A necessidade de concentração

CONDIÇÃO 4: O distrito precisa ter uma concentração suficientemente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos. Isso inclui pessoas cujo propósito é morar lá.

Esse é o capítulo 11
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Durante séculos, provavelmente todos aqueles que pensaram a respeito das cidades perceberam que parece haver relação entre a concentração de pessoas e as especialidades que elas conseguem manter. Samuel Johnson, um deles, fez comentários sobre essa relação já em 1785. “Os homens, quando muito dispersos, se arranjam”, disse ele a Boswell, “mas se arranjam mal, sem várias coisas (…). É a concentração que propicia o conforto material.”

Os analistas estão sempre redescobrindo essa relação em outras épocas e em outros lugares. Assim, em 1959, John H. Denton, professor de comércio na Universidade do Arizona, depois de estudar os subúrbios norte-americanos e as “cidades novas” britânicas, chegou à conclusão de que tais localidades devem contar com acesso fácil às cidades para salvaguardar suas oportunidades culturais. “Ele fundamentou suas descobertas”, noticiou o New York Times, “na falta de densidade populacional suficiente para manter as instalações culturais. O Sr. Denton (…) afirmou que a descentralização produziu uma dispersão tão acentuada da população que a única demanda econômica efetiva que poderia existir nos subúrbios era a da maioria. Os únicos bens e atividades culturais existentes serão os que a maioria exigir, declarou ele”, e assim por diante.

Tanto Johnson quanto o professor Denton referiam-se aos efeitos econômicos de um grande número de pessoas, mas não um número de pessoas acrescentado indefinidamente a uma população bastante dispersa. Eles afirmavam que o fato de as pessoas viverem em baixa ou alta concentração parecia ser muito importante. Estavam comparando os efeitos do que nós chamamos de alta e baixa densidade.

Essa relação entre concentração – ou alta densidade – e conforto material e outros tipos de diversidade é geralmente reconhecida quando se refere aos centros urbanos. Todos sabem que uma quantidade imensa de pessoas concentra-se nos centros das cidades e que, se não houvesse tal concentração, não haveria centro urbano que se prezasse – certamente não com a diversidade típica dos centros.

Porém essa relação entre concentração populacional e diversidade de usos quase não é levada em conta quando se refere aos bairros cujo uso principal é o residencial. Apesar disso, as moradias formam a grande parte da maioria dos distritos urbanos. As pessoas que habitam o distrito também constituem em geral uma grande porcentagem das pessoas que utilizam as ruas, os parques e os estabelecimentos locais. Sem o auxílio da concentração de pessoas que aí moram, só podem existir pouca infraestrutura ou pouca diversidade de usos nos lugares habitados e onde elas são mais necessárias.

Sem dúvida, as moradias de um distrito (como qualquer outro uso do solo) precisam ser complementadas por outros usos principais, de modo que haja uma boa distribuição de pessoas nas ruas em todas as horas do dia, pelas razões econômicas explicadas no Capítulo 8. Esses outros usos (trabalho, diversão ou o que seja) devem promover um uso intenso do solo urbano a fim de contribuir efetivamente para a concentração populacional. Se eles simplesmente ocuparem um espaço físico e envolverem poucas pessoas, contribuirão muito pouco ou nada para a diversidade ou a vitalidade. Acho absolutamente desnecessário insistir nesse ponto.

Esse mesmo aspecto, porém, tem importância idêntica no tocante às moradias. As moradias precisam também usar intensamente o solo urbano, por motivos que vão muito além do custo da terra. Por outro lado, isso não quer dizer que todo o mundo precise ou deva ser colocado em apartamentos com elevador para viver – ou em qualquer uma das modalidades de habitação. Esse tipo de solução aniquila a diversidade ao impedi-la de outra maneira.

As densidades habitacionais são tão importantes para a maioria dos distritos urbanos e seu desenvolvimento futuro e tão raramente consideradas como fator de vitalidade que dedicarei este capítulo a esse aspecto da concentração urbana.

As altas densidades habitacionais são malvistas no urbanismo ortodoxo e na teoria do planejamento habitacional. Acredita-se que elas levam a toda espécie de dificuldade e ao insucesso.

Todavia, pelo menos nas nossas cidades, essa suposta correlação entre altas densidades e problemas, ou altas densidades e cortiços, é no mínimo incorreta, como pode constatar qualquer pessoa que se preocupe em observar as cidades reais. Eis alguns exemplos:

Em São Francisco, o distrito com mais alta densidade habitacional – e também mais alta cobertura de área residencial com prédios – é North Beach-Telegraph Hill. É um distrito atraente, que promoveu espontânea e persistentemente a recuperação dos cortiços nos anos posteriores à Depressão e à Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, o principal problema de cortiços de São Francisco ocorre num distrito chamado Western Addition, lugar que decaiu vertiginosamente e hoje sofre demolições extensas. O Western Addition (que era uma boa localidade quando novo) tem densidade habitacional consideravelmente mais baixa que a de North Beach-Telegraph Hill e mais baixa que a do ainda elegante Russian Hill e a do Nob Hill.

Em Filadélfia, Rittenhouse Square é o único distrito que tem melhorado espontaneamente e ampliado seus limites, e é a única porção da área urbana central que não foi designada nem para renovação nem para demolição. Possui a mais alta densidade habitacional de Filadélfia. Os cortiços da Zona Norte de Filadélfia apresentam hoje alguns dos mais graves problemas sociais da cidade.

Sua densidade habitacional atinge a média máxima de metade da densidade de Rittenhouse Square.

No Brooklyn, em Nova York, o bairro geralmente mais admirado, mais atraente e remodelado é Brooklyn Heights; tem a mais alta densidade habitacional do Brooklyn. Há extensas áreas apagadas fracassadas ou decadentes do Brooklyn que têm densidade que corresponde à metade ou menos da densidade de Brooklyn Heights.

Em Manhattan, os bolsões valorizados da parte central do East Side e do Greenwich Village têm densidades habitacionais na mesma faixa que as do coração de Brooklyn Heights. Mas pode-se notar lá uma diferença interessante. Em Manhattan, esses bolsões valorizados são circundados por áreas muito populares, caracterizadas por elevado grau de vitalidade e diversidade. Nessas áreas populares, as densidades habitacionais são ainda mais altas. Em Brooklyn Heights, por outro lado, o polo valorizado é rodeado por vizinhanças em que a densidade habitacional diminui, e a vitalidade e a popularidade, também.

Em Boston, como mencionei na introdução deste livro, o North End promoveu a recuperação de seus cortiços e é uma das áreas mais sadias da cidade. Tem de longe a mais alta densidade residencial de Boston. O distrito de Roxbury, que decaiu durante uma geração, tem densidade habitacional de cerca de um nono da do North End1.

Os cortiços superlotados da literatura sobre planejamento urbano são áreas fervilhantes, que têm alta densidade habitacional. Os cortiços superlotados da realidade norte-americana são, cada vez mais tipicamente, áreas monótonas, que têm baixa densidade habitacional. Em Oakland, Califórnia, o maior problema de cortiços é uma área de cerca de duzentas quadras de casas separadas, habitadas por uma ou duas famílias, cuja densidade não é suficiente nem para caracterizar-se como uma densidade urbana real. O maior problema de cortiços em Cleveland são 2,5 quilômetros quadrados de mesmice. Detroit é principalmente composta, hoje em dia, de áreas aparentemente intermináveis, fracassadas por causa da baixa densidade. O East Bronx de Nova York, que pode ser considerado símbolo dos cinturões apagados e monótonos que se tornaram um pesadelo para as cidades, apresenta densidades baixas para Nova York; na maioria do East Bronx, as densidades estão bem abaixo da média total da cidade. (A densidade habitacional média em Nova York é de 55 unidades por acre [13,59 em mil metros quadrados].)

Contudo, não se pode concluir a partir disso que todas as áreas urbanas de alta densidade habitacional se saiam bem. Nem todas, e achar que essa é a resposta seria de um simplismo escandaloso. Por exemplo, o Chelsea, a maior parte da zona superior bastante debilitada do West Side e a maior parte do Harlem, todos em Manhattan, têm densidades habitacionais nas mesmas faixas altas das do Greenwich Village, de Yorkville e da faixa central do East Side. A outrora ultrachique Riverside Drive, hoje atolada em problemas, tem densidades habitacionais ainda mais altas.

Não conseguiremos entender os efeitos das densidades altas e baixas se encararmos a relação entre concentração de pessoas e produção de diversidade como uma questão pura e simplesmente matemática. Os resultados dessa relação (de que o Dr. Johnson e o professor Denton falam de maneira nua e crua) são muito influenciados também por outros fatores; três deles encontram-se nos três capítulos anteriores.

A não concentração de moradores, por maior que seja, é “suficiente” se a diversidade de usos é suprimida ou impedida por outras insuficiências. Como exemplo extremo, a não concentração de moradias, embora grande, é “suficiente” para gerar diversidade em conjuntos residenciais padronizados, porque a diversidade já foi, de todo modo, padronizada. E quase os mesmos efeitos, por motivos diferentes, podem ocorrer em bairros espontâneos onde os prédios sejam muito padronizados ou as quadras longas demais ou não haja combinações de usos principais que não o residencial.

No entanto, continua sendo verdade que grandes concentrações de pessoas são uma das condições necessárias para o florescimento da diversidade urbana. E isso quer dizer que nos distritos onde as pessoas moram, deve haver alta concentração de moradias no solo a elas destinado. Os outros fatores que influenciam a quantidade de diversidade gerada e os locais onde ela é gerada não terão muito que influenciar se não houver pessoas em número suficiente.

Uma das razões pelas quais baixas densidades urbanas são bem-vistas, embora desmentida pelos fatos, e por que altas densidades urbanas são malvistas, igualmente desmentida, é que sempre se confundem altas densidades habitacionais com superlotação de moradias. Altas densidades habitacionais significam grande quantidade de moradias por acre. Superlotação significa muitas pessoas numa moradia em relação ao número de cômodos que ela possui. A definição de superlotação dada pelo censo é de 1,5 pessoa por cômodo ou mais. Isso não tem relação alguma com o número de moradias na área, assim como as altas densidades não têm de fato relação alguma com superlotação.

Essa confusão entre altas densidades e superlotação, que abordarei rapidamente porque interfere muito no entendimento da função das densidades, é outro equívoco que herdamos do urbanismo da Cidade-Jardim. Os planejadores da Cidade-Jardim e seus discípulos atentaram para áreas de cortiços que tinham não só muitas unidades residenciais no terreno (altas densidades habitacionais) como também muitas pessoas dentro de cada moradia (superlotação), e deixaram de fazer qualquer distinção entre a ocorrência de cómodos superlotados e a ocorrência inteiramente diversa de área densamente construída. Em todo caso, eles detestavam ambos da mesma maneira e faziam deles um par como queijo e goiabada, de modo que até hoje os construtores e os urbanistas pronunciam a frase como se fosse uma só palavra, “altadensidadeessuperlotação”.

Para aumentar ainda mais a confusão, apareceu uma monstruosidade estatística muito utilizada pelos responsáveis pela reurbanização para favorecer suas cruzadas em prol dos conjuntos habitacionais – uma cifra pura com números de pessoas por acre. Essas cifras perigosas nunca revelam o número de moradias ou de cômodos por acre e, se a estimativa referir-se a uma área bastante problemática – e invariavelmente se trata disso –, a conclusão clamorosa é que deve haver alguma coisa abominável, indicada por ela, nessas concentrações tão altas de pessoas. O fato de quatro pessoas usarem um mesmo quarto, ou de que as pessoas podem ser uma manifestação da miséria sob várias faces, pode ser tudo, menos irrelevante. Acontece que o North End de Boston, com 963 habitantes por acre de área residencial [238 habitantes por mil metros quadrados], tem uma taxa de mortalidade (dados de 1956) de 8,8 por mil habitantes e taxa de óbitos por tuberculose de 0,6 por 10 mil. Ao mesmo tempo, o South End de Boston tem 361 habitantes por acre de área residencial [89 habitantes por mil metros quadrados], taxa de mortalidade de 21,6 por mil habitantes e taxa de óbitos por tuberculose de 12 por 10 mil. Seria ridículo concluir que esses sinais de que há algo muito errado no South End devem-se à existência de 361 habitantes por acre de área residencial em lugar de perto de mil. A verdade é mais complexa. Porém, é igualmente ridículo considerar o caso de uma população miserável com mil pessoas por acre de área residencial e concluir que esse índice é, consequentemente, ruim.

É característico dessa confusão entre altas densidades habitacionais e superlotação que um dos grandes planejadores da Cidade-Jardim, Sir Raymond Unwin, tenha denominado de Nada se ganha com superlotação um panfleto que não tinha relação alguma com superlotação, mas sim com a disposição de superquadras com baixa densidade residencial. Nos anos 30, a superlotação de moradias com pessoas e a pretensa “superlotação” do solo com edificações (i.e., densidades habitacionais urbanas e taxas de ocupação do solo) foram aceitas como tendo significados e efeitos praticamente idênticos, na medida em que nem se pensava numa diferenciação. Quando analistas como Lewis Mumford e Catherine Bauer não puderam deixar de perceber que certas áreas urbanas muito bem-sucedidas tinham altas densidades habitacionais e alta taxa de ocupação do solo, mas não muitas pessoas por moradia ou por cômodo, eles se apegaram à desculpa (Mumford ainda se atém a ela) de que os felizardos que vivem confortavelmente nesses locais populares vivem em cortiços, mas são muito insensíveis para perceber ou sentir isso.

Superlotação de moradias e altas densidades habitacionais existem de forma independente uma da outra. O North End e o Greenwich Village e a Rittenhouse Square e Brooklyn Heights têm altas densidades em suas cidades, mas, com poucas exceções, suas moradias não são superlotadas. O South End e a Zona Norte de Filadélfia e Bedford-Stuyvesant têm densidades habitacionais muito mais baixas, mas suas moradias são invariavelmente superlotadas, com muitas pessoas por domicílio. Atualmente, é bem mais provável que encontremos uma superlotação maior sob baixas densidades do que sob altas densidades.

E também a erradicação de cortiços, da forma como é executada em nossas cidades, geralmente nada tem que ver com a solução do problema da superlotação. Ao contrário, a erradicação e a reforma de cortiços normalmente aumentam o problema. Quando os prédios antigos são substituídos por novos conjuntos habitacionais, as densidades habitacionais quase sempre ficam abaixo do que eram, de modo que há menos moradias no distrito do que anteriormente. Ainda que as mesmas densidades habitacionais se repitam ou aumentem levemente, menos pessoas são assentadas do que despejadas, porque as pessoas que foram transferidas em geral viviam em condições de superlotação. O resultado é que a superlotação vai aumentar em algum lugar, principalmente se as pessoas despejadas forem negras, que não têm muita opção de moradia. Todas as cidades têm leis contra a superlotação em seus códigos, mas elas não podem ser aplicadas quando os próprios planos municipais de reurbanização forçam a superlotação em outros lugares.

Em tese, seria possível supor que as altas concentrações populacionais necessárias para ajudar a gerar diversidade nos bairros possam existir tanto sob densidade habitacional suficientemente alta quanto sob densidade mais baixa de moradias superlotadas. O número de pessoas em determinada área poderia ser o mesmo nessas duas situações, embora, na prática, os resultados sejam diferentes. No caso de um número adequado de pessoas num número adequado de moradias, a geração de diversidade é possível, e as pessoas podem apegar-se à mistura de coisas peculiar à sua vizinhança, sem que uma força destrutiva interna – superlotação de moradias, com muitas pessoas por cômodo – entre necessariamente em conflito com ela. A diversidade e a atração que exerce ocorrem junto com condições de vida adequadas quando há moradias suficientes para um número apropriado de pessoas, e, assim, mais pessoas que melhorem de condição tenderão a permanecer.

A superlotação de moradias ou de cômodos, em nosso país, é quase sempre uma manifestação de pobreza ou de discriminação e uma (mas apenas uma) das muitas dificuldades revoltantes e desalentadoras de ser muito pobre ou vítima da segregação residencial, ou ambos. Na verdade, a superlotação sob baixas densidades pode ser ainda mais deprimente e destrutiva do que a superlotação sob altas densidades, porque sob baixas densidades há menos vida pública funcionando como diversão e escape e também como meio de luta política contra injustiças e negligências.

Ninguém gosta de superlotação, e aqueles que precisam suportá-la detestam-na ainda mais. Ninguém vive em locais superlotados porque quer. Mas as pessoas geralmente vivem em bairros de alta densidade habitacionais porque querem. Bairros com superlotação, com baixa ou alta densidade habitacional, são geralmente bairros que não progrediram quando eram habitados em condições normais por pessoas com poder de escolha. Essas pessoas o deixaram. Os bairros que com o tempo resolveram o problema da superlotação ou mantiveram sua redução por várias gerações costumam ser aqueles que têm progredido e tanto mantêm quanto atraem a fidelidade de pessoas com poder de escolha. Os vastos cinturões apagados de densidade relativamente baixa que circundam nossas cidades, decaindo e sendo abandonados, ou decaindo e superpovoando-se, são indícios significativos de um fracasso típico da baixa densidade nas metrópoles.

Quais densidades habitacionais urbanas seriam adequadas?

A resposta é parecida com a que Lincoln deu à pergunta: “Qual deve ser o comprimento das pernas de um homem?” Suficiente para alcançar o chão, respondeu Lincoln.

Da mesma maneira, densidades habitacionais urbanas adequadas são uma questão de funcionalidade. Não podem ser baseadas em abstrações sobre a extensão da área que idealmente deveria ser reservada para tantas e tantas pessoas (vivendo numa sociedade submissa imaginária).

As densidades são muito baixas, ou muito altas, quando impedem a diversidade urbana, em vez de a promover. Essa falta de funcionalidade é a razão de serem muito baixas ou muito altas. Deveríamos encarar as densidades da mesma maneira que encaramos as calorias e as vitaminas. As doses corretas são corretas por causa da eficácia delas. E o que é correto muda de acordo com as circunstâncias.

Comecemos pela parte de baixo da escala de densidades habitacionais, para entender, de modo geral, por que uma densidade que funciona bem num lugar é ruim em outro.

Densidades habitacionais muito baixas – seis moradias ou menos por acre [1,5 moradia por mil metros quadrados] – podem ser boas para subúrbios. Os lotes sob tais densidades têm em média, digamos, 21 por 30 metros ou mais. Algumas densidades habitacionais nos subúrbios são mais altas,

  1. claro; os lotes, em relação a dez moradias por acre [2,47 moradias por mil metros quadrados], ficam em média pouco abaixo de, digamos, 15 por 27 metros, o que é muito pouco para uma moradia suburbana, mas, com um planejamento engenhoso do local, um bom projeto e uma localização tipicamente de subúrbio, pode render um núcleo suburbano ou uma cópia razoável.

Entre dez e vinte moradias por acre [2,47 e 4,94 moradias por mil metros quadrados] temos uma espécie de semissubúrbio2, constituído tanto de casas separadas ou com duas famílias em lotes minúsculos quanto de casas geminadas de tamanho generoso com pátios ou áreas verdes relativamente generosos. Tais projetos, embora costumem ser monótonos, podem ser viáveis e confiáveis se ficarem longe da vida urbana; por exemplo, se se situarem perto da periferia das cidades grandes. Eles não gerarão vitalidade e vida pública urbanas – sua população é muito escassa – nem ajudarão a manter a segurança nas calçadas. Mas talvez nem haja necessidade disso.

Contudo, esse tipo de densidade habitacional ao redor da cidade é uma opção ruim a longo prazo, fadada a transformar-se numa área apagada. À medida que a cidade se expande, desaparece o caráter que torna esses semissubúrbios razoavelmente atraentes e funcionais. À medida que forem engolidos e ficarem incrustados na cidade, perderão, sem dúvida, sua antiga identidade geográfica com subúrbios verdadeiros ou com a área rural. Porém, mais que isso, perderão a própria proteção contra pessoas que não “se adaptam” econômica e socialmente à vida privada dos outros, e não mais terão distância dos problemas peculiares à vida urbana. Imersos na cidade e em seus problemas cotidianos, eles não possuem a vitalidade da cidade para enfrentar esses problemas.

Em suma, há uma justificativa para uma densidade habitacional média de vinte moradias ou menos por acre [4,94 moradias por mil metros quadrados], e deve haver boas razões para tais densidades, desde que as moradias e os bairros que as apresentem não sejam componentes habituais da metrópole.

Acima dessas densidades habitacionais de semissubúrbios, é raro escapar das realidades da vida urbana, mesmo que por pouco tempo.

Nas cidades maiores (as quais, você vai recordar, não possuem a autossuficiência local das cidades de pequeno porte), densidades de vinte ou mais moradias por acre implicam que muitas pessoas que moram próximas geograficamente não se conhecem e nunca o farão. Fora isso, facilita-se a presença de desconhecidos de qualquer outro lugar, porque outros bairros de mesma densidade ou mais alta ficam por perto.

Quando se ultrapassa a densidade habitacional de um semissubúrbio ou uma localidade de subúrbio é engolida, passa a existir de repente um tipo totalmente diverso de núcleo urbano – um núcleo que agora apresenta modalidades diferentes de trabalho diário e exige modos diferentes de lidar com elas; uma comunidade que carece de certas vantagens, mas possui vantagens potenciais de outro tipo. A partir desse momento, esse núcleo urbano precisa da vitalidade e da diversidade das cidades.

Infelizmente, porém, densidades suficientemente altas para trazer consigo problemas típicos das cidades não são, de modo algum, necessariamente altas o suficiente para gerar a vitalidade, a segurança, a infraestrutura e a atratividade das cidades. Assim, entre o ponto em que desaparecem o caráter e a função de semissubúrbio e o ponto em que a diversidade e a vida pública dinâmicas podem despontar, há uma série de densidades metropolitanas que chamarei de densidades habitacionais intermediárias. Elas não servem nem à vida suburbana nem à vida urbana. Em geral, só ocasionam problemas.

As densidades habitacionais intermediárias aumentam, por definição, até o ponto em que uma vida urbana autêntica comece a surgir e suas forças construtivas passem a atuar. Esse ponto é variável. Varia de cidade para cidade e varia dentro da mesma cidade, dependendo do grau de sustentação que as moradias obtenham de outros usos principais e de usuários de fora do distrito, atraídos pela vivacidade ou pela singularidade.

Distritos como Rittenhouse Square, em Filadélfia, e North Beach-Telegraph Hill, em São Francisco, que ostentam uma enorme riqueza de combinações de usos e atrações para as pessoas vindas de fora, podem comprovadamente manter a vitalidade sob uma densidade habitacional de aproximadamente 100 domicílios por acre [24,71 por mil metros quadrados]. Por outro lado, em Brooklyn Heights essa quantidade evidentemente não basta. Aí, nos locais em que a média cai para 100 moradias por acre, a vitalidade também decresce3.

Só consigo me lembrar de um distrito urbano com vitalidade que tenha bem menos de 100 residências por acre [24,71 por mil metros quadrados] – o Back-of-the-Yards, em Chicago. Pode ser uma exceção, porque esse distrito desfruta de benefícios políticos que normalmente só decorrem da alta concentração. Quanto à sua densidade habitacional intermediária, ele tem, contudo, um número suficiente de moradores para ter peso na metrópole porque sua área funcional é muito mais ampla geograficamente do que a que outros distritos alcançam, a não ser no nome, e ele usa toda essa força política com habilidade e tenacidade para conseguir o que quer. Porém, até mesmo o Back-of-the-Yards apresenta algumas desvantagens decorrentes da monotonia visual, os pequenos inconvenientes do cotidiano e o receio de desconhecidos que pareçam muito estranhos e que quase sempre aparecem nas densidades habitacionais intermediárias. O Back-of-the-Yards vem aumentando gradativamente suas densidades, seguindo o crescimento natural da população do distrito. Aumentar as densidades gradativamente, como tem sido feito aí, não significa de forma alguma minar as conquistas sociais e econômicas do distrito. Ao contrário, significa fortalecê-las.

Para definir uma explicação funcional sobre os limites das densidades intermediárias, podemos dizer que um distrito as ultrapassa quando seu território destinado a residências for suficientemente denso para que sua diversidade principal contribua para o surgimento cada vez maior de diversidades e vitalidade urbanas derivadas. A taxa de densidade que possibilita isso num lugar pode ser insuficiente em outro.

A explicação numérica tem menos significado que a explicação funcional (e infelizmente pode tornar o que é dogmático imune aos dados mais verdadeiros e mais sutis provindos da realidade). Porém, posso concluir que numericamente as densidades habitacionais intermediárias talvez sejam ultrapassadas numa taxa em torno de 100 moradias por acre [24,71 moradias por mil metros quadrados], sob circunstâncias o mais apropriadas possível em todos os aspectos para o surgimento da diversidade. Como regra geral, acho 100 moradias por acre muito pouco.

Supondo que se tenha ultrapassado a faixa das problemáticas densidades intermediárias, voltemos às densidades urbanas viáveis. Até onde “deveriam” chegar as densidades habitacionais urbanas? Até onde elas podem ir?

Obviamente, se o objetivo é uma vida urbana movimentada, as densidades habitacionais devem subir até onde for necessário para estimular a diversidade potencial máxima do distrito. Por que desperdiçar o potencial do distrito e da população da cidade de criar uma vida urbana atraente e intensa?

Resulta daí, no entanto, que talvez as densidades sejam altas demais se atingirem um ponto em que, por alguma razão, passem a inibir a diversidade em vez de estimulá-la. Como isso pode realmente acontecer, a questão principal é considerar quão alto é esse alto demais.

O motivo pelo qual as densidades habitacionais podem inibir a diversidade, se subirem demais,

  1. o seguinte: em algum momento, para acomodar tantas moradias no solo, recorre-se à padronização. Isso é fatal, pois uma grande diversidade de idades e tipos de construção tem relação direta e explícita com a diversidade populacional, a diversidade de empresas e a diversidade de panoramas.

De todos os vários tipos de construções (antigas e novas) da cidade, alguns são sempre menos eficientes que outros no aumento de moradias que proporcionam ao território. Um prédio de três andares abriga menos moradias em determinada área de terreno do que um prédio de cinco andares; um prédio de cinco andares, menos do que um de dez andares. Se quisermos subir ainda mais, o número de moradias que ocupam determinado terreno pode ser estupendo – como demonstra Le Corbusier em seus projetos de uma cidade com arranha-céus repetitivos num parque.

Porém, ao acomodar moradias em determinadas áreas de terreno, os resultados efetivos nunca são muito maiores, e nunca foram. Deve haver espaço para a variedade de prédios. Todas as variações que não apresentem eficiência máxima acabam suplantadas. Eficiência máxima, ou qualquer coisa parecida, significa padronização.

Em certa época e em certa localidade, sob determinada conjuntura de legislação, tecnologia e financiamento, algum modo particular de acomodar moradias no terreno tende a ser o mais eficiente. Em certos lugares e em certas épocas, por exemplo, as casas geminadas estreitas de três pavimentos pareceram ser a solução mais eficiente para a disposição de moradias no terreno. Nas localidades em que suplantaram todos os outros tipos de construção, elas estenderam um véu de monotonia. Em outro período, os prédios de apartamentos de cinco ou seis andares, mais largos e com escadas, foram mais eficientes. Quando a Riverside Drive, em Manhattan, foi construída, os edifícios de apartamentos de doze e catorze andares, com elevador, eram aparentemente a solução mais eficiente para a acomodação de moradias, e, com essa padronização específica por base, produziu-se um bolsão com a mais alta densidade habitacional de Manhattan.

Os prédios de apartamentos com elevador são hoje a maneira mais eficiente de ocupar com moradias uma determinada área edificável. E, nesse tipo de habitação, há certos subtipos mais eficientes, como aqueles de altura máxima para elevadores de baixa velocidade, hoje geralmente considerados como sendo de doze andares, e aqueles com altura máxima economicamente viável para o despejo de concreto. (Tais alturas, por sua vez, dependem do avanço tecnológico dos guindastes, de modo que o número de andares cresce a cada ano. Atualmente, são vinte e dois andares.) Os prédios de apartamentos com elevadores não são apenas o modo mais eficiente de acomodar pessoas em determinado terreno; sob circunstâncias desfavoráveis, também podem ser o modo mais perigoso de fazê-lo, como se vê na prática em vários conjuntos habitacionais de baixa renda. Sob outras circunstâncias, são excelentes.

Os prédios de apartamentos com elevador não representam uma padronização só por serem prédios de apartamentos com elevador, assim como as casas de três andares não representam uma padronização por serem casas de três andares. Mas os prédios de apartamentos com elevador representam, sim, uma padronização quando são o único tipo de habitação do bairro – da mesma maneira que as casas de três andares representam uma padronização monótona quando são praticamente o único tipo de habitação do bairro.

Não há um tipo satisfatório para suprir um bairro com moradias; nem dois ou três tipos são satisfatórios. Quanto mais variedade, melhor. No momento em que o conjunto e o número de variedades de edifícios diminuem, a diversidade da população e dos estabelecimentos também tende a estagnar ou diminuir, em vez de crescer.

Não é fácil conciliar altas densidades habitacionais com uma grande variedade de construções

– às vezes, uma variedade enorme. O Greenwich Village é um lugar assim. Abriga pessoas sob densidades que variam de 125 a mais de 200 residências por acre [de 31 a mais de 49 residências em mil metros quadrados], sem padronização de edifícios. Chega-se a essas médias reunindo todos os tipos de habitação: de casas de uma só família, apartamentos, casas de cômodos e toda espécie de moradia em pequenos prédios de apartamentos, a edifícios com elevador, de épocas e tamanhos variados.

O motivo pelo qual o Greenwich Village consegue conciliar essas densidades altas com tamanha variedade é que uma grande porcentagem do solo destinado a habitações (chamada de acreagem habitacional) está ocupada por prédios. Muito pouco é espaço aberto ou sem construção. Na maioria dos locais, estima-se que as construções na área residencial ocupem em média de 60 a 80 por cento do terreno, deixando os restantes 40 ou 20 por cento não construído na forma de quintais, pátios e similares. É uma proporção alta de ocupação do solo. É um uso do próprio solo tão eficiente, que permite uma boa dose de “ineficiência” nos prédios. A maioria deles não é necessariamente apertada, mas mesmo assim atingem-se altas densidades médias.

Agora, suponha que somente de 15 a 20 por cento da área residencial seja construída, e os restantes 75 a 85 por cento fiquem livres ou sem construções. Essas cifras são comuns em conjuntos habitacionais, com enormes espaços abertos, muito difíceis de fiscalizar na vida urbana e responsáveis por grandes vazios e muitos problemas. Mais terra nua representa obviamente menos área construída. Se se duplicarem os espaços vazios de 40 para 80 por cento, a área edificável será reduzida em dois terços! Em vez de ter 60 por cento do solo para construção, tem-se apenas 20 por cento.

Quando um espaço tão grande é deixado livre, o próprio solo está sendo usado “ineficientemente” no tocante à ocupação por moradias. A camisa de força fica muito apertada quando apenas 20 ou 25 por cento do terreno pode ser construído. A densidade habitacional deve ser muito baixa ou, então, as moradias devem ser muito bem acomodadas na porção de solo edificável. Sob tais circunstâncias, é impossível conciliar altas densidades com variedade. Prédios de apartamentos com elevador, geralmente muito altos, tornam-se inevitáveis.

O conjunto habitacional de Stuyvesant Town, em Manhattan, tem densidade de 125 moradias por acre [30,88 moradias em mil metros quadrados], densidade equivalente à faixa mais baixa do Greenwich Village. Ainda assim, para acomodar tantas moradias em Stuyvesant Town, onde o índice de ocupação do solo é de apenas 25 por cento (não há construções em 75 por cento do solo), as moradias devem ter padronização das mais rígidas, em fileira e mais fileira de prédios de apartamentos enormes e praticamente idênticos. Arquitetos e projetistas mais criativos teriam distribuído os prédios de outra maneira, mas, qualquer que fosse, a diferença seria apenas superficial. A impossibilidade matemática frustraria a própria genialidade de inserir uma variedade substancial e genuína com esse baixo índice de ocupação do solo e sob tais densidades.

Henry Whitney, arquiteto e especialista em conjuntos habitacionais, elaborou várias combinações teoricamente possíveis de prédios com elevador e prédios mais baixos, utilizando a baixa taxa de ocupação do solo exigida em programas habitacionais públicos e em praticamente todos os projetos de revitalização subsidiados pelo governo federal. Whitney descobriu que, independentemente da maneira como se divida o solo, é fisicamente impossível ultrapassar as baixas densidades (40 por acre ou perto disso [9,88 em mil metros quadrados]) sem padronizar tudo, com exceção de alguma característica mínima das moradias – a menos que a ocupação do solo seja aumentada, o que significa exatamente reduzir o espaço livre. Cem moradias por acre [24,71 em mil metros quadrados], com pequena ocupação do solo, não produzem indício algum de variedade de características – e, no entanto, essa é a densidade mínima estimada se se quiser evitar as inadequadas densidades intermediárias.

Baixas taxas de ocupação do solo – independentemente de como sejam impostas, por zoneamento local ou até decreto federal – e diversidade de edifícios e densidades urbanas viáveis são, portanto, situações incompatíveis. Com baixa ocupação, se as densidades são suficientemente altas para ajudar a gerar diversidade urbana, elas são ao mesmo tempo excessivamente altas para permitir a diversidade. A questão envolve uma contradição.

Entretanto, supondo que a taxa de ocupação do solo seja alta, até que ponto as densidades do bairro podem subir sem condená-lo à padronização? Isso depende muito de quantas e quais variações herdadas do passado ainda existam no bairro. As variações herdadas do passado são o alicerce para as novas variações do presente (e eventualmente do futuro). Um bairro já padronizado, no passado, com casas de três andares ou edifícios de cinco andares, não terá um espectro amplo de variações com o acréscimo de mais um tipo de construção, criando desse modo uma densidade mais alta e deixando-a assim. A pior possibilidade é não haver alicerce algum herdado do passado: terra nua.

Dificilmente se pode esperar que muitos tipos de moradias ou de construções realmente diferentes sejam acrescentados num mesmo período. Trata-se de um desejo impossível de realizar. Há modas na construção. Por trás dessas modas existem razões econômicas e tecnológicas, e tais modas só não excluem umas poucas possibilidades genuinamente diferentes de construção de moradias urbanas num mesmo período.

Nos bairros de baixas densidades, podem-se aumentá-las e ampliar a variedade acrescentando simultaneamente novos edifícios em pontos diferentes, separados. Em resumo, as densidades devem ser aumentadas – e novas construções erguidas com esse fim – paulatinamente, não com uma elevação repentina, assombrosa, sem acrescentar nada por muitas décadas. O próprio processo de aumentar as densidades paulatina mas continuamente pode resultar também em variedade crescente e, portanto, dar lugar a densidades finais altas sem padronização.

O ponto que as altas densidades finais podem atingir sem provocar padronização é limitado, obviamente, pelo território, mesmo que a taxa de ocupação do solo seja muito elevada. No North End, em Boston, as altas densidades, com média de 275 moradias por acre [68 moradias em mil metros quadrados], ocorrem com uma variedade considerável; mas essa boa combinação foi em parte obtida graças à ocupação do solo, que atinge uma proporção bastante elevada nos terrenos atrás de alguns edifícios. No passado, houve construções demais de dois andares, nos quintais e nos pátios localizados em quadras curtas. Na verdade, essas construções internas contribuem muito pouco para a densidade, porque são pequenas e geralmente baixas. E nunca são um equívoco; como curiosidade ocasional, têm seu encanto. O problema surge com a quantidade. Com o acréscimo de uns poucos prédios de apartamento com elevador – variedade de habitação escassa no North End –, os espaços livres no meio das quadras poderiam aumentar um pouco sem reduzir as densidades do distrito. Ao mesmo tempo, a variedade de tipologias habitacionais do distrito aumentaria, em vez de diminuir. Todavia, isso não poderia ser feito se baixas taxas de ocupação do solo das pseudocidades fossem implantadas junto com prédios com elevador.

Duvido que seja possível, sem uma padronização drástica, ultrapassar a densidade habitacional do North End, de 275 moradias por acre. Na maioria dos distritos – carentes da antiga e peculiar herança do North End de diferentes tipos de construção –, o limite máximo para afastar o perigo da padronização deve ser consideravelmente mais baixo; eu arriscaria, por alto, que ele tende a oscilar em torno de 200 moradias por acre [49 em mil metros quadrados].

Agora precisamos colocar as ruas nisso.

As altas taxas de ocupação do solo, necessárias como são para haver variedade sob altas densidades, podem tornar-se intoleráveis, particularmente ao se aproximarem de 70 por cento. Tornam-se intoleráveis se a área não for entrecortada por ruas frequentes. Quadras longas com alta ocupação do solo são opressivas. Ruas frequentes, por serem aberturas entre as edificações, compensam o alto índice de ocupação do solo à volta delas.

Em qualquer caso, se a meta for gerar diversidade, os distritos precisam de ruas frequentes. Assim, sua importância como elementos complementares da alta ocupação do solo somente reforça essa necessidade.

Contudo, é óbvio que, se as ruas são numerosas, e não escassas, acrescenta-se área livre na forma de ruas. Se colocarmos parques públicos em lugares movimentados, estaremos também acrescentando outro tipo de área livre. E se edifícios não residenciais forem inseridos em áreas residenciais (como devem estar se os usos principais estiverem bem combinados), obtém-se um resultado similar, em que o total de moradias e de moradores do distrito é reduzido àquele tanto.

A associação desses recursos – maior frequência de ruas, parques movimentados em lugares movimentados e vários usos não residenciais combinados, junto com uma grande variedade das próprias moradias – ocasiona resultados totalmente diferentes com altas densidades sinistramente inabaláveis e alta ocupação do solo. Mas tal combinação também ocasiona vários resultados totalmente diferentes se as altas densidades forem “aliviadas” por certo número de terrenos residenciais livres. Os resultados são muito diferentes porque cada um desses outros recursos que mencionei ocasiona muito mais do que um “alívio” em relação às altas taxas de ocupação do solo. Cada um, à sua maneira característica e indispensável, contribui para a diversidade e a vitalidade da área, de modo a resultar, das altas densidades, algo de construtivo, em vez de algo simplesmente inerte.

Afirmar que as cidades precisam de altas densidades habitacionais e alta ocupação do solo, como tenho dito, é normalmente considerado mais grave do que defender quem come criancinhas.

Mas as coisas mudaram desde a época em que Ebenezer Howard observou os cortiços de Londres e concluiu que, para salvar as pessoas, a vida urbana deveria ser abandonada. Os avanços em áreas menos agonizantes que o planejamento urbano e a política habitacional, como a medicina, o saneamento e a epidemiologia, a legislação sobre alimentos e a legislação trabalhista, revolucionaram profundamente as condições perigosas e degradantes que já foram inseparáveis da vida urbana sob alta densidade populacional.

Ao mesmo tempo, a população das regiões metropolitanas (cidades centrais com subúrbios e cidades-satélites) continuou crescendo, a ponto de atualmente representar 97 por cento do aumento total da nossa população.

“Essa tendência deve continuar”, diz o Dr. Philip M. Hauser, diretor do centro de pesquisa populacional da Universidade de Chicago, “(…) porque esses aglomerados de pessoas representam os núcleos de produção e consumo mais eficazes que nossa sociedade criou até agora. Exatamente o tamanho, a densidade e o congestionamento de nossos modelos de Regiões Metropolitanas condenados por alguns urbanistas, estão entre nossos mais preciosos trunfos econômicos.”

Entre 1958 e 1980, ressalta o Dr. Hauser, a população dos Estados Unidos terá crescido entre 57 milhões (levando em conta a queda causada pela baixa taxa de natalidade de 1942-44) e 99 milhões (levando em conta o aumento de 10 por cento na taxa de natalidade relativa a 1958). Se a taxa de natalidade continuar no patamar de 1958, o aumento será de 86 milhões de pessoas.

Praticamente toda essa quantidade afluirá para as regiões metropolitanas. A maior parte do aumento se deverá, é claro, às próprias metrópoles, porque elas não mais atraem pessoas, como há pouco. Elas se tornaram provedoras de pessoas.

O aumento pode ser dividido com os subúrbios, os semissubúrbios e os novos e apagados bolsões intermediários, que se espraiam a partir de zonas urbanas centrais monótonas, onde predominam as densidades intermediárias, que têm baixa vitalidade.

Podemos também aproveitar esse crescimento da área metropolitana e, pelo menos com parte dele, começar a desenvolver os distritos atualmente inadequados, que sobrevivem com densidades intermediárias – desenvolvê-los até o ponto em que essas concentrações de pessoas (junto com outras condições que geram diversidade) possam manter uma vida urbana que tenha qualidade e vitalidade.

Nossa dificuldade não é mais alojar, nas regiões metropolitanas, uma população densa e evitar os estragos causados pelas doenças, pelo saneamento deficiente e pelo trabalho infantil. É anacrónico continuar pensando nesses termos. Hoje, nossa dificuldade maior é alojar as pessoas nas regiões metropolitanas e evitar os estragos causados pelos bairros apáticos e desassistidos.

A solução não pode estar nas tentativas vãs de planejar novas cidades de pequeno porte ou vilas autossuficientes, por toda a região metropolitana. Nossas regiões metropolitanas já são pontilhadas de lugares amorfos, desintegrados, que outrora foram cidades e vilas relativamente autossuficientes e integradas. No momento em que são sugadas pela complexa economia de uma região metropolitana, com sua multiplicidade de opções de locais de trabalho, lazer e compras, elas começam a perder a integridade e a relativa inteireza, social, econômica e cultural. De duas uma: ou nossa economia metropolitana do século XX ou uma vida de cidade isolada ou de cidade de pequeno porte do século XIX.

Como defrontamos a realidade das populações de cidades grandes e de metrópoles, enormidades que serão ainda maiores, defrontamos igualmente a tarefa de desenvolver sabiamente uma vida urbana genuína e aumentar a força da economia urbana. É tolice tentar negar o fato de que nós, norte-americanos, somos seres urbanos vivendo numa economia urbana – e, no processo de negação, perder também todas as zonas rurais verdadeiras das regiões metropolitanas, como tem acontecido constantemente à razão de 1.200 hectares por dia nos últimos dez anos.

No entanto, a razão não reina no mundo, e não reinará necessariamente aqui. O dogma irracional de que áreas saudáveis, como o North End, em Boston, de alta densidade, têm de ser de cortiços ou têm de ser ruins, por terem alta densidade, não teria sido aceito pelos urbanistas modernos, como foi, se não houvesse duas maneiras fundamentalmente diferentes de encarar a questão das altas concentrações populacionais – e se essas duas maneiras não fossem, no fundo, emocionais.

Pode-se ver como um mal inevitável – ainda que necessário – o fato de as pessoas se reunirem em concentrações de tamanho e densidade típicos de cidades grandes. Trata-se de uma suposição comum: os seres humanos são encantadores em pequenos grupos e nocivos em grandes grupos. Dado esse ponto de vista, segue-se que as concentrações de pessoas deveriam ser fisicamente reduzidas a qualquer preço: diminuindo a quantidade em si, tanto quanto seja possível, e, além disso, almejando a ilusão dos gramados de subúrbio e da placidez das cidadezinhas. Segue-se que a exuberante variedade inerente à grande quantidade de pessoas, fortemente concentradas, deveria ser desprezada, escondida, forjada à imagem da variedade mais rala, mais manejável, ou da homogeneidade inequívoca, frequentemente presentes em populações menos numerosas. Segue-se que essas criaturas desnorteantes – tanta gente amontoada – deveriam ser selecionadas e enfurnadas tão recatada e silenciosamente quanto possível, como galinhas numa granja moderna.

Por outro lado, as pessoas reunidas em concentrações de tamanho e densidade típicos de cidades grandes podem ser consideradas um bem positivo, na crença de que são desejáveis fontes de imensa vitalidade e por representarem, num espaço geográfico pequeno, uma enorme e exuberante riqueza de diferenças e opções, sendo muitas dessas diferenças singulares e imprevisíveis e acima de tudo valiosas só por existirem. Dado esse ponto de vista, segue-se que a presença de grande quantidade de pessoas reunidas em cidades deveria não somente ser aceita de braços abertos como um fato concreto. Elas deveriam ser consideradas um trunfo, e sua presença, comemorada: aumentando sua concentração onde necessário para que a vida urbana florescesse e, além disso, almejando uma vida pública nas ruas inequivocamente movimentadas e a acomodação e o encorajamento, econômico e visual, do máximo de variedade possível.

As formas de pensamento, não importa quão objetivas aparentem ser, têm fundamentos e valores emocionais subjacentes. O desenvolvimento do planejamento urbano e da política habitacional modernos fundamentou-se emocionalmente numa relutância inflexível em reconhecer como desejáveis as concentrações de pessoas nas cidades, e essa emoção negativa acerca das concentrações urbanas contribuiu para o enfraquecimento intelectual do planejamento urbano.

Não pode haver bem algum para as cidades ou para seu desenho, seu planejamento, sua economia ou sua população na suposição emocional de que uma grande densidade populacional é, em si, indesejável. Do meu ponto de vista, é um trunfo. O objetivo é promover a vida urbana da população urbana, abrigada, esperamos, sob concentrações bastante densas e bastante diversificadas para possibilitar-lhe uma oportunidade viável de desenvolver a vida urbana.

1. Aqui estão os dados de densidade desses exemplos. Correspondem ao número de moradias por acre [por mil metros quadrados] de área residencial. Quando há dois números, eles representam a faixa em que se encontra a média ou as médias do local citado (que é como esses dados costumam ser tabulados ou mapeados). Em São Francisco: North Beach-Telegraph Hill, 80-140 [19,76-34,59], quase a mesma que a de Russian Hill e de Nob Hill, mas os edifícios cobrem a maior parte da área residencial em North Beach-Telegraph Hill;

  1. Western Addition, 55-60 [13,59-14,82]. Em Filadélfia: Rittenhouse Square, 80-100 [19,76-24,71]; cortiços da Zona Norte de Filadélfia, cerca de 40 [9,88]; vizinhanças em dificuldade com casas geminadas, normalmente 30-45 [7,41-11,12]. No Brooklyn: Brooklyn Heights, 125-174 [30,88-42,99] no centro e 75-124 [18,53-30,64] na maior parte do restante; mais para fora, caem para 45-74 [11,12-18,28]; como exemplos de áreas do Brooklyn em declínio ou em dificuldade, Bedford-Stuyvesant, cerca de metade com 75-124 [18,53-30,64] e metade com 45-74 [11,12-18,28]; Red Hook, em maioria 45-74 [11,12-18,28]; alguns pontos do Brooklyn chegam a cair para 1 5-24 [3,70-5,93]. Em Manhattan: no bolsão mais valorizado da parte central do East Side, 125-174 [30,88-42,99], subindo em Yorkville para 175-254 [43,24-62,76]; Greenwich Village, no bolsão mais valorizado, 124-174 [30,64-42,99], subindo para 175-254 [43,24-62,76] na maior parte do restante, ultrapassando 255 [63,01] no bolsão que abriga uma comunidade italiana estável, antiga e sem cortiços. Em Boston, North End, 275 [67,95]; Roxbury, 21-40 [5,19-9,88].

Com relação a Boston e Nova York, esses dados provêm de coletas e tabulações do Departamento de Habitação; com relação a São Francisco e Filadélfia, são estimativas de membros da equipe de planejamento e desenvolvimento urbano.

Embora muitas cidades tenham uma fixação pela análise minuciosa da densidade no planejamento de obras, surpreendentemente poucas têm dados confiáveis sobre densidades quando não se trata de projetos de obras. (Um diretor de planejamento disse-me que ele não via razão para analisá-las a não ser para indicar a dimensão do problema da transferência de moradores se elas baixassem!) Não tenho conhecimento de uma única cidade que tenha estudado exatamente que variações de densidade localizadas, prédio por prédio, compõem as médias de densidade dos bairros bem-sucedidos e atraentes. “É difícil fazer generalizações com distritos como esse”, lamentou-se um diretor de planejamento quando perguntei a ele sobre variações de densidade específicas, em pequena escala, num dos distritos mais prósperos da cidade. É difícil, ou impossível, generalizar sobre tais distritos precisamente porque são constituídos de agrupamentos muito pouco “generalizados” ou padronizados. Exatamente essa inconstância e essa diversidade de componentes são fatos dos mais importantes e mais menosprezados sobre as densidades médias em distritos bem-sucedidos.

2. O ideal clássico de um planejamento de Cidade-Jardim estrito fica nesta faixa: doze moradias por acre [2,96 moradias por mil metros quadrados].

3. Alguns teóricos do urbanismo defendem a variedade e a vitalidade urbanas e simultaneamente recomendam densidades intermediárias. Por exemplo, na edição de inverno de 1960-1961 da revista Landscape, Lewis Mumford escreve: “Agora a grande função da cidade é (…) permitir, na verdade encorajar e incitar, a maior quantidade possível de reuniões, encontros, desafios entre todas as pessoas, classes e grupos, fornecendo, como já se verifica, um palco em que se encena o drama da vida urbana, com os atores representando a plateia e os espectadores, os atores.” No parágrafo seguinte, porém, ele critica duramente as áreas urbanas ocupadas com densidades populacionais de 200 a 500 pessoas (grifo meu) por acre [50 a 124 pessoas em mil metros quadrados] e recomenda “empreendimentos residenciais que contem com parques e jardins como parte essencial do projeto, com densidades habitacionais não mais altas que cem [25] ou, no máximo, em moradias para pessoas sem crianças, de 125 pessoas por acre” [31 pessoas em mil metros quadrados]. Urbanidade e densidades “intermediárias” como essas só podem estar juntas na teoria; são incompatíveis devido aos fatores econômicos da geração de diversidade urbana.