A necessidade de usos principais combinados

CONDIÇÃO 1: O distrito, e sem dúvida o maior número possível de segmentos que o compõem, deve atender a mais de uma função principal; de preferência, a mais de duas. Estas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa em horários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura.

Esse é o capítulo 8
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Nas ruas prósperas, as pessoas devem aparecer em horários diversificados. Esses horários são calculados em intervalos curtos, a cada hora, ao longo do dia. Já justifiquei essa necessidade no âmbito social ao discutir a segurança nas ruas e também sobre os parques urbanos. Agora destacarei seus efeitos econômicos.

Os parques urbanos, vocês se lembram, precisam de pessoas que estejam nas vizinhanças com propósitos diferentes, ou então eles só serão usados esporadicamente.

A maioria das empresas de bens de consumo depende tanto quanto os parques de pessoas transitando de um lado para o outro o dia inteiro, mas com a seguinte diferença: se os parques ficam desertos, isso é ruim para eles e para a vizinhança, mas eles não desaparecem por causa disso. Se as empresas de bens de consumo ficarem vazias a maior parte do dia, elas talvez fechem. Ou, para ser mais precisa, na maioria das vezes elas nem chegam a abrir. Os estabelecimentos comerciais, assim como os parques, precisam de frequentadores.

Para dar um exemplo modesto dos efeitos econômicos da presença de pessoas ao longo do dia, peço que se lembrem desta cena de calçada: o balé da Rua Hudson. A existência permanente dessa movimentação (que traz segurança à rua) depende de um alicerce econômico de usos principais combinados. Os funcionários de laboratórios, frigoríficos, armazéns e mais aqueles de uma profusão atordoante de pequenas fábricas, gráficas e pequenas indústrias e escritórios garantem o funcionamento de restaurantes e lanchonetes e da maioria do comércio na hora do almoço. Nós, moradores da rua e das travessas majoritariamente residenciais, poderíamos manter sozinhos um comércio pequeno, mas pouco numeroso. Dispomos de mais facilidades, animação, variedade e opções do que “merecemos”. As pessoas que trabalham na vizinhança também têm, por nossa causa, mais variedade do que “merecem”. Mantemos isso tudo juntos, cooperando inconscientemente no campo econômico. Se o bairro perdesse o comércio, seria uma calamidade para nós, moradores. Desapareceriam muitas empresas incapazes de sobreviver somente com as compras domésticas. Ou, se o comércio nos perdesse, desapareceriam as empresas incapazes de sobreviver só das transações com os trabalhadores1.

Sendo assim, os trabalhadores e os moradores, juntos, conseguem gerar mais do que a soma das duas partes. Os empreendimentos que somos capazes de manter atraem, para as calçadas, à noite, muito mais moradores do que se o lugar fosse morto. E, com menos intensidade, atraem ainda outro grupo além dos moradores e dos que trabalham no local: pessoas que querem espairecer, como nós. Essa atração expõe nosso comércio a um grupo ainda maior e mais diversificado de pessoas, e isso, por sua vez, permite um crescimento e uma ampliação do comércio dependente dos três tipos de grupos em proporções variáveis: uma loja mais adiante na rua que vende gravuras, uma loja que aluga equipamentos de mergulho, outra que entrega pizzas de primeira qualidade, uma cafeteria agradável.

O total absoluto de pessoas que utiliza as ruas e a maneira como essas pessoas se distribuem ao longo do dia são duas coisas diferentes. Tratarei do total absoluto em outro capítulo; neste momento é importante entender que o total, em si, não equivale às pessoas distribuídas ao longo do dia.

O significado da distribuição de tempo pode ser percebido com clareza na ponta do centro comercial de Manhattan, porque esse distrito apresenta um desequilíbrio extremo de horários de uso. Cerca de 400 mil pessoas trabalham nesse distrito que abrange a Wall Street, os conjuntos de firmas de advocacia e de seguros vizinhos, o prédio das repartições da prefeitura, algumas repartições estaduais e federais, escritórios das docas e de transportes marítimos e conjuntos de vários outros ramos de atividade. Uma quantidade desconhecida mas considerável de pessoas vai ao distrito no horário comercial, principalmente a escritórios particulares e do governo.

  1. uma quantidade imensa de frequentadores para uma área tão compacta, que se pode alcançar facilmente qualquer ponto a pé. Esses usuários representam uma demanda diária impressionante de refeições e outros artigos, isso sem falar nos serviços culturais.

Ainda assim, o distrito é deplorável em termos de prestação de serviços e de conforto proporcionais aos necessários. O número e a variedade de restaurantes e de lojas de roupas é lamentavelmente insuficiente em relação ao esperado. O distrito já teve uma das melhores lojas de ferragens de Nova York, mas há poucos anos ela não conseguiu arcar com as despesas e fechou. Teve também uma das mais refinadas, amplas e antigas mercearias de artigos finos da cidade; também esta fechou as portas recentemente. Houve época em que o distrito teve alguns cinemas, mas eles se transformaram em dormitório de mendigos e acabaram sumindo. As opções culturais do distrito são nulas.

Todas essas lacunas, que de relance podem parecer frívolas, representam uma deficiência. Firmas e mais firmas mudaram para a zona central de Manhattan, de uso misto (e ela tornou-se o principal centro comercial da cidade). Como disse um corretor de imóveis, se não tivessem mudado, seus funcionários não teriam contato com pessoas capazes de pronunciar corretamente “molibdênio”. Essas perdas, por sua vez, minaram seriamente o maior trunfo do distrito – os contatos pessoais de negócios –, de modo que hoje as firmas de advocacia e os bancos estão se mudando para ficar próximos dos clientes que já o fizeram. O distrito tornou-se de segunda classe em sua atribuição principal – fornecer sedes administrativas –, que é a base do seu prestígio, de sua utilidade e de sua razão de ser.

Ao mesmo tempo, fora dos enormes edifícios de escritórios que constituem o surpreendente horizonte da baixa Manhattan, há um cinturão de estagnação, decadência, vazios e vestígios de indústrias. Atentem para este paradoxo: há aí muita gente, e gente que, além do mais, quer e valoriza tão intensamente a diversidade urbana que é difícil ou até impossível impedir que fujam à procura de outro lugar que a possua. E aí, ombro a ombro com a procura, existe uma profusão de lugares apropriados e vazios onde a diversidade pode florescer. O que está errado?

Para descobrir o que está errado, basta aparecer em qualquer loja comum e observar o contraste entre a multidão da hora do almoço e a monotonia em outros horários. Basta observar a quietude mortal que se abate sobre o distrito depois das cinco e meia e nos sábados e domingos inteiros.

“Eles chegam como uma avalanche”, escreveu o New York Times, citando a vendedora de uma loja de roupas. “Logo percebo quando se passaram alguns minutos do meio-dia.” “O primeiro grupo enche a loja do meio-dia até quase uma hora da tarde”, explicou o repórter do Times. “Então há uma breve pausa. Poucos minutos depois das 13 horas, o segundo grupo avança.” E depois, embora o jornal não tenha dito, poucos minutos depois das 14 horas, a loja fica morta.

A atividade das empresas de bens de consumo desse lugar resume-se, na maioria, a duas ou três horas por dia, ou seja, a cerca de dez ou quinze horas por semana. Esse nível de ociosidade impossibilita completamente qualquer empreendimento. Certas empresas conseguem cobrir suas despesas fixas e obter lucros aproveitando ao máximo a multidão do meio-dia. Mas é necessário que sejam muito poucas, de modo que cada uma consiga atrair uma multidão que lote a loja de uma só vez. Os restaurantes também conseguem sobreviver com a hora do almoço e a do lanche, em vez do almoço e do jantar, se forem relativamente poucos para conseguir fazer uma troca rápida nas minguadas horas de bonança. De que maneira isso contribui para o conforto e o bem-estar desses 400 mil trabalhadores? Muito pouco.

Não é por acaso que a Biblioteca Pública de Nova York recebe desse distrito, mais do que de qualquer outro, telefonemas angustiados – na hora do almoço, é claro – perguntando: “Onde fica o posto da biblioteca aqui? Não consigo encontrá-lo.” Pois ele não existe, para variar. Se existisse, seria impossível fazê-lo grande o suficiente para comportar as filas da hora do almoço e talvez às cinco da tarde e pequeno o suficiente para atender nos outros horários.

Fora esses estabelecimentos de movimento esporádico, outros serviços de varejo podem sobreviver e sobrevivem mantendo suas despesas fixas bem abaixo do normal. É assim que a maioria dos lugares interessantes e decentes e incomuns que ainda não fecharam as portas consegue sobreviver, e é essa a razão de se instalarem em prédios velhos e decadentes.

As empresas de negócios e de finanças presentes na baixa Manhattan empenharam-se durante vários anos, junto à prefeitura, em planejar e iniciar obras de revitalização da região. Agiram de acordo com as crenças e os princípios do planejamento urbano ortodoxo.

A primeira etapa do raciocínio dessas empresas é boa. Reconhecem a existência de um problema e também sua natureza geral. O folheto do projeto elaborado pela Associação do Centro e da Baixa Manhattan diz: “Ignorar os fatores que ameaçam a saúde econômica da baixa Manhattan é aceitar o contínuo êxodo de negócios e atividades há muito estabelecidas para áreas em que eles consigam encontrar melhores condições de trabalho e um ambiente mais agradável e conveniente para seus funcionários.”

O folheto revela, além do mais, um lampejo de compreensão de que é necessária a presença de pessoas ao longo do dia, ao afirmar: “Uma população de moradores estimularia o desenvolvimento de uma infraestrutura para compras, restaurantes, locais de diversão e garagens, que se mostrariam altamente desejáveis também para a população diurna de trabalhadores.”

Mas é apenas um débil lampejo de compreensão, e os planos não passam de uma prescrição de remédios inócuos para a doença.

A população de moradores está, sem dúvida, presente nos planos propostos. Ela ocupará uma área bem extensa, na forma de edifícios padronizados, estacionamentos e espaços vazios, mas as pessoas – como o próprio folheto afirma – totalizarão apenas cerca de um por cento do número de pessoas da população diurna. Que poder econômico hercúleo se espera que essa cifrazinha exerça! Que feitos hedonísticos ela deve realizar para sustentar “o desenvolvimento de uma infraestrutura para compras, restaurantes, locais de diversão (…) altamente desejáveis também para a população diurna de trabalhadores”!

A nova população de moradores será, é claro, apenas uma parte do plano. As outras partes intensificarão o problema atual. Elas o farão de duas maneiras. Primeiro, estão orientadas para uma inserção ainda maior de usos de trabalho diurnos – manufaturas, escritórios de comércio exterior e um enorme edifício de repartições federais, entre outras. Segundo, as demolições planejadas para a instalação desses novos locais de trabalho e dos conjuntos residenciais e das consequentes vias expressas vão extinguir – junto com os prédios vazios e os usos de trabalho decadentes – grande parte dos serviços e do comércio de baixo custo fixo que ainda funcionam para atender à população de trabalhadores. As instalações para esta população, já bastante escassas em variedade (e quantidade), serão ainda mais reduzidas, em resultado do aumento da população de trabalhadores e do número absolutamente insignificante de moradores. A desagradável situação atual se tornará insuportável. Os planos, além de tudo, impossibilitarão o surgimento de serviços que sejam minimamente aceitáveis, porque não haverá espaço para eles em face do valor financeiro necessário à gestação de uma nova empresa.

A baixa Manhattan tem realmente um problema sério, e o raciocínio e os tratamentos de praxe do planejamento ortodoxo só ajudam a aumentá-lo. O que poderia ser feito para efetivamente melhorar o extremo desequilíbrio de horários de uso do distrito, que é a raiz do problema?

A área residencial, não importa a maneira como seja implantada, não ajudará efetivamente. O uso diurno do distrito é tão intenso, que os moradores, mesmo na mais alta densidade possível, sempre estariam em quantidade inexpressiva e ocupariam um território cujo tamanho seria totalmente desproporcional à contribuição econômica que poderiam dar.

O primeiro passo no planejamento da inclusão de novos usos potenciais é ter uma ideia real daquilo que essa iniciativa deve proporcionar para superar o problema fundamental do distrito.

A inclusão teria obviamente de resultar na presença de uma quantidade máxima de pessoas nos momentos em que o distrito mais precisa delas para equilibrar os horários de uso: no meio da tarde (entre duas e cinco horas), à noite, aos sábados e aos domingos. A única concentração mais numerosa capaz de fazer diferença seria uma grande quantidade de visitantes naqueles períodos, o que significa, por sua vez, turistas e muita gente da própria cidade que passassem a frequentá-lo em seus momentos de lazer.

Aquilo que atraia essa injeção de público novo deve ser também atraente para as pessoas que trabalham no distrito. Sua existência não pode, no mínimo, incomodá-las ou afugentá-las.

Esse novo uso (ou usos) pretendido não pode, além do mais, substituir indiscriminadamente os próprios edifícios e terrenos em que os novos empreendimentos e melhorias espontâneas, estimulados pela nova distribuição horária das pessoas, teriam condições de crescer com a liberdade e a flexibilidade de espaço de que precisam.

E, por fim, esse novo uso (ou usos) deve combinar com o perfil do distrito, e nunca atuar em sentido contrário. Faz parte do perfil da baixa Manhattan ser intensa, empolgante, excitante, e isso é um de seus maiores trunfos. O que pode ser mais excitante, e mesmo romântico, do que os arranha-céus irregulares da baixa Manhattan, erguendo-se repentinamente até as nuvens como um castelo mágico envolvido pela água? Seu toque único de um recorte desigual, seus desfiladeiros ladeados por arranha-céus são sua grandiosidade. Que vandalismo não seria (que vandalismo representam os atuais projetos!) diluir essa presença urbana magnífica no enfadonho e no convencional.

O que existe aqui que atraia visitantes nas horas de lazer, por exemplo, nos fins de semana? Ao longo dos anos, infelizmente, foram ceifados quase todos os principais atrativos diferenciados que provavelmente seriam ceifados do distrito pelos projetos. O aquário, que ficava no Battery Park, na ponta da ilha, e era a maior atração do parque, foi demolido e reconstruído na Ilha Coney, o último lugar que precisava dele. Uma pequena comunidade armênia, exótica e imprescindível (havia uma área residencial importante como chamariz peculiar de turistas e visitantes) foi inteiramente removida por causa do acesso viário a um túnel, e atualmente os guias turísticos e as seções femininas dos jornais mandam os visitantes para o Brooklyn para descobrir os remanescentes dessa comunidade para lá transplantados e suas lojas extraordinárias. Os barcos de excursão, os passeios à Estátua da Liberdade, têm tido menos charme que as filas nas caixas dos supermercados. A lanchonete do Departamento de Parques no Battery é tão atraente quanto uma cantina de escola. O próprio Battery Park, situado no local mais agitado da cidade, entrando porto adentro como uma proa, acabou lembrando um asilo para anciãos. Tudo o que até aqui foi imposto a este distrito pelos projetos (e todo o resto que tem sido planejado) transmite às pessoas com a maior franqueza: “Vão embora! Deixem-me só!” Nada diz: “Venham!”

Muito poderia ter sido feito.

A própria orla marítima é o primeiro patrimônio desperdiçado capaz de atrair pessoas nas horas vagas. Parte da orla do distrito deveria ser transformada num grande museu marítimo – o ancoradouro permanente de navios raros e incomuns, a maior frota para ver e visitar em todo o mundo. Um lugar desses traria para o distrito turistas durante a tarde, turistas e habitantes da cidade, juntos, nos fins de semana e nos feriados, e no verão seria um ótimo programa noturno. Outras atrações da orla poderiam ser pontos de embarque para passeios pelo porto e ao redor da ilha. Esses terminais deveriam ser o que a arte conseguisse produzir de mais encantador e pungente. Se isso não atrair para o local novos restaurantes de frutos do mar e muitas coisas mais, dou minha mão à palmatória.

Deveria haver atrações afins, instaladas propositadamente não na própria orla, mas um pouco mais para dentro, no meio das ruas, para levar os visitantes mais adiante, numa cômoda caminhada. Deveria ser construído, por exemplo, um novo aquário, e a entrada precisaria ser gratuita, ao contrário do que ocorre na Ilha Coney. Uma cidade de oito milhões de habitantes tem condições de manter dois aquários e arcar com a exposição gratuita dos peixes. Aquele tão necessário posto da biblioteca pública deveria ser construído, e não para ser apenas uma biblioteca circulante, mas uma biblioteca especializada em assuntos marítimos e financeiros.

Deveriam ser realizados, principalmente no período noturno e nos fins de semana, eventos especiais condizentes com essas atrações: poderiam ser apresentados espetáculos de teatro e de ópera a preços reduzidos. Jason Epstein, editor e especialista em cidades, que pesquisou atentamente as experiências das cidades europeias à procura de alguma que tivesse proveito para a baixa Manhattan, sugere um circuito permanente de atrações, como o de Paris. Bem-feita, essa iniciativa traria muito mais resultados econômicos diretos para os negócios a longo prazo do distrito do que a triste introdução de fábricas, que tomariam espaço e em nada contribuiriam para a necessidade do distrito de preservar sua força (e em detrimento de outras partes da cidade que realmente precisam delas).

  1. medida que o distrito ficasse mais animado à noite e nos fins de semana, poderíamos contar com o surgimento espontâneo do uso residencial. A baixa Manhattan já possui várias casas antigas, malconservadas mas ainda atraentes, do mesmo tipo das que foram reformadas em outros lugares quando a vida ressurgiu. Quem estivesse à procura de algo ao mesmo tempo único e cheio de vida faria uma descoberta. Porém, uma área residencial num local como esse deve necessariamente ser consequência da vitalidade do distrito, e não causa.

Será que as minhas sugestões sobre outros usos baseados em atividades de lazer parecem frívolas e dispendiosas?

Veja, então, os custos previstos dos projetos elaborados pela Associação do Centro e da Baixa Manhattan e pela prefeitura para criar ainda mais locais de trabalho, conjuntos habitacionais e estacionamentos e vias expressas que permitam aos moradores sair do distrito nos fins de semana.

Essas coisas devem custar, estimam os planejadores, um bilhão de dólares em dinheiro público e privado!

A situação extrema de desequilíbrio atual quanto à presença de pessoas ao longo do dia na baixa Manhattan ilustra um bom número de princípios sensatos que se aplicam igualmente a outros distritos:

Nenhum bairro ou distrito, seja ele bem estabelecido, famoso ou próspero, seja ele, por qualquer razão, densamente povoado, pode desconsiderar a necessidade da presença de pessoas ao longo do dia sem com isso frustrar seu potencial de gerar diversidade.

Além do mais, um bairro ou um distrito planejado à perfeição, aparentemente para atender a uma função, de trabalho ou outra qualquer, e provido de tudo o que seja obviamente necessário a essa função, não consegue de fato propiciar o que é necessário se estiver preso a essa única função.

Se um projeto elaborado para um distrito no qual haja carência de pessoas ao longo do dia não atuar na causa do problema, só conseguirá substituir a velha estagnação por uma nova. O distrito poderá parecer mais limpo por algum tempo, o que, porém, não justifica um gasto tão grande.

Deve ter ficado claro agora que estou discutindo dois tipos diferentes de diversidade. Os usos principais são, primeiro, aqueles que por si sós atraem pessoas a um lugar específico porque funcionam como âncoras. Escritórios e fábricas são usos principais. Moradias também. Certos locais de diversão, educação e recreação são usos principais. Em certo grau (quer dizer, para uma porcentagem apreciável de usuários), também o são muitos museus, bibliotecas e galerias de arte, mas nem todos.

Às vezes os usos principais podem ser incomuns. Em Louisville, floresceu depois da guerra uma grande parte de estoque de calçados, em cerca de trinta lojas concentradas em quatro quadras de uma rua. Grady Clay, editor de imóveis do Louisville Courier-Journal e renomado projetista e crítico de planejamento urbano, revela que esse grupo tem cerca de meio milhão de pares de sapatos nas vitrinas e em estoque. “Fica dentro de uma área cinzenta”, disse Clay em carta para mim, “mas assim que a notícia se espalhou, os fregueses começaram a aparecer de todos os lugares, de modo que vemos compradores de Indianápolis, Nashville e Cincinnati, além de um bom comércio de Cadillacs. Tenho pensado nisso. Ninguém poderia ter planejado esse florescimento. Ninguém o incentivou. A maior ameaça, na verdade, é a via expressa que vai cortar a localidade diagonalmente. Ninguém na prefeitura parece se importar com isso. Espero despertar algum interesse (…).”

Como essa situação sugere, não se pode depreender pela aparência externa ou por outros indícios de suposta importância a eficácia de um uso principal como atração para as pessoas. Certas aparências muito marcantes têm desempenho insuficiente. Por exemplo, o prédio principal da biblioteca pública de Filadélfia, implantado num centro cultural monumental, atrai menos frequentadores que três postos da biblioteca, incluindo um estabelecimento atraente mas despretensioso misturado às lojas da Rua Chestnut, no centro da cidade. Como muitos empreendimentos culturais, as bibliotecas são uma combinação de uso principal com uso de conveniência e funcionam melhor de ambas as formas quando as duas características estão presentes. Então, em tamanho e aparência e pelo acervo de livros, o prédio principal da biblioteca é mais significativo; mas, na condição de elemento de uso urbano, o posto é mais significativo, contradizendo as aparências. É preciso sempre pensar em desempenho para os usuários ao tentar compreender como funcionam as combinações de usos principais.

Qualquer uso principal isolado é um gerador de diversidade urbana relativamente ineficiente. Mesmo que ele esteja associado a outro uso principal, que atraia pessoas e as traga para as ruas ao mesmo tempo, não promoverá grande avanço. Na prática, não podemos sequer chamá-los de usos principais divergentes. No entanto, quando um uso principal é efetivamente associado a outro, que traga as pessoas para as ruas em horários diferentes, aí o resultado pode ser economicamente estimulante: um ambiente fértil para a diversidade derivada.

Diversidade derivada é um termo que se aplica aos empreendimentos que surgem em consequência da presença de usos principais, a fim de servir às pessoas atraídas pelos usos principais. Se essa diversidade derivada servir a usos principais únicos, sejam eles quais forem, ela será naturalmente ineficiente2. Ao servir a usos principais combinados, ela pode ser naturalmente eficiente e, se as outras três condições para a geração de diversidade forem também favoráveis, ela poderá ser exuberante.

Se esse leque de usos distribuir por todo o dia uma boa variedade de necessidades e preferências de consumo, todos os tipos de serviços e estabelecimentos tipicamente urbanos e especializados poderão surgir, processo que se multiplica por si mesmo. Quanto mais complexa for a mistura de grupos de usuários – e daí sua eficiência –, maior será o número de serviços e lojas necessários para pinçar sua clientela dentre todos os tipos de grupos de pessoas, e consequentemente maior será o número de pessoas atraídas. Aqui é necessário fazer outra distinção.

Se a diversidade derivada florescer satisfatoriamente e contiver quantidade suficiente de elementos incomuns ou singulares, ela poderá tornar-se – e na verdade se torna – ela própria, por acumulação, um uso principal. As pessoas vêm especificamente por causa dela. É isso que acontece nos bons distritos com área comercial ou mesmo, num nível mais modesto, na Rua Hudson. Não pretendo menosprezar esse fato; ele é vital para a saúde econômica das ruas e dos distritos e para as cidades como um todo. Ele é vital para a fluência de usos urbanos, para a variedade de opções e para as diferenças atraentes e proveitosas das particularidades das ruas e dos distritos.

Entretanto, é raro a diversidade derivada tornar-se, por si só, um uso principal. Para ter perenidade e vitalidade para crescer e mudar, ela deve preservar seu alicerce de usos principais combinados – a presença de pessoas ao longo do dia por motivos determinados. Isso se aplica também à área comercial do centro da cidade, a qual se encontra aí, fundamentalmente, por causa de outros usos principais combinados e se retrai (mesmo que lentamente) quando estes sofrem algum desequilíbrio sério.

Mencionei várias vezes de passagem que as misturas de usos principais devem ser eficientes para gerar diversidade. O que lhes dá eficiência? Elas precisam, é claro, estar associadas às outras três condições que estimulam a diversidade. Mas, além disso, a própria mistura de usos principais precisa funcionar bem.

Eficiência significa, em primeiro lugar, que as pessoas que utilizam as ruas em horários diferentes devem utilizar exatamente as mesmas ruas. Se seus trajetos forem diferentes ou separados uns dos outros, não haverá na verdade mistura alguma. Quanto à economia urbana, então, a sustentação mútua das diferenças seria fictícia ou algo que se deva encarar simplesmente como uma abstração de diferentes usos contíguos, sem significação alguma, a não ser num mapa.

Eficiência significa, em segundo lugar, que as pessoas que utilizam as mesmas ruas em horários diferentes devem incluir pessoas que utilizem algumas das mesmas instalações. Podem estar presentes pessoas de todos os tipos, mas aquelas que aparecem ao mesmo tempo por determinado motivo não devem formar um grupo inteiramente incompatível com o daquelas que aparecem por outro motivo. Como exemplo extremo, no local em que se instalou a nova sede da Metropolitan Opera de Nova York, que deverá usar a mesma rua que um conjunto habitacional de baixa renda, essa confluência não tem sentido, mesmo que aí houvesse lugar para o desenvolvimento de uma diversidade mutuamente sustentada. Esse tipo de transtorno econômico irremediável surge naturalmente nas cidades, mas costuma ser provocado por planos urbanísticos.

E, por fim, eficiência significa que a mistura de pessoas na rua em determinado momento do dia deve ser razoavelmente proporcional ao número de pessoas presentes em outros horários do dia. Já frisei esse ponto ao abordar os planos para a ponta sul de Manhattan. Tem-se constatado com frequência que os centros urbanos movimentados costumam ter áreas residenciais que os penetram e se situam bem a seu lado e costumam ter usos noturnos que esses moradores apreciam e ajudam a manter. A constatação é precisa até onde ela chega e, com base em seu acerto, muitas cidades esperam milagres de conjuntos habitacionais implantados no centro da cidade, nos moldes do plano da baixa Manhattan. Mas, na realidade, nos lugares em que tais combinações têm vitalidade, os moradores fazem parte de um conjunto bastante complexo de usos diurnos, noturnos e de fim de semana do centro razoavelmente equilibrados.

Analogamente, uns poucos milhares de trabalhadores misturados a dezenas ou centenas de milhares de moradores não constituem um equilíbrio apreciável, nem em número nem em nenhum aspecto específico significativo. Da mesma maneira, um edifício de escritórios solitário em meio a um amplo conjunto de teatros significa, na prática, muito pouco ou nada. Resumindo, com relação às mesclas de usos principais, o que conta é o resultado cotidiano e habitual da mistura de pessoas como grupos de sustentação econômica mútua. É esse o caso, e se trata de uma questão econômica tangível, concreta, não de um efeito vago no “clima” do local.

Tenho mencionado bastante os centros das cidades. Isso não quer dizer que as misturas de usos principais não sejam necessárias em outros lugares. Ao contrário, são necessárias, e o êxito dessas mesclas no centro (ou nas partes mais movimentadas das cidades, seja qual for seu nome) está relacionado à mescla possível em outras partes das cidades.

Tenho mencionado os centros das cidades por duas razões. Primeiro, uma mescla insuficiente de usos principais é normalmente sua principal deficiência e geralmente a única desastrosa. A maioria dos centros das grandes cidades preenche – ou já preencheu no passado – as quatro condições necessárias para gerar diversidade. É por isso que conseguiram se tornar centros das cidades. Hoje, eles normalmente ainda preenchem três das quatro condições. Mas passaram a voltar-se predominantemente para o trabalho (por motivos que serão apresentados no Capítulo 13) e têm muito pouca gente depois do horário comercial. Essa condição foi mais ou menos formalizada no jargão do planejamento urbano, que não mais se refere aos “centros”, mas a “CBDs”, que significa Central Business Districts [Centros comerciais distritais]. Um centro comercial distrital que faça jus ao nome e seja realmente definido por ele é uma nulidade. Poucos centros de cidade alcançaram (por enquanto) o grau de desequilíbrio que se verifica na ponta sul de Manhattan. A maioria deles tem, além dos trabalhadores, um bom número de consumidores no horário diurno durante o expediente e aos sábados. Mas a maioria deles está a caminho desse desequilíbrio e tem menos qualidades potenciais para se restabelecer do que a baixa Manhattan.

A segunda razão da ênfase nas misturas de usos principais no centro é sua influência direta em outras partes da cidade. É provável que todos saibam que o coração das cidades depende de várias coisas. Quando o coração urbano para ou se deteriora, a cidade, enquanto conjunto de relações sociais, começa a sofrer: as pessoas que deveriam se encontrar deixam de fazê-lo, em virtude da falta das atividades do centro. As ideias e o dinheiro que deveriam se complementar – o que ocorre naturalmente num lugar cujo centro tenha vitalidade – deixam de fazê-lo. A rede de vida pública urbana sofre rupturas insustentáveis. Sem um coração central forte e abrangente, a cidade tende a tornar-se um amontoado de interesses isolados. Ela fracassa na geração de algo social, cultural e economicamente maior do que a soma de suas partes constitutivas.

Todas essas considerações são importantes, mas minha meta é um efeito econômico mais específico exercido sobre os outros distritos por um coração urbano forte.

As vantagens peculiares que as cidades propiciam à incubação certamente atuam com mais eficiência, como assinalei, nos lugares em que se formam associações de usos mais complexos. Dessas incubadoras de empreendimentos despontam brotos econômicos que mais tarde poderão transferir seu poder – e o transferem efetivamente – para outras partes da cidade.

Esse deslocamento foi muito bem descrito por Richard Ratcliff, professor de economia territorial da Universidade de Wisconsin. “A descentralização só será um sintoma de degeneração e decadência”, diz Ratcliff, “se deixar para trás um vazio. Ela é salutar se resultar de forças centrípetas. A maior parte dos deslocamentos de certas funções urbanas para fora ocorre principalmente quando elas são empurradas do centro para fora do que quando respondem a uma atração gerada em localidades periféricas.”

Numa cidade próspera, observa o professor Ratcliff, há uma substituição constante de usos menos intensos por outros mais intensos3. “A dispersão induzida por meios artificiais é outra história. Ela apresenta o risco de perda da eficiência e da produtividade plenas.”

Em Nova York, conforme observou Raymond Vernon em Anatomy of a Metropolis, as grandes melhorias em trechos da Ilha de Manhattan em benefício do pessoal de escritório têm provocado a migração de indústrias para outras regiões administrativas. (Quando crescem e se tornam autossuficientes, as indústrias costumam mudar-se para os subúrbios ou para cidades de pequeno porte, que também dependem economicamente da poderosa influência da incubação daqueles lugares altamente produtivos, as metrópoles ativas.)

Os usos restantes nas incubadoras de diversidade e de empresas são de dois tipos, como outras diversidades urbanas. Se forem de diversidade derivada, servindo a pessoas atraídas pelas misturas de usos principais, devem encontrar outros lugares onde a diversidade de usos derivados possa florescer – outros lugares com mesclas principais, entre outros fatores –, sob pena de definhar e talvez desaparecer. O deslocamento deles, caso encontrem locais que lhes sejam adequados, pode representar uma boa oportunidade para a cidade. Eles ajudam a intensificar e acelerar a formação de uma cidade ainda mais complexa. Essa é uma das influências externas que nos têm atingido na Rua Hudson, por exemplo. É a do pessoal que vem à procura de equipamentos de mergulho e de gravuras e molduras, é o escultor que se instalou numa loja vazia. Trata-se de empresas que transbordam de geradores de diversidade mais intensos.

Embora esse deslocamento seja precioso (se não desaparecer devido à falta de um terreno econômico suficientemente fértil), é menos significativo e essencial do que o deslocamento da diversidade de usos principais suplantados nos centros urbanos ativos. Isso porque, quando as atividades principais, como fábricas, por exemplo, transbordam de combinações de usos que não conseguem mais conter tudo o que geram, elas se tornam ingredientes de uma mistura principal em lugares em que o uso principal do trabalho é extremamente necessário. A presença delas pode ajudar a criar novas associações de usos principais combinados.

Economista especializado em uso do solo, Larry Smith chamou os edifícios de escritórios, com muita propriedade, de peças de xadrez. “Você já usou essas peças”, teria ele dito a um urbanista que tentava revitalizar uma quantidade assombrosa de locais com planos imaginários de novos conjuntos comerciais. Todos os usos principais, sejam de escritórios e moradias, sejam de salas de espetáculos, são as peças de xadrez da cidade. Aquelas que se movem diferente das outras devem ser empregadas conjuntamente para lograr o máximo. E, assim como no xadrez, um peão pode tornar-se uma rainha. Mas o desenvolvimento urbano tem essa diferença em relação ao xadrez: o número de peças não é determinado por regras. Se bem colocadas, as peças se multiplicam.

Nos centros das cidades, a administração municipal não pode injetar diretamente num local os empreendimentos privados que atendam às pessoas após o trabalho e o animem e contribuam para sua revitalização. A administração municipal também não pode, nem por decreto, manter esses usos no centro. Mas a administração municipal pode estimular indiretamente o crescimento deles utilizando suas peças de xadrez – e aquelas suscetíveis à pressão do público – nos lugares certos, como um primeiro passo.

O Carnegie Hall, na Rua 57, oeste de Nova York, é um exemplo excelente desse primeiro passo. Ele teve ótimo resultado na rua, apesar do sério inconveniente das quadras longas demais. A presença do Carnegie Hall, que faz a rua ter intenso uso à noite, gerou com o tempo a presença de vários conservatórios de música e dança, oficinas de teatro e salas de recital. Tudo isso se mescla e se entrelaça com os locais de moradia – dois hotéis e muitos prédios de apartamentos bem próximos, que abrigam todo tipo de morador e hóspede, mas principalmente um grande número de músicos e professores de música. A rua funciona de dia em razão de pequenos edifícios de escritórios e enormes edifícios de escritórios a leste e a oeste, e ainda porque o uso em dois turnos consegue manter uma diversidade derivada que se tornou, com o tempo, igualmente uma atração. A distribuição horária de usuários sem dúvida é um estímulo para os restaurantes, e há aí uma boa variedade deles: um ótimo restaurante italiano, um restaurante russo charmoso, um restaurante de frutos do mar, uma casa de café expresso, diversos bares, lanchonetes automatizadas, duas máquinas de refrigerantes, uma lanchonete. Em lojas em meio aos restaurantes, podem-se comprar moedas raras, joias antigas, livros novos ou usados, calçados muito bons, material de arte, chapéus requintados, flores, comidas finas, alimentos orgânicos, chocolates importados. Podem-se vender ou comprar vestidos Dior de segunda mão, casacos e estolas de pele com pouco uso ou alugar um carro esporte inglês.

Nesse caso, o Carnegie Hall é uma peça de xadrez vital que atua conjuntamente com outras peças. O plano mais desastroso que se poderia arquitetar nessa vizinhança seria a demolição do Carnegie Hall e sua substituição por outro edifício de escritórios. Foi exatamente isso o que quase aconteceu em resultado da decisão do município de Nova York de pegar todas as suas peças culturais mais expressivas, ou potencialmente expressivas, e segregá-las num núcleo planejado chamado Lincoln Center for the Performing Arts [Centro de Artes Cênicas Lincoln]. O Carnegie Hall foi salvo por um fio, graças à obstinada pressão política de cidadãos, embora não vá mais ser a sede da Filarmônica de Nova York, que se “descontaminará” da cidade comum.

Ainda assim, é um planejamento lamentável, que destruiria cegamente as combinações de usos existentes na cidade e provocaria automaticamente novos problemas de estagnação, um subproduto impensado da imposição de novos sonhos. As peças de xadrez – e, nos centros da cidade, as peças de xadrez de uso noturno que podem ser instaladas por decisão administrativa ou pela pressão do público – devem ser colocadas para fortalecer e ampliar a vitalidade existente e também ajudar a equilibrar, nos locais estratégicos, os desequilíbrios de horários existentes. A faixa central da cidade de Nova York possui muitos lugares com uso diurno intenso mas sinistramente mortos à noite, que precisam exatamente das peças de xadrez que estão sendo tiradas do jogo no Lincoln Center. O trecho da Park Avenue com novos edifícios de escritórios, entre a Grand Central Station [Grande Estação Central] e a Rua 59, é um desses lugares. A área logo ao sul da Grand Central é outro. A zona de compras que tem como núcleo a Rua 34 é outro. Vários distritos outrora movimentados infelizmente decaíram depois de perder a antiga mistura de usos principais que era motivo de atração, popularidade e valor econômico.

  1. por isso que tais centros culturais e administrativos planejados, apesar de serem em geral lamentavelmente desarmônicos, têm efeitos trágicos sobre a cidade. Eles isolam os usos – e, quase sempre, também os usos noturnos intensos – dos locais da cidade que precisam deles para não decair.

Boston foi a primeira cidade norte-americana que planejou um distrito cultural descontaminado. Em 1859, uma Comissão de Diretrizes instituiu a “Preservação Cultural”, destinando certa área “somente a entidades de caráter educacional, científico e artístico”, decisão que coincidiu com o início do longo e lento declínio de Boston como principal polo cultural entre as cidades dos Estados Unidos. Não posso afirmar que a segregação e a descontaminação intencionais de várias instituições culturais, afastando-as da cidade e da vida cotidiana, tenham sido um dos motivos do declínio cultural de Boston ou simplesmente um sintoma e uma confirmação de uma decadência já inevitável por outras razões. Uma coisa é certa: o centro de Boston sofreu terrivelmente com a ausência de misturas de usos principais satisfatórias, particularmente uma boa mescla de usos noturnos e de usos culturais vivos (não obsoletos ou nostálgicos).

Aqueles que têm enfrentado dificuldade em angariar recursos para grandes empreendimentos culturais dizem que os ricos contribuiriam muito mais prontamente e com mais dinheiro para núcleos grandes e descontaminados de prédios monumentais do que para um conjunto de construções solitárias instaladas na matriz da cidade. Esse é um dos raciocínios que resultaram nos planos do Lincoln Center for the Performing Arts de Nova York. Não sei se isso se aplica à arrecadação de recursos. Todavia, não seria de surpreender, já que os especialistas há anos informam as pessoas abastadas que também têm cultura de que as únicas construções urbanas que valem a pena são os grandes empreendimentos.

No círculo dos planejadores do centro da cidade e dos grupos de homens de negócios que trabalham com eles, existe o mito (ou a desculpa) de que os norte-americanos ficam em casa de noite assistindo à TV ou então frequentam reuniões das APMs. É isso que eles nos dizem em Cincinnati quando lhes perguntamos a respeito do centro da cidade, que é morto de noite e consequentemente morto-vivo de dia. Mesmo assim, os habitantes de Cincinnati atravessam o rio cerca de quinhentas mil vezes por ano para participar da vida noturna, quase sempre cara, de Covington, Kentucky, que possui um tipo próprio de desequilíbrio. “As pessoas não saem” é também uma das desculpas usadas em Pittsburgh para explicar seu centro morto4.

No centro, as garagens do Departamento de Estacionamento de Pittsburgh funcionam com apenas 10 ou 20 por cento da capacidade às oito horas da noite, exceto a garagem da Mellon Square, que pode chegar a 50 por cento se estiver sendo realizado algum evento nos hotéis. (Como os parques e os estabelecimentos de consumo, a infraestrutura de estacionamentos e para o tráfego de veículos é intrinsecamente contraproducente e exagerada sem uma boa distribuição horária de usuários.) Ao mesmo tempo, é atroz o problema de estacionamento num lugar chamado Oakland, a cinco quilômetros do centro. “Nesse lugar, assim que uma multidão sai, outra já está entrando”, revela um funcionário do departamento. “É uma dor de cabeça.” É fácil de compreender por quê. Oakland acolhe a sinfônica de Pittsburgh, a opereta pública, um grupo de teatro, o restaurante da moda, a Associação Atlética de Pittsburgh, dois outros clubes grandes, a sede principal da Biblioteca Carnegie, um museu e galerias de arte, a Sociedade de História, o templo dos Shriners*, o Instituto Mellon, um hotel muito procurado para festas, a Associação Judaica de Jovens, a sede do Conselho de Educação e todos os principais hospitais.

Como tem grande desproporção entre horas de lazer e usos pós-expediente, Oakland manifesta também um desequilíbrio, e Pittsburgh não dispõe de um lugar apropriado, seja em Oakland, seja no centro comercial, para gerar com intensidade sua principal diversidade derivada metropolitana. Os estabelecimentos padronizados e a diversidade mais comum, é fato, encontram-se no centro da cidade. A maior parte da diversidade comercial mais especializada aparentemente apostou em Oakland como o melhor dos lugares; mas ela é inerte e deficiente porque Oakland fica distante da verdadeira associação de usos que o coração da metrópole deveria ser.

O principal responsável por Pittsburgh ter caído nesse desequilíbrio duplo foi um especulador imobiliário, o falecido Frank Nicola, que há cinquenta anos, na época do movimento City Beautiful, passou a promover a construção de um centro cultural nos antigos campos de uma fazenda de laticínios. Ele teve um bom começo, porque a biblioteca e o centro de artes Carnegie já haviam recebido uma doação de terras do espólio Schenley. Naquela época, o centro de Pittsburgh não era de forma alguma um local atraente para tais empreendimentos, porque era irremediavelmente soturno, enfumaçado e enegrecido pela fuligem.

Todavia, atualmente o centro de Pittsburgh tem potencial para o uso de lazer, graças à maciça limpeza proposta pela Conferência de Allegheny, integrada por negociantes. E, teoricamente, o desequilíbrio no horário do centro deveria ser remediado em breve com um auditório público e o posterior acréscimo de uma sala de concertos e prédios de apartamentos, todos vizinhos do centro. Mas ainda reina o espírito da fazenda de laticínios e da cultura que se “descontamina” da cidade. Todos os instrumentos – artérias de trânsito, cinturões verdes, estacionamentos – separam esses projetos do centro comercial e fazem com que sua ligação permaneça como um plano no papel em vez de uma realidade econômica de pessoas que frequentam as mesmas ruas em horários diferentes. A decadência dos centros das cidades norte-americanas não é misteriosa, nem se deve à sua anacronia, nem ao fato de os usuários terem sido afugentados pelos automóveis. Eles estão sendo estupidamente assassinados, em boa parte por políticas deliberadas de separar os usos de lazer dos usos de trabalho, em consequência do mal-entendido de que isso seja um planejamento urbano ordenado.

As peças de xadrez de uso principal não podem, é claro, ser espalhadas aqui e acolá na cidade tendo em conta apenas a necessidade de distribuir as pessoas ao longo do dia e ignorando as necessidades particulares dos próprios usos, ou seja, quais seriam locais bons para eles.

Contudo, tal arbitrariedade é dispensável. De vez em quando tenho falado com admiração da organização latente, complexa, das cidades. Faz parte da beleza dessa organização que o êxito da mistura em si e o êxito de seus elementos peculiares e específicos estejam em harmonia, não em contradição. Já dei alguns exemplos dessa identidade (ou correspondência) de atrativos neste capítulo e mencionei outros indiretamente: por exemplo, os novos usos de trabalho planejados para a baixa Manhattan não só aumentarão o problema fundamental desse distrito, mas ao mesmo tempo oprimirão os novos empregados e servidores com um ambiente urbano inadequado e economicamente monótono. Agora vou dar um exemplo dos efeitos nocivos bastante complexos que podem surgir quando se menospreza essa organização natural da vitalidade urbana.

Chamaremos esse exemplo de o caso dos paços e da ópera. Há quarenta e cinco anos, a cidade de São Francisco começou a construir um centro cívico, que desde então tem ocasionado problemas. Esse centro, situado próximo do centro da cidade e cujo propósito era fazê-lo expandir-se até lá, obviamente não só repeliu a vitalidade como juntou à sua volta a praga que normalmente assola esses lugares artificiais e mortos. O centro inclui, entre outros componentes arbitrários de seus espaços, a ópera, a prefeitura, a biblioteca pública e várias repartições municipais.

Pensando no teatro lírico e na biblioteca como peças de xadrez, como eles poderiam ter contribuído mais para a cidade? Cada um deles deveria ter sido utilizado, separadamente, em estreita harmonia com os escritórios e os estabelecimentos do centro, de grande vitalidade. Estes, somados à diversidade derivada que ajudariam a firmar, teriam constituído também um ambiente mais adequado para qualquer um daqueles prédios. A ópera não tem relação com coisa alguma e desfruta a vantagem despropositada do espaço mais próximo, a sala de espera da Agência de Empregos do Serviço Público, nos fundos da prefeitura. E a biblioteca é o muro de arrimo do submundo.

Infelizmente, em questões desse tipo, um erro leva a outro, sucessivamente. Em 1958, deveria ser escolhida uma localidade para o Palácio da Justiça. O local lógico, logo se reconheceu, seria próximo de outros órgãos municipais, para conveniência dos advogados e dos serviços que se instalam perto desses profissionais. Mas também se reconheceu que o Palácio da Justiça tenderia a catalisar, em algum ponto dos arredores, uma diversidade derivada de casas de fiança e bares pouco elegantes. Que fazer? Colocar o palácio perto do centro cívico ou dentro dele, de modo a ficar perto de alguns dos órgãos com que ele trabalha? Todavia, o ambiente dos tribunais penais nada tem a ver com a ópera! A sordidez espantosa nas redondezas já é inconveniente o bastante.

Qualquer outra solução para um dilema tão absurdo tem de ser ruim. A solução escolhida foi colocar o Palácio da Justiça a uma distância incômoda, mas o teatro lírico foi salvo de ser ainda mais contaminado por uma vida que não a “cívica”, seja lá o que isso possa significar.

Essa trapalhada cansativa não provém, de modo algum, de contradições entre as exigências da cidade como organismo e as exigências de vários usos específicos, nem a maioria das trapalhadas do planejamento provém de tais contradições. Provém principalmente das teorias que contradizem arbitrariamente tanto a organização das cidades quanto as necessidades de cada uso.

Esse aspecto teórico inadequado – neste caso, de uma teoria estética – tem tal relevância para as misturas adequadas de usos urbanos principais e, de uma ou de outra forma, as frustra de tal maneira, que eu me alongarei um pouco mais em suas implicações.

Elbert Peets, arquiteto que por muitos anos foi membro discordante na Comissão de Belas-Artes de Washington, descreveu bem o conflito e, embora se referisse a Washington, suas afirmações aplicam-se ao mesmo problema em São Francisco e também aos de várias outras cidades:

Sou de opinião que aspectos importantes [do atual planejamento urbano de Washington] são motivados por princípios errados. Esses princípios estabeleceram-se ao longo do tempo e ganharam tanto apoio, por força do hábito e do capital investido, que as pessoas ocupadas que gerenciam o desenvolvimento arquitetônico de Washington sem dúvida as aceitam sem objeções – o que nós, no entanto, não podemos fazer.

Em resumo, é isto que está acontecendo: o governo da capital está se distanciando da cidade; os prédios do governo estão sendo concentrados e isolados dos edifícios da cidade. Isso não foi uma ideia de L’Enfant*. Ao contrário, ele empenhou-se em amalgamar os dois, para fazer com que um servisse ao outro. Ele situou prédios governamentais, mercados, sedes de associações nacionais, academias e monumentos comemorativos federais em pontos de destaque arquitetônico por toda a cidade, como se tivesse o propósito específico de deixar a marca da capital federal em todo canto. Era um sentimento sincero e uma decisão arquitetônica correta.

A partir da Feira de Chicago de 1893, surgiu o ideário da arquitetura que encara a cidade como uma corte de honra monumental, destacada de uma área profana e desordenada de “concessões”. (…) Não há indício, nesse procedimento, de sentimento pela cidade como organismo, matriz digna de seus monumentos e receptiva a eles (…). A perda, além de estética, é social (…).

Mas alguém poderia objetar impensadamente que se trata de duas concepções estéticas contrárias, uma questão de gosto, e gosto não se discute. Mas é mais do que gosto. Uma dessas concepções – as “cortes de honra” separadas – contradiz as necessidades funcionais e econômicas das cidades e de seus usos específicos também. A outra concepção – a cidade mesclada, com marcos arquitetônicos intimamente rodeados pela matriz cotidiana – harmoniza-se com a atividade econômica e com outras atividades funcionais das cidades5.

Todos os usos urbanos principais, tenham ou não aparência externa monumental e especial, necessitam de que essa matriz íntima da cidade “profana” trabalhe da melhor maneira possível. Os edifícios municipais de São Francisco precisam de outro tipo de matriz com uma diversidade derivada. E as próprias matrizes da cidade precisam desses usos, porque a presença deles ajuda a influenciar a formação delas. Além do mais, a matriz urbana precisa de misturas internas próprias menos espalhafatosas (“desordens”, para os simplórios). De outra forma, não se trataria de uma matriz, mas, como os empreendimentos residenciais, de uma monotonia “profana”, que atua com a mesma insensatez da monotonia “sagrada” de centros administrativos como o de São Francisco.

Qualquer princípio pode sem dúvida ser aplicado arbitrária e destrutivamente por pessoas que não consigam entender seus mecanismos. A teoria estética de L’Enfant, que abrange pontos de referência interdependentes da matriz urbana cotidiana que os circunda, poderia ser aplicada por meio da tentativa de disseminar usos principais – especialmente os tendentes a uma aparência monumental – sem considerar as relações econômicas ou outras relações funcionais de que eles necessitam. Porém, a teoria de L’Enfant é admirável não como um produto visual abstrato isolado da funcionalidade, mas por poder ser aplicada e adaptada harmoniosamente às necessidades dos estabelecimentos reais das cidades reais. Se essas necessidades funcionais forem levadas em conta e respeitadas, não poderão ser aplicadas as teorias estéticas que glorificam os usos selecionados e isolados, “sagrados” ou “profanos”.

Nos distritos predominante ou quase exclusivamente residenciais, quanto maior for a complexidade e a variedade de usos principais que possam ser cultivadas, tanto melhor, assim como nos centros das cidades. Mas a peça de xadrez mais importante para esses distritos é o uso principal do trabalho. Como vimos nos exemplos do parque da Rittenhouse Square ou da Rua Hudson, esses dois usos principais podem imbricar-se perfeitamente, com as ruas ganhando vida com os trabalhadores ao meio-dia, quando os moradores se retiram, e animando-se com os moradores de noite, quando os trabalhadores se retiram.

A necessidade de segregar as moradias do trabalho foi tão incutida em nós, que precisamos fazer um esforço enorme para enxergar a realidade e perceber que os distritos residenciais não misturados com o trabalho não dão bons resultados nas cidades. Num artigo sobre guetos de negros escrito por Harry S. Ashmore, no New York Herald Tribune, a seguinte declaração foi atribuída a um líder político do Harlem: “Parece que os brancos vão voltar de mansinho para cá e tirar o Harlem de nós. Afinal, [o Harlem é] o pedaço de terra mais atraente de toda a região. Temos morros e uma vista dos dois rios, o transporte é bom, e é a única área de fácil acesso que não tem indústria alguma.”

Só na teoria do planejamento urbano, isso faria do Harlem “um pedaço de terra atraente”. Desde seus primórdios, quando predominava a classe média e alta, o Harlem nunca foi um distrito residencial viável e economicamente vigoroso, e provavelmente nunca o será, sejam quais forem seus habitantes, enquanto não tiver, entre outras melhorias físicas, uma mistura satisfatória e salutar de locais de trabalho e residências.

Os usos principais de trabalho em distritos residenciais não podem surgir só porque se quer, nem a diversidade derivada. A administração municipal pode fazer muito pouco de construtivo quanto à inserção na cidade de usos de trabalho nos locais em que não existam e sejam necessários, a não ser permiti-los e encorajá-los indiretamente.

Contudo, as tentativas de conseguir chamarizes eficazes não são, em todo caso, uma necessidade premente, nem a maneira mais frutífera de despender energia com áreas apagadas que precisam ser revitalizadas. O primeiro problema é tirar o máximo proveito de qualquer trabalho e de outros usos principais das peças de xadrez nos distritos residenciais deficientes em que elas já existam. O mercado de calçados de Louisville, embora seja um exemplo invulgar, clama por essa oportunidade. E a maior parte da região administrativa do Brooklyn também, e parte do Bronx e, sem dúvida, os centros urbanos apagados de praticamente todas as cidades grandes.

Como aproveitar oportunamente a presença de locais de trabalho e avançar a partir daí? O que fazer para consolidá-los e levá-los a formar, junto com as moradias, combinações efetivas de uso das ruas? Aqui é necessário fazermos uma distinção entre o típico centro da cidade e o típico distrito residencial problemático. Nos centros da cidade, a falta de uma mistura adequada de usos principais

  1. geralmente a deficiência fundamental mais grave. Na maioria dos bairros residenciais, e principalmente na maioria das áreas cinzentas, a falta de uma mistura de usos principais constitui geralmente apenas uma das deficiências, nem sempre a mais grave. Sem dúvida, é fácil encontrar exemplos de locais de trabalho que se misturam às residências, mesmo que não contribuam muito para gerar diversidade e vitalidade. Isso ocorre porque a maioria dos bairros residenciais também tem quadras muito longas, ou que foram construídas na mesma época e nunca superaram essa desvantagem inicial, mesmo quando os prédios envelheceram, ou, muito comumente, mantêm uma população total insuficiente. Em suma, são deficientes em várias das quatro condições que geram diversidade.

Em vez de nos preocuparmos com a origem de um volume suficiente de trabalho, a primeira questão é identificar onde, nos bairros residenciais, existem locais de trabalho que não são aproveitados como elementos de uso principal. Nas cidades, é necessário avançar a partir dos bens existentes para criar mais bens. Para avaliar como aproveitar ao máximo a integração das funções de trabalho e habitação nos locais em que elas existem ou dão mostras de vir a existir, é necessário compreender os papéis desempenhados também pelos outros três geradores de diversidade.

No entanto, antecipo as considerações dos próximos três capítulos dizendo o seguinte: dos quatro geradores de diversidade, dois representam problemas fáceis de lidar na solução das deficiências das áreas cinzentas – geralmente já existem prédios antigos para desempenhar seu potencial e não é difícil criar mais ruas onde forem necessárias. (São um problema menor em comparação com a remoção de áreas em grande escala, na qual nos ensinaram a desperdiçar dinheiro.)

As duas outras condições, todavia – misturas de usos principais e concentração adequada de moradias –, são mais difíceis de implantar caso ainda não existam. O mais sensato é começar por onde pelo menos uma dessas duas condições já exista ou possa ser fomentada com certa facilidade.

Os distritos mais difíceis de lidar são as áreas residenciais apagadas, às quais falte uma infiltração de trabalho que sirva de base e também falte alta densidade de moradias. As áreas urbanas debilitadas ou fracassadas passam por dificuldades não tanto pelo que têm (o que sempre pode ser encarado como ponto de partida), mas pelo que não têm. É quase impossível promover a revitalização dessas áreas apagadas com carências das mais graves e mais difíceis de suprir, a não ser investir em outros distritos apagados onde haja ao menos um ponto de partida para a mistura de usos principais e que os centros da cidade sejam revitalizados por meio de uma distribuição melhor das pessoas ao longo do dia. Quanto maior for o êxito das cidades na geração de diversidade e vitalidade em qualquer uma de suas zonas, obviamente maiores serão as probabilidades de elas obterem êxito também em outras zonas – inclusive, provavelmente, as mais desencorajadoras.

Não é preciso dizer que as ruas e os bairros que possuem boa combinação de usos principais e têm êxito na geração da diversidade devem ser admirados e não desprezados por causa dessas mesclas e destruídos pela tentativa de separar seus elementos. Infelizmente, os planejadores tradicionais parecem ver nesses mesmos lugares populares e atraentes apenas um convite irresistível para empregar os propósitos tacanhos e destrutivos do planejamento urbano ortodoxo. Quando dispõem de recursos federais e poder suficientes, os urbanistas têm plenas condições de destruir as misturas de usos principais urbanas mais rápido do que elas conseguem florescer nos bairros espontâneos, de modo que o resultado é a perda da mescla principal básica. Na verdade, é isso o que está acontecendo hoje em dia.

1. Contudo, peço que se lembrem de que esse fator da presença de usuários o dia inteiro é apenas um dos quatro fatores necessários para gerar diversidade. Não pensem que ele soluciona tudo sozinho, muito embora seja um fator essencial.

2. Os shopping centers que servem apenas ao uso principal residencial, por exemplo, apresentam um problema parecido com o da baixa Manhattan, mas invertido com relação ao horário. Assim, muitos desses shopping centers permanecem fechados de manhã e abrem à noite. “Do jeito que as coisas estão”, disse um diretor de shopping center citado pelo New York Times, “você pode disparar um canhão no corredor de qualquer shopping center ao meio-dia e não atingir vivalma.” A ineficácia inerente ao servir a um único uso principal é um dos motivos (junto com vários outros) pelos quais a maioria dos shopping centers é capaz de manter apenas empresas padronizadas e de alto giro.

3. Esse processo pode chegar a extremos e autoconsumir-se, mas esse é outro aspecto da questão, que abordarei na Parte 3 deste livro. Vamos deixá-lo de lado por enquanto.

4. A outra desculpa, dada com certo orgulho pelos homens de negócios, é: “Nosso centro é parecido com Wall Street.” Parece que eles não ouviram falar das dificuldades da vizinhança de Wall Street.

  1. Confraria secreta dos Estados Unidos em que são admitidos como membros apenas cavaleiros templários e maçons de grau elevado. (N. do T.)

  2. Referência a Pierre-Charles l’Enfant, arquiteto francês que criou o plano urbanístico de Washington. (N. do T.)

5. A Biblioteca Pública de Nova York, na Quinta Avenida com a Rua 42, é um exemplo desse ponto de referência arquitetônico; a velha Jefferson Market Courthouse, no meio do Greenwich Village, é outro. Estou certa de que todos os leitores conhecem bem o marco monumental da matriz de uma cidade.