de nós podem tornar ainda mais cheio de vida.

E a construção de novas residências nas cidades também não é um bem inquestionável. Há muitas desvantagens na construção de novas residências nas cidades; e o valor dado a várias das vantagens ou as privações resultantes de certas desvantagens têm pesos diferentes para pessoas diferentes. Por exemplo, algumas pessoas preferem ter mais espaço na moradia pela mesma quantia (ou o mesmo espaço por uma quantia menor) a ter uma copa feita para pigmeus. Algumas pessoas gostam de paredes à prova de som. Essa é uma vantagem que elas têm em muitos prédios antigos, mas não nos novos apartamentos, sejam de conjuntos habitacionais públicos, a 14 dólares mensais por cômodo, sejam de condomínios de luxo, a 95 dólares mensais por cômodo4. Algumas pessoas preferem pôr mãos à obra ou pagar a alguém para melhorar suas condições de vida, ou escolher as melhorias que mais lhes agradam, a serem obrigadas a aceitar reformas indiscriminadas – e todas elas têm seu preço. Nos cortiços em que se fazem benfeitorias espontaneamente, nos quais os moradores permanecem porque querem, é fácil saber da existência de várias pessoas comuns que ouviram falar de recursos de cor, iluminação e mobiliário e transformam ambientes sombrios e carregados em espaços agradáveis e úteis, ouviram falar de ar-condicionado no quarto e de ventiladores elétricos, aprenderam como retirar divisórias e até aprenderam como transformar dois apartamentos pequenos num maior. As combinações de prédios antigos, e as consequentes combinações de custos de vida e de gostos, são essenciais para obter diversidade e estabilidade nas áreas residenciais, assim como a diversidade de empresas.

Uma das coisas mais admiráveis e agradáveis que podem ser vistas ao longo das calçadas das grandes cidades são as engenhosas adaptações de velhos espaços para novos usos. A sala de estar do casarão que se transforma em sala de exposições do artesão, o estábulo que se transforma em casa, o porão que se transforma em associação de imigrantes, a garagem ou a cervejaria que se transformam em teatro, o salão de beleza que se transforma em primeiro andar de um dúplex, o armazém que se transforma em fábrica de comida chinesa, a escola de dança que se transforma em gráfica, a sapataria que se transforma em igreja com vidraças pintadas com esmero (os vitrais dos pobres), o açougue que se transforma em restaurante – são desse tipo as pequenas transformações que estão sempre ocorrendo nos distritos em que há vitalidade e que atendem às necessidades humanas.

Analisem esta história de um espaço improdutivo que recentemente foi convertido pela Associação Artes em Louisville em teatro, sala de música, galeria de arte, biblioteca, bar e restaurante. Ao longo dos anos, esse espaço foi um clube atlético elegante, tornou-se escola, depois estábulo de uma companhia de laticínios, depois escola de equitação, e daí escola de etiqueta e escola de dança, outro clube atlético, o estúdio de um artista, escola de novo, oficina de ferreiro, uma fábrica, um armazém e hoje é uma oficina de artes de sucesso. Quem poderia ter previsto ou fomentado uma sucessão de planos e projetos desse tipo? Só um maluco diria que sim; só um sujeito arrogante tentaria fazê-lo.

Essas transformações e conversões incessantes em prédios urbanos antigos só com muito esforço podem ser chamadas de paliativas. É mais como se uma matéria-prima tivesse sido encontrada no lugar certo. Ganhou um uso que de outra maneira nem teria surgido.

O que é paliativo e lamentável é encarar a diversidade urbana como proibida. Fora do vasto conjunto residencial de renda média de Parkchester no Bronx, onde o comércio padronizado, repetitivo (com seu quinhão de estabelecimentos vazios), está protegido da concorrência não autorizada e das diversificações dentro do conjunto, pode-se ver aquela profusão de proscritos que é mantida pelos moradores do Parkchester. Do outro lado de uma das esquinas do conjunto, horrendamente aglomeradas num trecho de asfalto esburacado deixado por um gasômetro, há outras coisas de que a população do condomínio aparentemente necessita: empréstimos rápidos, instrumentos musicais, troca de câmaras fotográficas, restaurante chinês, pontas de estoque de roupas. Quantas necessidades não são atendidas? As necessidades viram discussão acadêmica quando um conjunto de construções de várias épocas é substituído pelo rigor mortis econômico dos prédios de uma única época, com sua ineficiência natural e a consequente necessidade de formas de “protecionismo”.

As cidades precisam de mesclas de prédios antigos para cultivar as misturas de diversidade principal, assim como aquelas de diversidade derivada. Elas precisam especificamente dos prédios antigos para incubar uma nova diversidade principal.

Se a incubação tiver êxito, o rendimento proporcionado pelos prédios pode aumentar, e isso costuma acontecer. Grady Clay afirma que isso já pode ser constatado, por exemplo, no mercado de sapatos de Louisville. “Os aluguéis eram muito baixos quando o mercado começou a atrair compradores”, diz ele. “Eram de 25 a 50 dólares mensais por uma loja de setenta metros quadrados. Já subiram para 75 dólares.” Muitas das empresas urbanas que se tornam lucrativas começam pequenas e com poucos recursos e chegam a arcar com os custos de reformas ou de uma nova construção. Mas essa evolução não ocorreria se não tivesse havido, em primeiro lugar, aquele espaço de baixa rentabilidade.

As áreas que necessitam cultivar combinações de diversidade principal mais elaboradas precisam depender dos prédios antigos, principalmente no início de tentativas deliberadas de catalisar a diversidade. Por exemplo, se o Brooklyn, em Nova York, quiser cultivar a quantidade de diversidade e o grau de atratividade e vivacidade de que necessita, deve aproveitar ao máximo as vantagens econômicas das combinações de moradia e trabalho. Sem essas combinações de uso principais, numa proporção significativa e efetiva, é difícil o Brooklyn dar vazão a seu potencial de diversidade derivada.

O Brooklyn não consegue concorrer com os subúrbios na captura de fábricas grandes e prósperas que estejam procurando um local para se instalar. Pelo menos, não no momento, ainda mais se tentar vencer os subúrbios no jogo deles, com as regras deles. O Brooklyn tem trunfos diferentes. Se o objetivo é tirar o máximo proveito econômico das combinações principais de moradia e trabalho, deve apoiar-se principalmente na gestação de novos locais de trabalho e depois incubá-los pelo tempo que for possível. Quando os tiver, deve combiná-los a uma concentração suficientemente alta de moradores, e em quadras curtas, para aproveitar sua presença ao máximo. Quanto maior for esse aproveitamento, tanto maior será sua segurança em manter esses usos de trabalho.

Porém, o Brooklyn precisa de prédios antigos para gestar esses usos de trabalho – precisa deles exatamente para a atribuição que eles têm lá. O Brooklyn é um incubador e tanto. Todo ano, as fábricas mais saem do Brooklyn para outros lugares do que vão de outros lugares para lá. Ainda assim, o número de fábricas do Brooklyn tem crescido constantemente. Uma tese elaborada por três alunos do Instituto Pratt do Brooklyn5 esclarece bem esse paradoxo:

O segredo é que o Brooklyn é um incubador de trabalho. Pequenos negócios surgem aí constantemente. Pode ser que alguns metalúrgicos se cansem de trabalhar para um patrão e abram um negócio próprio nos fundos de uma garagem. Obtêm exito e crescem; logo a empresa está grande demais para a garagem, e eles se mudam para um galpão alugado; depois, compram um prédio. Quando a empresa fica grande demais para o prédio e eles precisam construir um prédio próprio, é bem provável que se mudem para o Queens, ou para Nassau ou Nova Jersey. Durante esse período, porém, vinte, cinquenta ou cem pessoas como eles terão iniciado algum negócio.

Por que eles se mudam quando precisam construir? Por um lado, o Brooklyn oferece muito poucas atrações além daquilo que, para as empresas, são necessidades básicas – prédios antigos e proximidade de uma ampla variedade de pessoas qualificadas e de produtos de que uma empresa pequena precisa. Por outro lado, houve pouco ou nenhum empenho em atender às necessidades do trabalho – por exemplo, grandes somas são despendidas em vias expressas abarrotadas de automóveis particulares que são despejados na cidade ou saem dela; não se pensa nem se investe da mesma maneira em vias expressas para caminhões que sirvam aos fabricantes que utilizam os prédios antigos, as docas e as ferrovias da cidade6.

O Brooklyn, como a maioria das nossas áreas urbanas decadentes, tem mais prédios antigos do que necessita. Em outras palavras, muitos de seus bairros careceram, por muito tempo, de um incremento gradual de construções novas. Ainda assim, se se espera que o Brooklyn progrida a partir de seu patrimônio e de suas vantagens – que é a única maneira de desenvolver uma cidade com êxito –, muitos desses prédios antigos, bem distribuídos, serão essenciais nesse processo. Haverá desenvolvimento se forem dadas as condições para gerar a diversidade que lhe falta, não com a demolição de vastas áreas de prédios antigos.

Podemos ver à nossa volta muitos exemplos de bairros decadentes construídos na mesma época, que datam de antes da construção de empreendimentos residenciais planejados. Esses bairros geralmente eram, no princípio, áreas elegantes; outras vezes começaram como bairros exclusivos de classe média. Todas as cidades possuem bairros desse tipo, fisicamente homogéneos.

Geralmente esses mesmos bairros sofreram toda sorte de empecilhos no que diz respeito à geração de diversidade. Não se pode atribuir sua vida curta e sua estagnação inteiramente à sua infelicidade mais óbvia: a de terem sido construídos ao mesmo tempo. Não obstante, essa é uma das deficiências de tais bairros, cujos efeitos podem, infelizmente, persistir por muito tempo depois de terem envelhecido.

Quando novo, um bairro desses não oferece nenhuma oportunidade econômica para a diversidade urbana. As privações reais provocadas pela monotonia, devido àquela e a outras causas, marcam o bairro logo de início. Ele se torna um lugar para não morar. No momento em que as edificações ficam velhas, sua única característica proveitosa para a cidade é o preço baixo, o que por si só não é suficiente.

Em regra, os bairros construídos ao mesmo tempo mudam pouco fisicamente com o passar dos anos. A pequena modificação física que ocorre é para pior – deterioração gradativa, uns poucos usos novos, esparsos e pobres, aqui e acolá. As pessoas percebem essas poucas diferenças esparsas e as encaram como evidência, e talvez causa, de uma mudança drástica. Combate à Praga! Elas lamentam que o bairro tenha mudado. Ainda assim, é fato que fisicamente ele mudou muito pouco. O que realmente mudou foi o apreço das pessoas por ele. O bairro demonstra uma incapacidade surpreendente de atualizar-se, animar-se, renovar-se ou de ser intencionalmente procurado por uma nova geração. Ele está morto. Na verdade, nasceu morto, mas ninguém tinha se dado conta disso até o cadáver cheirar mal.

Por fim, depois de terem fracassado os pedidos para arrumá-lo e combater a praga, vem a decisão de pôr tudo abaixo e começar um novo ciclo. Talvez alguns dos prédios antigos sejam preservados se puderem ser “renovados” para se igualarem economicamente aos novos. Projeta-se um novo cadáver. Ainda não cheira mal, mas mesmo assim está morto, igualmente incapacitado para os ajustes, as adaptações e as transformações constantes que constituem as etapas da vida.

Não há razão para repetir esse ciclo melancólico e fadado ao fracasso. Se uma análise desse tipo de área for feita para averiguar qual ou quais das outras três condições estão faltando e então corrigi-las da melhor maneira possível, alguns dos prédios antigos deverão desaparecer: será necessário rasgar mais ruas, aumentar a concentração de pessoas, dar mais espaço para os usos principais, públicos e privados. Mas deve-se manter uma boa combinação de prédios antigos e, ao serem mantidos, eles se terão tornado mais do que o mero testemunho da decadência do passado ou uma evidência do fracasso. Eles se terão tornado abrigo necessário – e valioso para o bairro – para vários tipos de diversidade de retorno médio, baixo e nulo. Nas cidades, o valor econômico dos prédios novos é substituível. É substituível despendendo mais dinheiro da construção civil. Já o valor econômico dos prédios antigos é totalmente insubstituível. Ele é criado pelo tempo. Esse pré-requisito econômico da diversidade os bairros ativos só podem herdar e depois manter ao longo dos anos.

1. Todos esses motivos têm relação com deficiências inerentes, arraigadas. Há, no entanto, outro motivo para o envelhecimento progressivo de certos distritos, o qual não tem necessariamente relação com carências inerentes. Pode ser que o distrito esteja na lista negra de todos os credores, como aconteceu com o North End de Boston. Essa condenação de um bairro a uma decadência irremediável

  1. não só destrutiva como também comum. Mas por enquanto estamos abordando as condições que afetam a capacidade econômica natural de determinada área urbana de gerar diversidade e capacidade de permanência.

2. Geralmente elas são retiradas dos projetos, ou indefinidamente adiadas, no momento em que é preciso encarar a realidade econômica dos aluguéis.

3. Não, a última coisa que queremos é um julgamento paternalista sobre sermos suficientemente bem-comportados para que nos aceitem nos apartamentos subsidiados de uma cidade imaginária e utópica.

4. “Querido, tem certeza que o fogão é um dos 51 motivos incríveis para morarmos no Washington Square Village?”, pergunta a mulher numa charge divulgada por moradores que protestavam contra um novo empreendimento imobiliário de Nova York. “Fale mais alto, benzinho”, responde o marido. “O vizinho estava puxando a descarga.”

5. Stuart Cohen, Stanley Koogan e Frank Marcellino.

6. O custo do solo, hoje tido invariavelmente como um grande obstáculo para que as empresas em expansão construam na cidade, tem caído constantemente em relação aos custos de construção e a praticamente todos os outros custos. Quando, por exemplo, a Time, Inc. decidiu construir num terreno muito caro perto da zona central de Manhattan, e não em outro muito mais barato na orla da ilha, ela o fez por uma série de motivos, entre os quais estava o custo das corridas de táxis utilizados pelos funcionários a trabalho naquele ponto, o qual, num ano, seria maior que a diferença em despesas territoriais! Stephen G. Thompson, da Architectural Forum, fez a afirmação (nunca publicada) de que os subsídios para renovações urbanas frequentemente tornavam o preço do metro quadrado na cidade mais baixo que o do carpete dos prédios. Para justificar um preço da terra mais alto que o do carpete, uma cidade precisa ser cidade, não uma máquina ou um deserto.