A autodestruição da diversidade

Minhas observações e conclusões até aqui se resumem ao seguinte: nas cidades norte-americanas, precisamos de todos os tipos de diversidade, intrincadamente combinados e mutuamente sustentados. Isso é necessário para que a vida urbana funcione adequada e construtivamente, de modo que a população das cidades possa preservar (e desenvolver ainda mais) a sociedade e a civilização.

Esse é o capítulo 13
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Os órgãos públicos e semipúblicos são responsáveis por alguns dos empreendimentos que ajudam a construir a diversidade urbana – como parques, museus, escolas, a maioria dos auditórios, hospitais, certos escritórios, certas moradias. Todavia, a maior parte da diversidade urbana é criação de uma quantidade inacreditável de pessoas diversas e de organizações privadas diversas, que têm concepções e propósitos bastante diversos e planejam e criam fora do âmbito formal da ação pública. A principal responsabilidade do urbanismo e do planejamento urbano é desenvolver – na medida em que a política e a ação pública o permitam – cidades que sejam um lugar conveniente para que essa grande variedade de planos, ideias e oportunidades extra-oficiais floresça, juntamente com o florescimento dos empreendimentos públicos. Os distritos urbanos serão lugares social e economicamente convenientes para que a diversidade surja por si só e atinja seu potencial máximo, caso os distritos possuam boas combinações de usos principais, ruas frequentes, densa mistura de idades das construções e alta concentração de pessoas.

Nestes capítulos sobre a decadência e a recuperação, pretendo abordar várias forças poderosas que podem influir, para o bem ou para o mal, no crescimento da diversidade e da vitalidade nas cidades, desde que não falte ao local nenhuma das quatro condições necessárias para gerar a diversidade.

Essas forças, quando atuam negativamente, são: a tendência que a diversidade urbana de êxito comprovado tem de destruir a si mesma; a tendência de elementos isolados poderosos das cidades (muitos dos quais são necessários e desejáveis, não fosse por aquilo) de contribuir para a decadência; a tendência da flutuação populacional de contrapor-se ao crescimento da diversidade; e a tendência dos recursos financeiros públicos e privados de superalimentar ou subalimentar o desenvolvimento e a mudança.

Não há dúvida de que essas forças estão inter-relacionadas; todos os fatores das alterações urbanas estão inter-relacionados com todos os outros fatores. Não obstante, é bom analisarmos cada uma dessas forças isoladamente. O objetivo de reconhecêlas e entendê-las é tentar combatê-las ou, melhor ainda, transformá-las em forças construtivas. Além de influenciar o próprio crescimento da diversidade, essas forças às vezes também afetam a facilidade ou a dificuldade com que se alimentam as condições fundamentais para gerar a diversidade. Se essas forças não forem levadas em consideração, mesmo o melhor planejamento para gerar vitalidade daria dois passos para a frente e um para trás.

A primeira dessas forças poderosas é a tendência que a diversidade urbana de êxito nítido manifesta de destruir a si mesma – simplesmente por causa de seu êxito. Neste capítulo, abordarei a autodestruição da diversidade, força que, entre outros efeitos, faz com que os centros urbanos se alterem constantemente e mudem de lugar. É uma força que gera distritos ultrapassados e é responsável por boa parte da estagnação e da decadência das áreas centrais.

A autodestruição da diversidade pode ocorrer nas ruas, em pequenos nichos de vitalidade, em quarteirões ou em distritos inteiros. Este último é o caso mais sério.

Seja qual for a forma de autodestruição, em pinceladas gerais, é isto o que ocorre: uma combinação diversificada de usos em determinado local na cidade torna-se nitidamente atraente e próspera como um todo. Em virtude do sucesso do lugar, que invariavelmente se deve a uma diversidade emergente e atraente, desenvolve-se nessa localidade uma concorrência acirrada por espaço. Ela adquire uma dimensão econômica equivalente à de uma coqueluche.

Os vencedores da concorrência por espaço representarão apenas uma pequena parcela dos muitos usos que geraram o sucesso conjuntamente. Sejam quais forem, o uso ou os usos que se destacaram como mais lucrativos na localidade se reproduzirão cada vez mais, expulsando e suplantando os tipos de uso menos lucrativos. Se uma quantidade muito grande de pessoas, atraídas pela facilidade e por interesse ou encantadas com o vigor e a empolgação, decidir morar ou trabalhar no local, mais uma vez os vencedores da concorrência constituirão uma pequena parcela do conjunto de usuários. Já que muitos querem ter acesso ao local, aqueles que conseguem fazê-lo ou permanecem vão se estratificar segundo as despesas.

A tendência da concorrência fundada na lucratividade do varejo é influir mais sobre as ruas. A tendência da concorrência fundada na atratividade do local de trabalho ou de moradia é influir mais sobre quarteirões, ou mesmo distritos inteiros.

Assim, nesse processo, um ou alguns usos dominantes por fim vencem. Mas é uma vitória vazia. Esse processo destrói um organismo mais complexo e mais efetivo de sustentação econômica e social mútua.

A partir daí, a localidade será abandonada pelas pessoas que a utilizam com fins outros que não os que venceram a concorrência – pois os outros fins não existem mais. Tanto visual quanto funcionalmente, o lugar torna-se mais monótono. É bem possível que sobrevenham todas as condições econômicas desfavoráveis em razão da distribuição insuficiente de pessoas ao longo do dia. A adequação do local, mesmo para seu uso predominante, se reduzirá gradativamente, como se reduziu a adequação do centro de Manhattan para os escritórios administrativos. Com o tempo, um lugar outrora tão bem-sucedido e objeto de tão acirrada competição, definha e torna-se marginal.

Podem-se ver em nossas cidades muitas ruas que já passaram por esse processo e estão agonizando. Podem-se ver outras que estão atualmente imersas nesse processo. Entre elas, no bairro onde moro, há a Rua Oito, principal rua de comércio do Greenwich Village. Há trinta anos, era uma rua apagada. Então, um dos maiores proprietários de imóveis da rua, Charles Abrams (que, aliás, é também um especialista muito esclarecido em planejamento urbano e programas habitacionais), construiu uma pequena boate e uma sala de cinema incomum para a época (a plateia estreita para proporcionar boa visão da tela, o salão de café e o clima acolhedor foram bastante copiados). Esses dois empreendimentos tiveram sucesso. Atraíram mais gente para a rua no horário noturno e nos fins de semana, complementando o movimento diurno de pessoas, e ajudaram a estimular a disseminação de estabelecimentos especializados e de produtos de uso diário. Estes, por sua vez, começaram a atrair mais gente, de dia e de noite. Como mencionei anteriormente, uma rua de dois turnos como essa

  1. um lugar economicamente ideal para restaurantes. A história da Rua Oito é a comprovação disso. Restaurantes variados espalharam-se por ela.

Aconteceu que, dentre os empreendimentos da Rua Oito, os restaurantes tornaram-se o empreendimento mais lucrativo por metro quadrado de área ocupada. Naturalmente, a Rua Oito tornou-se cada vez mais um local de restaurantes. Ao mesmo tempo, na esquina com a Quinta Avenida, uma boa variedade de agremiações, galerias e alguns escritórios pequenos foi expulsa por edifícios de apartamentos de altíssima renda sem atrativos, monolíticos. O único personagem incomum dessa história é o próprio Abrams. Ao contrário de muitos proprietários, que talvez não tenham pensado nas consequências do que estava acontecendo e não tenham visto um motivo de preocupação devido ao sucesso, Abrams acompanhou abismado a expulsão de livrarias, galerias de arte, agremiações, artesãos e lojas únicas. Viu novas ideias surgirem em outras ruas, e poucas delas na Rua Oito. Percebeu que parte dessa movimentação estava ajudando a animar e a diversificar outras ruas, mas percebeu também que a Rua Oito caminhava lenta e inexoravelmente em sentido contrário. Ele notou que, se o processo seguisse seu curso lógico e se completasse, a Rua Oito acabaria estagnada, em razão da migração da popularidade para outro lugar. Quanto a boa parte de seus imóveis, situados num trecho estratégico da rua, Abrams resolveu procurar inquilinos que acrescentassem algo diferente, que não restaurantes, à mistura. Mas encontrá-los é às vezes muito difícil, porque eles precisam praticamente se equiparar aos altos lucros dos restaurantes. Isso diminui as possibilidades – mesmo as possibilidades meramente comerciais. A pior ameaça potencial à diversidade e ao sucesso prolongado da Rua Oito é, em suma, a força desencadeada pelo formidável sucesso atual.

Próximo dali, a Rua Três está ainda mais imersa num problema parecido, por causa de outra forma de seleção. Essa rua, ao longo de várias quadras, passou a ser bastante procurada por turistas, atraídos primeiro pela vida boêmia dos cafés e dos bares, a princípio com algumas poucas boates esparsas, tudo misturado aos interessantes estabelecimentos de bairro e à vida residencial desse bairro antigo e estável, habitado por italianos e artistas. Os visitantes noturnos, na quantidade de quinze anos atrás, eram um elemento construtivo da mescla local. A animação generalizada que eles ajudaram a criar era um fator de atração para moradores, além de uma atração para visitantes. Hoje, os estabelecimentos noturnos dominam a rua e também atrapalham a própria vida local. Num bairro que conseguia lidar exemplarmente com os desconhecidos e dar-lhes segurança, as casas noturnas provocaram uma concentração demasiada de estranhos, e de modo tão extremado, que nenhuma sociedade urbana imaginável consegue controlá-la com naturalidade. A reprodução do uso mais lucrativo abala a base da própria atratividade, como costuma ocorrer nas cidades com a reprodução e o excesso de um mesmo uso.

Estamos acostumados a pensar nas ruas, ou na vizinhança da rua, de acordo com subdivisões de usos funcionais – entretenimento, escritórios, residências, compras ou coisa parecida. E elas assim se comportam, mas só em certa medida, se mantiverem o sucesso. Por exemplo, ruas cuja lucratividade centra-se numa diversidade derivada, como comércio de roupas, a ponto de esse comércio tornar-se praticamente de uso exclusivo, entram em decadência ao serem paulatinamente abandonadas e ignoradas pelas pessoas que são movidas por propósitos secundários. Se essa rua possuir quadras longas, que degradam ainda mais sua complexa combinação de usos cruzados, a seleção dos frequentadores e a estagnação resultante serão potencializadas. E se essa rua situar-se num bairro que está se concentrando num uso primário – como o trabalho –, haverá pouca esperança de uma virada espontânea para melhor.

Pode-se observar a autodestruição da diversidade em pequenos nichos de atividade visivelmente bem-sucedidos, assim como em trechos de ruas. O processo é o mesmo. Como exemplo, peguemos o cruzamento das ruas Chestnut e Broad, em Filadélfia, lugar que, há poucos anos, era o ponto alto do variado comércio e de outras atividades da Rua Chestnut. As esquinas desse cruzamento eram o que os corretores de imóveis denominam uma ótima localização. Era um lugar invejável. Uma das esquinas era ocupada por um banco. Três outros bancos se instalaram nas outras três esquinas, obviamente para também marcar presença nesse ponto privilegiado. A partir desse momento, a localização deixou de ser ótima. Hoje, esse cruzamento é um lugar morto da Rua Chestnut, e a agitação da diversidade e da movimentação foi empurrada para mais longe.

Esses bancos cometeram o mesmo erro de uma família conhecida minha, que comprou um terreno no campo para construir uma casa. Por muitos anos, enquanto não dispunham do dinheiro para a obra, eles iam frequentemente ao terreno e faziam piquenique numa colina, o local mais atraente da propriedade. Eles gostavam tanto de se imaginar naquele lugar que acabaram construindo a casa na colina. Mas a colina não era mais aquela. Não conseguiram perceber que acabariam com a colina no exato instante em que eles próprios tomassem o lugar dela.

As ruas (especialmente quando suas quadras são curtas) às vezes conseguem resistir à reprodução dos usos bem-sucedidos, ou ainda recuperar-se voluntariamente depois de uma decadência e uma estagnação breves. Essas saídas serão possíveis se o bairro conseguir manter uma mistura robusta e vigorosa de diversidade – principalmente uma base forte de diversidade de usos principais subjacente.

No entanto, quando uma vizinhança inteira, ou um bairro inteiro, reproduz em excesso os usos mais lucrativos ou mais prestigiados, o problema torna-se muito mais sério.

Podemos verificar em muitos centros urbanos as provas cabais dessa opção desastrosa. Os sucessivos centros históricos do centro urbano de Boston, como uma série de camadas arqueológicas, estão fossilizados na forma de estratos e mais estratos de usos específicos, cada estrato sem uma combinação principal, cada estrato estagnado. A Comissão de Planejamento de Boston, ao analisar os usos do centro, mapeou-os com cores – uma cor para designar escritórios de administração e finanças, outra para governo, outra para compras, outra para entretenimento e assim por diante. Todas as áreas estagnadas aparecem no mapa como uma série de áreas compactas, com uma só cor para cada uma. Por outro lado, num dos limites do centro urbano, onde a Baía Back confina com um dos cantos dos Jardins Públicos, há uma área do mapa marcada com um tipo diferente de legenda, que significa “uso misto”. Esse é o único local do centro de Boston que hoje está espontaneamente mudando, crescendo e atuando como uma cidade viva.

Essas sucessões de áreas centrais específicas, como as de Boston, são imaginadas vagamente como remanescentes de um centro urbano que se desloca. São vistas como resultado do deslocamento do centro para outro lugar. Mas não são. Esses aglomerados resultantes da reprodução excessiva são a causa do deslocamento do centro. A diversidade é suplantada pela reprodução do que dá sucesso. A menos que de início elas tenham um financiamento generoso ou sejam imediatamente bem-sucedidas (o que raramente ocorre), as novas ideias migram para pontos secundários; assim, os pontos secundários tornam-se principais, florescem por um tempo e podem acabar destruídos pela reprodução daquilo que lhes deu mais sucesso.

Em Nova York, o processo de seleção no centro já era registrado nos anos 1880, num jingle da época:

  • Rua Oito abaixo, os homens ganham.
  • Rua Oito acima, as mulheres gastam.
  • Esse é o jeito desta grande cidade,
  • Rua Oito acima e Rua Oito abaixo.

Willa Cather, escrevendo em My Mortal Enemy [Meu inimigo mortal] sobre a Madison Square e o momento em que chegou sua vez de ser um centro de diversidade intenso, descreveu-a assim: “A Madison Square era então um divisor de águas; tinha personalidade dupla, metade comercial, metade residencial, com lojas do lado sul e residências do lado norte.”

Cather denunciava a característica da mistura e a “personalidade dupla” que sempre marcam um centro claramente bem-sucedido quando ele se aproxima do auge e aí estanca. Mas essa mistura dificilmente significa um “divisor de águas”. É uma reunião e uma mistura de águas.

A Madison Square, hoje um distrito soturno de pesados edifícios de escritórios e comércio bastante pobre em relação ao que usufruiu, marcou época em seu auge por abrigar o antigo Madison Square Garden (hoje substituído por um edifício de escritórios). Desde então, Nova York nunca mais teve um salão público tão refinado, charmoso e atraente, porque desde então Nova York nunca teve seu principal salão público no centro glamouroso e dispendioso de uma boa mistura.

A escolha definitiva e a demorada decadência da Madison Square não foram, é claro, um acontecimento isolado. Fizeram parte de um processo bem maior, formado pelo constante acúmulo de pressões econômicas sobre as combinações de usos bem-sucedidas. Em escala mais ampla que a da Madison Square, essas pressões da concorrência pelo espaço restringiram ininterruptamente a diversidade em todo o núcleo do centro urbano e a empurraram para a faixa superior do centro; em razão disso, o próprio centro estava se deslocando, deixando para trás, encalhados, seus distritos.

O centro urbano, ao se deslocar, sempre deixa para trás, além das regiões em que abundam as reproduções, bolsões constituídos praticamente de vazios, lugares que ignoraram ou evitaram combinações de diversidade mais intensas. Esses bolsões ou faixas laterais têm tudo para não valer coisa alguma a partir daí, porque as áreas de uso específico que os rodeiam ocasionam uma distribuição muito pobre de pessoas ao longo do dia. Aí há espaço, mas não existe nada que atraia os usos para ele.

Aparentemente, a autodestruição da diversidade do distrito por meio da excessiva reprodução de usos ocorre também em Londres, em virtude das mesmas forças que deslocam os centros urbanos norte-americanos. Um artigo a respeito dos problemas de urbanização do centro de Londres, na edição de janeiro de 1959 do periódico britânico Journal of the Town Planning Institute, diz o seguinte:

Há muitos anos, a variedade desapareceu da City [centro bancário e financeiro londrino]. A abundante população diurna destoa da população noturna de 5 mil pessoas. O que aconteceu na City está acontecendo no West End. A justificativa de muitas pessoas que têm escritórios no West End é de que eles dispõem do conforto dos hotéis, dos clubes e dos restaurantes para os clientes e fregueses, e das lojas e dos parques para sua equipe. Se o processo continuar, essas mesmas vantagens serão tragadas, e o West End se tornará um enfadonho mar de edifícios de escritórios.

Infelizmente, há poucos bairros residenciais nitidamente prósperos nas cidades norte-americanas; a maioria dos bairros residenciais nunca possuiu as quatro condições fundamentais para gerar, em primeiro lugar, uma diversidade exuberante. Portanto, os exemplos da autodestruição que resulta de um sucesso notável são mais comuns nos centros urbanos. Porém, os relativamente escassos bairros residenciais que se tornam atraentes e bem-sucedidos na geração de diversidade e vitalidade acabam submetidos às mesmas forças de autodestruição que os centros. Nesse caso, tanta gente quer morar nessa localidade, que se torna lucrativo construir nela, em quantidade excessiva e devastadora, para aqueles que podem pagar mais. Tais pessoas geralmente não têm filhos, e hoje em dia não são simplesmente aquelas que em geral podem pagar mais, mas aquelas que podem ou pagam mais por um espaço mínimo. Multiplicam-se as moradias para esse segmento pequeno e lucrativo da população, à custa de todas as outras estruturas e de todos os outros segmentos. Excluem-se famílias, exclui-se a variedade de perspectivas visuais, excluem-se os empreendimentos incapazes de arcar com sua parcela nos custos de construções novas. Esse processo está acontecendo muito rapidamente em grande parte do Greenwich Village, de Yorkville e na faixa central do East Side de Manhattan. Os usos reproduzidos em excesso diferem daqueles excessivamente reproduzidos no núcleo dos centros urbanos, mas o processo é o mesmo, as causas são as mesmas e o resultado final, o mesmo. A colina admirada e atraente é destruída pelos próprios ocupantes, pelo ato da ocupação.

O processo que descrevi ocorre somente em pequenas áreas de cada vez, porque é uma sequela unicamente do sucesso que chama a atenção. Contudo, o poder destrutivo desse processo é mais amplo e mais sério do que faz supor seu alcance geográfico a cada momento. O próprio fato de o processo ocorrer em localidades nitidamente prósperas torna difícil para as nossas cidades aproveitar essa prosperidade. Geralmente sobrevém a decadência.

Além disso, o próprio modo como o sucesso que chama a atenção entra em decadência torna o processo duplamente prejudicial para as cidades. Ao mesmo tempo que as novas construções e as multiplicações de usos restritos destroem a sustentação recíproca em determinado local, elas estão, na verdade, privando de sua presença outros locais onde poderiam ampliar a diversidade e fortalecer a sustentação recíproca, e não diminuir essas qualidades.

Por algum motivo, os bancos, as companhias de seguro e os escritórios de prestígio são invariavelmente os mais daninhos nesse aspecto. Ao ver onde os bancos e as companhias de seguros se instalam, você vai constatar quase sempre que um núcleo de diversidade foi extinto, uma colina de vitalidade foi nivelada. Você vai ver um lugar que já é ultrapassado ou está a caminho disso.

Suponho que essa circunstância curiosa se deva a dois fatos. Essas organizações são conservadoras. O conservadorismo, no que se refere à escolha de locais na cidade, leva a investir onde o sucesso é garantido. Quem dá valor principalmente ao que já foi conquistado precisa ter uma visão muito ampla para perceber que seu investimento pode destruir o sucesso – e talvez fique perplexo com as localidades com potencial para o sucesso ou inseguro a respeito delas, por não compreender por que certos lugares nas cidades têm sucesso e outros não. Em segundo lugar, tais organizações têm dinheiro e, portanto, condições de suplantar a maioria dos concorrentes no espaço que desejam. Assim, o desejo e a capacidade de instalar-se na colina combinam mais com os bancos e as companhias de seguros, e os escritórios de prestígio, que têm facilidade para contrair empréstimos nos bancos e nas companhias de seguro. Até certo ponto, a conveniência de estarem próximas é muito importante, como acontece com várias outras atividades urbanas. Mas isso não justifica a precisão e a frequência com que essas organizações poderosas tomam o lugar das combinações de diversidade bem-sucedidas. Quando a reprodução excessiva de usos de trabalho provoca a estagnação de uma localidade (à custa de outro tecido), o mais próspero deles abandona prontamente o ninho de comodidade, que deixou de ser tão atraente.

Contudo, seria um erro ater-se a culpados específicos entre os diversos usos urbanos, mesmo os culpados notáveis. Muitos outros usos exercem as mesmas pressões econômicas e terminam nos mesmos triunfos vazios.

Acho que é mais útil abordar essa questão como um problema de mau funcionamento das próprias cidades.

Primeiro, precisamos compreender que a autodestruição da diversidade é causada pelo sucesso, não pelo fracasso.

Segundo, precisamos compreender que esse processo é um desdobramento dos mesmos processos econômicos que levaram ao sucesso e foram para tanto indispensáveis. O desenvolvimento da diversidade em determinada área deve-se à oportunidade econômica e à atratividade econômica. Durante o processo de desenvolvimento da diversidade, muitos dos que competem pelo espaço são vencidos. Qualquer diversidade urbana desenvolve-se, pelo menos em parte, à custa de outro tecido. Durante esse período de desenvolvimento, até mesmo alguns usos singulares podem ser extintos porque dão um retorno econômico muito baixo em relação ao solo que ocupam. Achamos que isso seja benéfico se se tratar de usos específicos, como ferros-velhos, pátios de carros usados ou edifícios abandonados; e é benéfico. Durante o período de desenvolvimento, a maior parte da nova diversidade surge não só à custa do tecido de baixo valor, mas também à custa das reproduções de usos já existentes. A uniformidade vai sendo subtraída ao mesmo tempo que a diversidade é acrescentada. O resultado da competição econômica pelo espaço é um aumento líquido de diversidade.

A certa altura, o desenvolvimento da diversidade vai tão longe, que o acréscimo de uma diversidade nova ocorre principalmente pela concorrência com a diversidade existente. Pouco da uniformidade é subtraído, talvez nada. Isso acontece quando um núcleo de diversidade e vitalidade está no auge. Se algo realmente diferente for acrescentado (como o primeiro banco que se instalou na esquina daquela rua de Filadélfia), ainda não haverá perda líquida de diversidade.

Trata-se, então, de um processo que desempenha, durante algum tempo, uma função salutar e benéfica, mas que, se não conseguir modificar-se ao atingir um ponto crítico, perderá a funcionalidade. A analogia que me vem à cabeça é uma retroalimentação falha.

O conceito de retroalimentação eletrônica tornou-se familiar com a evolução dos computadores e das máquinas automatizadas, e significa que um dos produtos finais de uma operação ou de uma série de operações da máquina é um sinal que modifica e orienta a operação seguinte. Acredita-se hoje que um processo de retroalimentação parecido, controlado química e não eletronicamente, modifique certas atividades celulares. Uma notícia do New York Times explica isso:

A presença de um produto final dentro de uma célula faz com que o mecanismo que o produz reduza o ritmo e pare. Essa forma de comportamento celular foi definida como “inteligente” pelo Dr. [Van R.] Potter [da Escola de Medicina da Universidade de Wisconsin]. Em contrapartida, uma célula que tenha sofrido alteração ou mutação comporta-se como “idiota” porque, sem o controle da retroalimentação, continua a produzir mesmo o material de que não necessita.

Acho que a última frase é uma boa descrição da atuação de localidades urbanas onde o sucesso da diversidade se autodestrói.

Suponhamos que áreas urbanas prósperas, com toda a sua extraordinária e complexa ordem social e econômica, sejam falhas nesse aspecto. Ao criar o sucesso nas cidades, nós, seres humanos, fazemos coisas maravilhosas, mas deixamos de lado a retroalimentação. O que podemos fazer nas cidades para compensar essa omissão?

Duvido que possamos dar às cidades algo equivalente a um sistema de retroalimentação verdadeiro, que funcione automaticamente e com perfeição. Acho, porém, que podemos conseguir muita coisa com substitutos imperfeitos.

O problema é restringir a reprodução excessiva num lugar e dirigi-la para outros locais, em que não seja excessiva, mas um acréscimo benéfico. Esses outros lugares podem ficar longe ou muito perto. Seja como for, não podem ser apontados arbitrariamente. Devem ser lugares onde o uso em questão tenha uma ótima oportunidade para que seu sucesso se mantenha – uma oportunidade melhor, na verdade, do que numa localidade em que ele esteja fadado à autodestruição.

Entendo que essa diversificação possa ser estimulada pela combinação de três recursos, que eu chamaria de: zoneamento pela diversidade, constância dos edifícios públicos e diversificação competitiva. Vou tratar brevemente de cada um deles.

O zoneamento pela diversidade deve ser visto de forma diferente que o tradicional zoneamento pela semelhança, mas, como todo zoneamento, é supressor. Uma forma de zoneamento pela diversidade já é conhecida em certos distritos: a restrição à demolição de prédios de interesse histórico. O zoneamento desses distritos, já diferentes das redondezas, é instituído para que continuem diferentes. Um desdobramento um pouco mais aprimorado desse conceito foi proposto por grupos de moradores no Greenwich Village, em 1959, e adotado pelo município. Em certas ruas, a altura permitida dos edifícios foi drasticamente reduzida. A maioria das ruas envolvidas já têm vários edifícios que ultrapassam a nova restrição de altura. Isso não é prova de falta de lógica, mas precisamente o motivo de as novas restrições terem sido pedidas: os prédios mais baixos restantes não poderem ser substituídos por meio da reprodução excessiva de edifícios altos, mais valiosos. Mais uma vez, o zoneamento expurgou a uniformidade – ou, na verdade, impôs diferenças –, ainda que de maneira muito restrita e em poucas ruas.

O propósito de um zoneamento com diversidade intencional não deve ser cristalizar a situação e os usos como estão. Isso seria fatal. Mais que isso, a questão é assegurar que as mudanças ou as substituições, à medida que ocorram, não sejam prioritariamente de uma única modalidade. Isso em geral implica restrição à substituição rápida de grande número de prédios. Acho que um plano específico de zoneamento pela diversidade – ou uma combinação específica de planos – exigido por uma área urbana nitidamente próspera tende a contrapor-se à localidade e à forma particular de autodestruição que a ameaça. Contudo, em princípio, o zoneamento voltado para a idade e o tamanho dos prédios é um instrumento lógico, porque a variedade de tipos de moradia geralmente se reflete na variedade de usos e moradores. O zoneamento de um parque circundado por uma repetição intensa de edifícios altos poderia muito bem regulamentar a construção de edifícios baixos especialmente do lado sul, atingindo assim dois bons objetivos de uma só tacada: garantir que o parque tenha sol no inverno e garantir indiretamente, pelo menos até certo ponto, a diversidade de usos na vizinhança.

Todo esse zoneamento pela diversidade – desde que o propósito seja evitar a reprodução excessiva dos usos mais lucrativos – precisa ser acompanhado de um ajuste nos impostos. A restrição à adoção do uso potencial mais lucrativo em determinada área precisa refletir-se nos impostos. É ilusório fixar um limite para a construção de um imóvel (mesmo que o instrumento de controle seja a altura, o porte, o valor histórico ou estético ou algum outro particular) e deixar que a tributação sobre tal imóvel reflita os valores despropositados dos imóveis próximos que se tornaram mais lucrativos. De fato, o aumento da tributação sobre a propriedade urbana por causa da lucratividade maior dos vizinhos é um artifício que tem atualmente o poder de forçar a reprodução excessiva. Essa pressão continuaria a provocá-la, mesmo que se tomassem medidas com o objetivo claro de refrear as reproduções. A maneira de aumentar a base de tributação de uma cidade não é, de forma alguma, explorar ao máximo o potencial tributário de curto prazo de cada lugar. Isso acaba solapando o potencial tributário de longo prazo de bairros inteiros. A maneira de aumentar a base de tributação municipal é aumentando a extensão territorial de áreas prósperas da cidade. A força da base de tributação é consequência do forte magnetismo urbano, e um de seus ingredientes imprescindíveis, desde que a meta seja preservar o sucesso, é certa quantidade de variação concentrada, deliberada e calculada das rendas fiscais localizadas para ancorar a diversidade e impedir sua autodestruição.

O segundo recurso potencial para conter a reprodução desenfreada de usos é o que chamo de constância dos edifícios públicos. Quero dizer com isso que os órgãos públicos ou semipúblicos deveriam adotar, em seus imóveis, uma política parecida com a política particular de Charles Abrams em relação a seus imóveis da Rua Oito. Abrams combate a proliferação excessiva de restaurantes em seus imóveis procurando outros tipos de usos. Os órgãos públicos e semipúblicos deveriam implantar seus edifícios e instalações em locais onde eles em princípio contribuam efetivamente para a diversidade, em vez de copiar os vizinhos. Então, na condição de usos, eles deveriam permanecer inabaláveis, independentemente do valor que a propriedade venha a ter em virtude do sucesso que o cerque (o qual eles terão ajudado a criar se a escolha do local tiver sido acertada) e independentemente do valor das propostas daqueles que os substituiriam para reproduzir os usos prósperos do entorno. Trata-se de uma política de gastar, e não de economizar palitos para as municipalidades e para os órgãos que tenham um compromisso claro com a prosperidade municipal – análoga à política tributária de não economizar na implantação de instrumentos do zoneamento pela diversidade. A Biblioteca Pública de Nova York, instalada num local tremendamente valorizado, dá uma contribuição mais valiosa para a localidade do que qualquer reprodução lucrativa possível dos usos vizinhos – por ser tão diferente, visual e funcionalmente. Quando a pressão dos cidadãos persuadiu o governo municipal de Nova York a emprestar dinheiro para que um órgão semipúblico pudesse comprar o Carnegie Hall de seu proprietário, que ia vendê-lo para reprodução dos usos vizinhos, e assim o Carnegie Hall continuou sendo uma sala de espetáculos e auditório, uma combinação real e permanente de usos principais pôde então firmar-se no bairro. Em síntese, órgãos públicos e voltados para o público podem contribuir bastante para fixar a diversidade se permanecerem inabaláveis em meio aos diferentes usos vizinhos, enquanto o dinheiro circula à sua volta e gostaria muito de circular neles.

Esses dois recursos – zoneamento pela diversidade e constância dos edifícios públicos – são iniciativas defensivas contra a autodestruição da diversidade. São, por assim dizer, para-brisas que conseguem conter as lufadas das pressões econômicas, embora não se possa esperar que suportem tempestades prolongadas. Qualquer tipo de zoneamento, qualquer tipo de política sobre edifícios públicos, qualquer tipo de política tributária, por mais esclarecidos que sejam, acabam por ceder diante de uma pressão econômica suficientemente forte. Costumam ceder e provavelmente continuarão a fazê-lo.

Portanto, junto com os instrumentos defensivos deve vir outro: a diversificação competitiva. Existe uma crença generalizada de que os norte-americanos detestam as cidades. Acho que é

provável que os norte-americanos detestem o fracasso das cidades, mas, pelo que se sabe, nós certamente não detestamos áreas urbanas prósperas e cheias de vida. Ao contrário, há tanta gente que quer utilizar tais lugares, tanta gente que quer trabalhar ou morar neles ou frequentá-los, que a autodestruição do município é uma questão de tempo. Ao aniquilar por meio do dinheiro as misturas bem-sucedidas de diversidade, talvez estejamos empregando o equivalente mais próximo do tiro de misericórdia.

Resumindo, a procura de áreas urbanas movimentadas e diversificadas é grande demais para a oferta.

Se se espera que os lugares urbanos nitidamente prósperos suportem as forças de autodestruição

– e se o preço inconveniente da defesa contra a autodestruição for um preço inconveniente real –, deve-se aumentar a oferta absoluta de lugares urbanos diversificados, movimentados e economicamente viáveis. Com isso, voltamos à necessidade fundamental de criar mais ruas e distritos com as quatro condições economicamente imprescindíveis para a diversidade urbana.

Sem dúvida, sempre haverá distritos, em qualquer época, com diversidade mais exuberante, com mais atrativos e mais sujeitos à ruína por meio da reprodução dos usos momentaneamente mais lucrativos. No entanto, se outras localidades não estiverem muito atrás no tocante a oportunidades e atrativos, e outras ainda surgirem, elas poderão propiciar a competição pela diversificação daquilo que tem mais popularidade. Sua força de atração seria reforçada pelas restrições à reprodução introduzidas nos distritos mais popularizados, as quais são um coadjuvante imprescindível para a diversificação competitiva. Porém, a atração pela competição teria de estar lá, muito embora pudesse ser uma atração menor.

Se e quando localidades concorrentes, por sua vez, se tornarem suficientemente prósperas a ponto de necessitar de um equivalente urbano dos sinais de retroalimentação, elas deverão exigir e obter defesas contra a reprodução excessiva.

Não é difícil descobrir o momento em que uma localidade começa a agir como uma célula “idiota”. Qualquer pessoa familiarizada com um distrito nitidamente próspero percebe quando essa mudança qualitativa está próxima. Quem usa instalações que estão começando a desaparecer ou gosta delas percebe muitíssimo bem quando a diversidade e a atratividade de um lugar familiar estão em declínio. Sabe muitíssimo bem quando parte da população está sendo excluída e sua diversidade está diminuindo – principalmente se forem eles próprios os excluídos. Sabe até de muitas dessas consequências antes que se efetivem, relacionando as mudanças físicas propostas ou iminentes com mudanças na vida cotidiana e no panorama cotidiano. Os moradores dos distritos falam sobre isso; apreendem tanto o fato quanto o efeito da autodestruição da diversidade muito antes que mapas e estatísticas atrasadas confirmem, tarde demais, a desgraça que aconteceu.

No fundo, a questão da autodestruição originada no sucesso que chama a atenção é o desafio de obter uma relação mais equilibrada entre a oferta e a demanda de ruas e distritos diversificados, e cheios de vida.