A subvenção de moradias

A maioria das metas que tenho abordado, tais como recuperar cortiços, catalisar a diversidade, nutrir ruas vivas, não são reconhecidas atualmente como objetivos do planejamento urbano. Portanto, os planejadores e as instituições que executam os planos não têm nem estratégias nem táticas para concretizar tais metas.

Esse é o capítulo 17
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Contudo, embora o planejamento urbano careça de táticas para construir cidades que possam funcionar como cidades, ele possui uma profusão delas. Elas voltam-se para a concretização de insanidades da estratégia. Infelizmente, são executadas.

Nesta seção, abordarei vários assuntos que em si já são reconhecidos como pertencentes à esfera de ação do planejamento urbano: moradias subsidiadas, trânsito, padrão estético urbano, métodos analíticos. O planejamento urbano moderno convencional tem metas em todas essas questões e, portanto, possui táticas – tantas táticas, tão arraigadas, que quando se questionam seus fins, elas são justificadas em função das condições estipuladas por outras táticas (por ex., precisamos fazer isso para obter o aval federal para empréstimos). Nós nos transformamos em prisioneiros das nossas táticas, e é muito raro enxergarmos estratégias por trás delas.

Um ponto bom como qualquer outro para iniciar são as táticas para a subvenção de moradias, já que as táticas arquitetadas e bordadas ao longo dos anos para tornar realidade as comunidades planejadas para pessoas pobres contaminaram profundamente as táticas urbanísticas para todos os fins. “O programa habitacional público fracassou por completo?” – perguntou o especialista Charles Abrams, depois de criticá-lo veementemente por ser mal concebido para os fins propostos e por ter, associado à abertura de áreas para renovação urbana, produzido “absurdos”.

Ele respondeu sua pergunta em seguida:

Não. Comprovou muitas coisas (…). Comprovou que áreas extensas e castigadas podem ser arrumadas, replanejadas e reconstruídas. Conseguiu que a população aceitasse melhorias urbanas em larga escala e instituiu os fundamentos legais para tanto. Comprovou que (…) letras imobiliárias são investimentos de primeira linha; que o fornecimento de moradias à população é um dever do governo; que a máquina do Departamento de Habitação pode pelo menos funcionar sem suborno. Tudo isso não é pouca coisa.

Tudo isso, sem dúvida, não é pouca coisa. Os instrumentos para abrir áreas em larga escala, remover cortiços, emparedar cortiços, planejar conjuntos habitacionais, estratificar renda e estratificar usos tornaram-se tão arraigados como conceitos do planejamento e conjuntos de táticas, que os construtores, e também a maioria dos cidadãos comuns, não sabem o que pensar quando tentam imaginar a reurbanização sem esses instrumentos. Para superar esse obstáculo, precisamos entender o equívoco inicial em que repousa o restante dessa estrutura fantasiosa.

Uma amiga minha chegou aos dezoito anos de idade acreditando que os bebês nasciam pelo umbigo das mães. Ela se apegou a essa ideia quando era pequena, e a partir de então qualquer coisa que ela viesse a saber, torcia e fantasiava com base no engano inicial, porque era inteligente e inventiva. Quanto mais ela soubesse, mais parecia confirmar-se sua noção. Ela estava usando, de um modo um tanto esquisito, um dos talentos humanos mais universais, engenhosos e aflitivos. Criava uma nova racionalização a cada uma que caía por terra, de maneira que era impossível cercar o problema para solucioná-lo. Para desfazer a invenção fantasiosa dela, era preciso começar pela anatomia do umbigo. Quando sua família conseguiu corrigir dessa maneira aquele erro elementar sobre a natureza e a função do umbigo, ela passou a usar outro talento humano mais perspicaz e estimulante. Livrou-se do emaranhado de equívocos restantes com tanta facilidade, que se tornou professora de biologia (e mais tarde também teve muitos filhos).

O emaranhado de confusões a respeito do funcionamento das cidades que cresceu em torno do conceito de conjunto habitacional subsidiado não está mais só na nossa cabeça: transformou-se num emaranhado de instrumentos legislativos, financeiros, arquitetônicos e analíticos aplicado às cidades.

Nossas cidades têm pessoas pobres demais para pagar pela habitação de qualidade que nossa consciência pública (corretamente, penso eu) nos diz que elas merecem. Além do mais, em muitas cidades, a oferta de moradias é muito pequena para acomodar a população sem superlotação, e a quantidade de moradias adicionais necessárias não condiz necessariamente com a capacidade imediata das pessoas envolvidas de pagar por elas. Por esses motivos, precisamos de subvenção pelo menos para parte das habitações urbanas.

Essas razões para a subvenção habitacional parecem simples e objetivas. Também deixam ampla margem quanto à maneira de aplicar os subsídios, tanto financeira quanto fisicamente.

Mas vejamos como elas podem tornar-se – e já se tornaram – complicadas e rígidas, dando outra resposta aparentemente simples mas ligeiramente diferente à pergunta: Por que subvencionar moradias nas cidades?

A resposta que aceitávamos havia muito tempo era assim: Precisamos da subvenção de moradias para atender ao segmento da população que não pode ser abrigado pela iniciativa privada.

E, prosseguia a resposta, já que isso é mesmo necessário, as moradias subsidiadas devem incorporar e demonstrar os princípios da boa moradia e do bom urbanismo.

Essa é uma resposta terrível, com consequências terríveis. Uma evasiva semântica de repente nos faz deparar com pessoas que não podem ser abrigadas pela iniciativa privada, as quais, então, devem ser presumivelmente abrigadas por outros. Contudo, na vida real, trata-se de pessoas cujas necessidades de moradia não são em si peculiares e portanto fora da esfera de ação e da capacidade corriqueira da iniciativa privada, como o são as necessidades de alojamento de presidiários, marinheiros no mar ou doentes mentais. As necessidades de moradia perfeitamente triviais de quase todos podem ser supridas pela iniciativa privada. A peculiaridade dessas pessoas é simplesmente não poderem pagar por elas.

Num piscar de olhos, porém, as “pessoas que não podem ser abrigadas pela iniciativa privada” foram transformadas num grupo estatístico que tem necessidades habitacionais peculiares – como os presidiários –, com base numa estatística: sua renda. Para concluir o resto da resposta, esse grupo estatístico torna-se um conjunto especial de cobaias para os Utópicos amolarem.

Mesmo que os Utópicos tivessem planos que socialmente fizessem sentido nas cidades, está errado separar uma parte da população, segregada pela renda, separada em seus próprios bairros, que têm uma organização comunitária própria e diferente. Segregados mas iguais não resulta senão em problema numa sociedade em que não se ensina às pessoas que a casta faz parte da ordem divina. Segregados mas em melhores condições é uma contradição intrínseca onde quer que a separação seja imposta por uma forma de inferioridade.

A noção de que a existência de subsídio obrigava a que essas pessoas fossem abrigadas por alguém que não a iniciativa privada e os proprietários comuns era em si uma aberração. O governo não assume a locação ou a propriedade ou a gestão de fazendas subsidiadas ou de companhias aéreas subsidiadas. O governo, por regra, não assume a administração de museus que recebem subsídios provenientes de recursos públicos. Não assume a propriedade ou a administração de hospitais comunitários mantidos por doações cuja construção é geralmente possibilitada pela subvenção governamental1.

O programa habitacional público encontra-se à margem de outras formas logicamente análogas de capitalismo e de parceria com o governo que criamos; ele incorpora a crença de que o governo deve assumir um prédio simplesmente porque o governo contribui com subsídios.

Por não termos uma ideologia que atribua ao governo o papel de locador ou proprietário de conjuntos habitacionais, o que é coerente com o restante da vida nacional, não sabemos como enfrentar a situação. As burocracias que se formam e administram essas habitações – sempre temerosas de que seus caprichosos senhores, os contribuintes, apontem defeitos na manutenção das moradias, na moral ou nos padrões de conforto dos inquilinos e culpem os burocratas – são tremendamente arrogantes em certas coisas e tremendamente retraídas em outras.

Pelo fato de o governo ser um senhorio, ele está em concorrência latente com os senhorios particulares e, para evitar que a concorrência seja desleal, são necessários acordos de cartel. A própria população precisa ser monopolizada, mudando as pessoas da jurisdição de um cartel para o outro, de acordo com o dinheiro que elas geram.

A resposta de que tais pessoas são aquelas que “não podem ser abrigadas pela iniciativa privada” foi totalmente desastrosa também para as cidades. Num piscar de olhos, desapareceu a cidade como organismo. Ela tornou-se, teoricamente, um conjunto estático de locais para assentamento desses grupos estatísticos segregados.

Desde o começo, o conceito todo era estranho à natureza do problema, estranho à óbvia carência financeira das pessoas em questão, estranho às necessidades e ao funcionamento das cidades, estranho ao restante do nosso sistema econômico e mesmo estranho ao significado do lar, que a despeito disso evoluiu em nossa tradição.

O melhor que se pode dizer desse conceito é que ele sancionou a prática de algumas teorias do planejamento físico e social que não deram em nada.

O problema de como gerir os subsídios dados às pessoas que não podem arcar com o custo da moradia é fundamentalmente: como complementar a diferença entre o que elas podem pagar e o custo da moradia? A moradia pode ser fornecida por proprietários e locadores particulares, e a diferença, paga a eles – seja diretamente, na forma de pagamento de subsídios, seja indiretamente, na forma de complementos de aluguel para os próprios inquilinos. São infindáveis as táticas de injeção de subsídios – em prédios antigos, novos, reformados.

Vou sugerir um método – de forma alguma por ser o único sensato, mas por ser capaz de contribuir para a solução de alguns dos problemas atuais mais difíceis do desenvolvimento urbano. Trata-se de um meio de propiciar novas construções de modo gradativo e não drástico, de propiciar novas construções como ingrediente da diversidade do bairro e não como forma de padronização, de conseguir que a iniciativa privada faça novas construções em distritos boicotados e ajudar a acelerar o processo de recuperação de cortiços. Esse método também pode ajudar a solucionar outros problemas, como veremos.

O que proponho pode ser chamado de método da renda garantida. As unidades físicas em questão teriam de ser edifícios, não conjuntos habitacionais – edifícios que se misturem a outros, velhos e novos, nas ruas da cidade. Esses edifícios de renda garantida seriam de tipos e modalidades diferentes, conforme o tipo de vizinhança, a extensão do terreno e todas as considerações que normalmente influem na classificação das moradias mais ou menos padrão.

Para induzir os proprietários a construir esses edifícios nos bairros em que sejam necessários para substituir prédios degradados ou para aumentar a oferta de moradias, a repartição governamental competente, que chamarei de Departamento de Subvenção Habitacional (DSH), faria dois tipos de garantias aos construtores.

Primeira, o DSH garantiria ao construtor a obtenção do financiamento necessário para a construção. Se o construtor conseguisse obter um empréstimo de uma instituição de crédito convencional, o DSH avalizaria a hipoteca. Contudo, se ele não obtivesse o empréstimo, o próprio DSH emprestaria o dinheiro – um respaldo necessário devido à existência do embargo de crédito conjunto pelos financiadores convencionais para com localidades urbanas devedoras, e necessário somente na medida em que os empréstimos das fontes tradicionais, a taxas de juros razoavelmente baixas para hipotecas garantidas, não pudessem ser obtidos para o programa.

Segunda, o DSH garantiria a esses construtores (ou aos proprietários a quem os prédios seriam posteriormente vendidos) um aluguel pelas unidades habitacionais do edifício suficiente para mantê-las economicamente.

Como compensação pela obtenção do financiamento e pela garantia de uma renda de aluguéis por todos os apartamentos ocupados, o DSH exigiria que o proprietário (a) construísse o prédio em determinado bairro e, às vezes, em local determinado dentro dele, e (b), na maioria dos casos, que ele selecionasse seus inquilinos dentre candidatos de uma área determinada ou um grupo determinado de prédios. Estes estariam localizados, em geral, em área próxima, mas em certos casos poderiam não estar. Veremos logo por que essas precondições são indicadas, mas primeiro é preciso falar da terceira e última função do órgão subsidiador, o DSH.

Depois de o proprietário ter selecionado seus inquilinos dentre os candidatos, o DSH verificaria a renda desses inquilinos. O órgão não teria poder para investigar nenhuma outra informação a respeito dos selecionados, a não ser a renda e o fato de eles terem vindo da área ou dos edifícios especificados. Temos códigos de leis e órgãos executivos que tratam de todos os assuntos correlatos relevantes, como obrigações locador-locatário, poderes da polícia, bem-estar social – e o DSH não deveria assumir essas funções. Não se trata de uma transação humilhante, fútil ou vaga, com o propósito de elevar a alma humana. É uma transação digna, comercial, de locação de moradias, nem mais, nem menos.

Pelo menos no início de um programa desses, a maioria dos inquilinos que se candidatassem ou todos eles não conseguiriam arcar com seu aluguel proporcional (sua parte total nos custos). O DSH cobriria a diferença. A verificação de renda, levando em conta o tamanho da família, seria feita anualmente, de modo semelhante à declaração do imposto de renda. Essa solução é empregada atualmente nos conjuntos habitacionais (nos quais ela se faz acompanhar de várias bisbilhotices e intrigas em outros assuntos), e é uma solução que demonstra bons resultados em muitos outros campos. Por exemplo, colégios e universidades usam esse recurso para conceder bolsas de estudo de acordo com a necessidade.

Se a renda familiar aumentar, o porcentual de seu aluguel aumentaria, e a quantidade subsidiada diminuiria. A partir do momento que a renda familiar chegar ao ponto de poder pagar todo o seu aluguel proporcional – e desde que isso seja verdade –, não seria mais um assunto do DSH. Essa família ou esse indivíduo poderia ficar para sempre no domicílio, pagando o aluguel proporcional.

Quanto mais esses prédios com renda garantida conseguirem manter os inquilinos, à medida que estes melhoram sua condição financeira, haverá mais subsídios de aluguéis para mais edifícios e outras famílias. O nível de incentivo do programa à estabilidade e à consequente diversificação de pessoas estaria diretamente ligado ao nível e à velocidade com que o programa de construção se expandisse com determinada subvenção de aluguéis. Ele teria de levar em conta as necessidades das pessoas que melhoram o padrão de vida e os princípios da criação de bairros atraentes, seguros e interessantes, nos quais as pessoas permanecem por opção. Fracassando nesses aspectos, sua expansão seria automaticamente contida. A expansão não representaria ameaça alguma para construtores e proprietários particulares (como ocorre com os conjuntos habitacionais), porque eles seriam os beneficiários imediatos dela. E a expansão tampouco representaria uma ameaça para as instituições privadas de crédito, pois suas funções só seriam suplantadas na medida em que as próprias instituições decidissem não participar do financiamento do custo investido.

A garantia ao proprietário do aluguel anual proporcional se estenderia pelo período de amortização das hipotecas. Este poderia variar entre trinta e cinquenta anos, e essa variação seria boa por constituir um dos fatores de incentivo aos tipos diferentes de prédios, além de introduzir a variação do tempo em que um edifício com renda garantida poderia ser demolido ou utilizado para fins bem diversos. Na verdade, com o passar do tempo, a simples existência de mais construções novas num distrito, daquela maneira ou de outra, resultaria numa variação no tempo em que poderiam ser extintos, se necessário, os edifícios ou seus primeiros usos.

O conceito de aluguel proporcional deve incluir os custos fixos de amortização e de juros, despesas correntes e de manutenção, que teriam de ser reajustados para se adequar a mudanças do poder aquisitivo (requisito normalmente levado em conta nas despesas fixas de locação e manutenção); uma estimativa de lucro ou de lucro e administração; e impostos sobre bens imóveis, assunto que retomarei mais adiante neste capítulo.

Poderia ser exigido do proprietário que investisse no prédio um capital de contrapartida um pouco menor do que se exige atualmente em empréstimos garantidos pelo Departamento Nacional de Habitação a empreendimentos de subúrbio, a fim de ajudar a corrigir o desequilíbrio que tem provocado a fuga do capital de construção das cidades.

No fim das contas, a maior parte dos subsídios empregados em moradias com renda garantida seria para pagar as despesas de construção – da mesma maneira que o subsídio é utilizado em conjuntos habitacionais. No entanto, estrategicamente, o processo seria o contrário do método usado nos conjuntos habitacionais.

Nos conjuntos habitacionais, as despesas com construção cabem ao governo. Os órgãos habitacionais locais emitem títulos de longo prazo para cobrir os custos da construção. Dotações federais (em certos casos, estaduais) cobrem o pagamento desses títulos. Os aluguéis de inquilinos de baixa renda cobrem apenas custos administrativos, despesas correntes e de manutenção locais – todos, aliás, muito elevados nos conjuntos habitacionais. Os inquilinos dos conjuntos habitacionais pagam, com o dinheiro do aluguel, mais papel para mimeógrafo, mais horas de reuniões e mais policiamento contra o vandalismo do que quaisquer locatários desde que o mundo é mundo. Nos conjuntos habitacionais, os aluguéis são subsidiados por meio da subvenção direta dos custos investidos e de sua remoção do resultado final.

Com o sistema de renda garantida, os custos investidos seriam mantidos no cômputo do aluguel. A amortização do capital seria incluída no aluguel e, na medida em que fosse necessário subsidiar os aluguéis, o custo investido seria automaticamente subsidiado. De ambas as maneiras, de forma direta ou por meio dos aluguéis, os custos investidos seriam pagos. A vantagem de subvencioná-los por meio da subvenção de aluguéis é esta: o subsídio financeiro torna-se muito mais flexível quando realizado com inquilinos. De forma alguma é preciso usá-lo para selecionar pessoas desta ou daquela renda, como se deve fazer quando o subsídio financeiro é um fator fixo, rigidamente fundado na própria existência da propriedade de imóveis.

Com o sistema de construção com renda garantida, seria possível eliminar outro fator fixo que atualmente separa as pessoas por faixa de renda nas construções subsidiadas. Trata-se do abatimento ou eliminação do imposto sobre a propriedade de bens imóveis. Sob propriedade pública, a maioria dos conjuntos habitacionais de baixa renda não paga impostos sobre bens imóveis. Muitos conjuntos habitacionais de renda média ganham abatimento ou prorrogação de impostos para que os aluguéis baixem, ou, no caso de cooperativas, suas despesas de manutenção. Todos esses meios são uma forma de subvenção e exigem uma restrição concomitante na renda dos inquilinos – no mínimo, no momento da entrada –, de modo que os que tenham melhores condições de pagar impostos sobre bens imóveis somados às despesas com moradia não se aproveitem tão abertamente de outros contribuintes.

Sob o sistema de renda garantida, os impostos sobre bens imóveis poderiam e deveriam ser incluídos no aluguel; como no caso dos custos investidos, a porcentagem em que eles seriam subsidiados para uma família ou um indivíduo não seria um índice rígido e integrante da construção, mas variaria em função da capacidade (variável) dos inquilinos de arcar com sua parcela nas despesas de locação.

Já que os subsídios de aluguéis deveriam provir de repasses federais, como ocorre atualmente com quase todos os programas públicos de habitação, isso faria do governo federal, de fato, um contribuinte indireto mas substancial da receita municipal de impostos territoriais derivados de moradias. Porém, mais uma vez, trata-se principalmente de uma diferença de tática no uso de subsídios. Hoje em dia, os subsídios habitacionais federais pagam, direta e indiretamente, muitas instalações e operações que constituem essencialmente despesas de manutenção urbana corriqueiras, distorcidas para se adequarem às fórmulas físicas e financeiras exigidas no projeto do empreendimento. Por exemplo, as dotações federais financiam os custos investidos dos Territórios de conjuntos habitacionais e de salas de reunião pública, postos de saúde e similares; indiretamente – por assumir grande parte da conta total –, elas custeiam os vigilantes e os assistentes sociais e comunitários do Departamento de Habitação. Se essas despesas fossem retiradas do subsídio – pelo fato de não serem mais relevantes para o resultado –, mas se incluísse o imposto territorial, isso ajudaria a custear algumas das coisas de que as cidades necessitam desesperadamente, como parques públicos bem localizados nos bairros, em lugar de empreendimentos em territórios hostis, polícia em lugar de vigilantes ligados ao Departamento de Habitação, fiscais do código de obras em vez de inspetores de manutenção ligados ao departamento.

Além de certas exigências quanto ao número de cômodos nas unidades habitacionais (de modo que as moradias não acabassem tendo o mesmo tamanho), o DSH não teria nem a responsabilidade nem o poder de instituir seus padrões de projeto ou de construção. Os padrões e as regulamentações físicas deveriam ser aqueles constantes dos códigos e do conjunto de regulamentações municipais e deveriam, assim, ser os mesmos para habitações com renda garantida e para qualquer edifício não subsidiado que fosse construído no mesmo local. Se a política pública for melhorar ou mudar os padrões habitacionais em função de segurança, higiene, conforto ou traçado de ruas, então essa política pública deve ser apresentada ao público – não a uma parcela do público arbitrariamente escolhida, uma cobaia.

Se o proprietário de um edifício com renda garantida desejasse colocar comércio ou outros usos não residenciais no andar térreo ou no porão, ou ambos, os custos rateados desse espaço simplesmente não seriam incluídos na garantia de renda ou na garantia de financiamento. Tanto as despesas quanto a renda provenientes desse empreendimento salutar correriam por fora de seus acordos com o DSH.

Já que esse tipo de construção subsidiada não acarretaria abertura de espaços e construção em larga escala, os terrenos para moradias com renda garantida, na maioria dos casos, dificilmente exigiriam o uso da prerrogativa da desapropriação. As vendas de terrenos em bairros considerados apropriados normalmente poderiam ser feitas como são feitas em geral nas transações de construções privadas, baseadas em quem deseja vender e a que preço. Sem dúvida, o custo do terreno teria de ser absorvido, mas é preciso lembrar que, com um sistema desses, estamos eliminando a necessidade de despesas com abertura de grandes áreas que hoje achamos necessário subsidiar.

Nos casos em que o poder de desapropriação for utilizado, o preço de compra deverá incluir os custos reais, totais – como o valor de locações comerciais em vigência ou os custos reais e totais de mudança e reinstalação de um negócio, como ocorre nas vendas entre particulares, nas quais nunca se espera que os locatários comerciais paguem um subsídio compulsório para o plano de terceiros2.

O propósito de pagar, em vez de exigir subsídios compulsórios injustos, seria evitar a destruição gratuita da diversidade urbana. Pagar significaria, por um lado, possibilitar a transferência e a continuidade de empresas deslocadas (de preferência para os arredores) e, por outro lado, implementar a seletividade espontânea do que foi prejudicado. Essa espécie de seletividade – que permite a permanência do que tem mais valor – não está presente de forma alguma nas atuais táticas de desenvolvimento urbano e é uma das razões por que elas devastam de tal maneira o patrimônio econômico das cidades. O propósito das habitações com renda garantida seria aumentar a prosperidade ou o potencial de prosperidade já existente.

Repetindo, pelo fato de o método não implicar a abertura de espaços e reurbanização em larga escala, o programa poderia contar com grande número de construtores e proprietários, milhares deles. É ridículo pensar que nossas cidades grandes – variadas, cheias de vida, sempre em transformação – devam depender de um punhado de autoridades e barões da construção para se renovar. Os proprietários de prédios com várias moradias de renda garantida poderiam, se desejassem, morar nos prédios, como inquilinos, e isso seria benéfico, como sempre é o proprietário morar no lugar. Isso de forma alguma poderia ser exigido, mas sim instigado, por meio do incentivo à participação no programa de construção ou, de modo mais realista, não impedindo que os construtores vendessem a tais proprietários.

Se tivéssemos uma tática como essa da construção com renda garantida, como a usaríamos? Mencionei anteriormente duas condições que deveriam ser exigidas dos proprietários em troca

das garantias dadas a eles: os prédios precisam localizar-se em bairros determinados e por vezes em locais determinados; e, na maioria dos casos, haveria a exigência de que os inquilinos fossem selecionados dentre candidatos que moram atualmente em certa área, ou na mesma rua, ou num determinado grupo de edifícios.

Com essas duas condições simples para os construtores, seria possível realizar ponderadamente várias coisas diferentes, dependendo dos problemas específicos de lugares específicos.

Seria possível, por exemplo, estimular novas construções em localidades boicotadas em que a carência se torna crítica e, ao fazê-lo, colaborar simultaneamente para a permanência na vizinhança das pessoas que lá moram.

Seria possível aumentar ponderadamente a quantidade de unidades habitacionais em bairros em que isso fosse necessário e fazer esse aumento ao mesmo tempo que se diminui o número de ocupantes de prédios próximos mais antigos (cujo índice legal de ocupação finalmente se tornaria praticável).

Seria possível manter na vizinhança pessoas cuja moradia atual precisasse ser demolida, tanto para dar espaço a outro uso quanto por degradação.

Seria possível fazer com que as residências atuassem ou tivessem participação maior como ingrediente dos usos principais, nos locais em que esse uso principal fosse necessário para complementar outros ingredientes principais da mistura urbana, como o trabalho.

Seria possível contribuir para o preenchimento dos vazios decorrentes da abertura de novas ruas em quadras muito longas.

Seria possível ampliar o sortimento básico de diversidade de tipos e idades de edifícios de uma área.

Seria possível reduzir a densidade habitacional nas áreas excepcionais em que ela é muito alta, e isso poderia ser feito paulatinamente, para evitar convulsões populacionais catastróficas.

E seria possível fazer essas coisas misturando classes de renda e incentivando o aumento dessa mistura com o tempo.

Todos esses recursos servem para induzir a estabilidade e a diversidade da população – alguns deles diretamente, possibilitando a permanência das pessoas que assim o desejem; e outros indiretamente (na medida em que uma parte de um dos vários usos diferentes da cidade renda o que se espera), contribuindo para criar ruas e distritos movimentados, seguros, interessantes e variados, nos quais as pessoas permaneçam por opção.

Além do mais, como tal programa introduziria em qualquer lugar investimentos graduais e mudanças graduais, ele não impediria a presença simultânea ou subsequente de pessoas com poder de escolha ou de edifícios não subsidiados. (Esperamos com isso conter rapidamente a autodestruição da diversidade.) E também não impediria a chegada de novos moradores na vizinhança, incluindo aqueles que só a escolheram por conveniência. Isso porque, em qualquer período, haveria na vizinhança muitos outros prédios que não estariam sendo usados intencionalmente para a estabilidade do processo de transferência das pessoas e em relação aos quais, portanto, a origem geográfica dos inquilinos destoaria.

Seja qual for a idade dos prédios numa localidade, seja qual for a necessidade de eventual substituição de todos eles ou de quase todos, esse processo não deve ocorrer de uma única vez3.

Uma substituição muito rápida, além de militar economicamente contra a diversidade urbana e gerar o efeito padronizado e desnaturado da construção de conjuntos habitacionais, atuaria em sentido contrário à meta de o maior número possível de pessoas permanecer espontaneamente por muito tempo – moradores de prédios velhos ou novos e moradores com ideias próprias a respeito de construção e renovação.

Há, é claro, muitas oportunidades para a corrupção e a fraude num sistema de garantia de renda e financiamento avalizado de prédios novos. Temos condições de controlar razoavelmente bem a corrupção, a fraude e a vigarice quando queremos. (Vejam como temos sorte de viver num país onde isso é possível.) Mais difícil é combater a ineficiência.

Podemos ter certeza de que quaisquer táticas específicas de subvenção de moradias provocarão quase invariavelmente resultados cada vez mais repetitivos, imutáveis, divergindo cada vez mais, com o passar do tempo, das necessidades do mundo real. Qualquer ideia criativa que apareça no início é inexoravelmente podada desse momento em diante. A corrupção, por outro lado – tanto a corrupção pelo dinheiro quanto a corrupção pelo poder –, tem uma natureza diferente da burocracia bem-comportada. A corrupção se torna mais inventiva, nunca menos, desde que tenha campo para agir.

Para combater tanto a ineficiência quanto a corrupção, deveríamos experimentar, a cada oito ou dez anos pelo menos, novos métodos de subvenção de moradias ou promover alterações em métodos antigos que estejam funcionando bem para serem mantidos. Deveríamos até criar órgãos inteiramente novos para essas novas incumbências, de tempos em tempos, e deixar que os antigos definhassem. Seja como for, é sempre necessário confrontar as táticas com as necessidades específicas que se tornam evidentes em locais específicos. Devemos sempre nos perguntar: “Este instrumento é eficaz aqui? Se não é, qual seria?” Alterações ponderadas e periódicas nas táticas de subvenção permitiriam enfrentar novas necessidades, que se tornam evidentes com o tempo mas que ninguém seria capaz de prever. Essa observação é, indiretamente, uma advertência para as limitações das minhas sugestões neste livro. Acho que elas fazem sentido em relação ao que existe, que é o único ponto de partida possível. Mas isso não quer dizer que elas façam muito sentido, ou até que sejam sensatas, quando nossas cidades tiverem adquirido um desenvolvimento substancial e uma vitalidade muito maior. E elas também não farão sentido se persistir a atual administração de nossas cidades e se perdermos as formas construtivas de comportamento e as forças com que ainda podemos contar para evoluir.

Os métodos de subvenção são passíveis de muitas variações, mesmo hoje, desde que se baseiem em mudanças flexíveis e graduais, e não em mudanças bruscas. James Rouse, financiador hipotecário de Baltimore e mentor de várias iniciativas de renovação e reurbanização, sugeriu, por exemplo, uma variação que permite que os inquilinos eventualmente se tornem proprietários – ideia das mais razoáveis em locais onde as casas geminadas predominam:

O sistema habitacional público não é um fim em si mesmo. Só pode ser definido como um meio para o fim de fazer das nossas cidades locais adequados para viver. Que tipo de sistema habitacional deveria existir? (…) O aluguel dos inquilinos deveria aumentar de acordo com sua renda, e não se deveria despejá-los por serem inquilinos com renda muito alta. Quando sua renda crescente atingisse o ponto de cobrir os juros e a amortização da dívida, em hipotecas com termos liberais, aí a propriedade deveria ser transferida a ele pelo valor contábil, e seu aluguel, convertido em parcelas hipotecárias. Um programa desses colocaria não somente o proprietário como também a residência na área do livre mercado. Isso impediria a formação de guetos no sistema habitacional e restringiria o sistema protecionista imperial que hoje envolve o programa (…).

Charles Platt, arquiteto de Nova York, defende há muito o uso de novas moradias subsidiadas associado com prédios próximos mais antigos como um instrumento para reduzir o número de pessoas por domicílio e, portanto, para obter dois avanços com uma só medida. William Wheaton, professor de urbanismo na Universidade da Pensilvânia, fez apelos eloquentes em favor do conceito de entrega rotativa de moradias públicas e de sua não diferenciação da variedade de moradias particulares numa comunidade. Vernon De Mars, arquiteto da Califórnia, propôs um sistema de construção e propriedade particular de moradias muito parecido com o que chamei de sistema de renda garantida, do qual todos poderiam participar e que poderia receber inquilinos subsidiados por órgãos habitacionais do governo.

Stanley Tankel, membro da Associação de Planejamento Regional de Nova York, perguntou:

Por que só agora nos ocorreu verificar se os próprios cortiços não possuem alguns ingredientes para uma boa política habitacional? Estamos descobrindo de repente (…) que as famílias que moram em cortiços não se mudam necessariamente quando sua renda aumenta; que a independência nos cortiços não é sufocada por uma política administrativa paternalista; e, por fim, (incrível!) que os moradores de cortiços, como as outras pessoas, não gostam de ser enxotados de seu bairro (…). O próximo passo exigirá grande humildade, já que estamos tão propensos a confundir grandes empreendimentos da construção civil com grandes conquistas sociais. Teremos de admitir que está longe da imaginação de qualquer um a criação de uma comunidade. Precisamos aprender a cultivar as comunidades que temos; elas são difíceis de obter. “Arrumem os prédios, mas não mexam com os moradores.” “Sem transferências para longe da vizinhança.” Esses devem ser os lemas se se quiser que o sistema habitacional público seja popular.

Virtualmente todos os analistas do sistema habitacional público denunciaram, mais cedo ou mais tarde, a ação nociva das restrições à renda dos inquilinos e advogaram sua extinção4. A proposta que fiz de moradias com renda garantida não possui ideias originais minhas; só reuni numa proposta ideias correlatas apresentadas por muitas outras pessoas.

Por que tais ideias ainda não foram incorporadas ao conceito de sistema habitacional público? A resposta já está contida na pergunta.

As ideias não foram utilizadas exatamente porque são em geral concebidas e sugeridas como alterações para serem incorporadas tanto ao próprio conceito de empreendimento quanto ao conceito de propriedade pública de moradias subsidiadas. Essas duas ideias básicas a respeito do sistema habitacional são tremendamente inadequadas em nossa sociedade para um desenvolvimento urbano satisfatório. As táticas elaboradas para realizá-las – emparedamento de cortiços e/ou remoção de cortiços, triagem de renda, padronização – são ruins para o ser humano e para as necessidades econômicas urbanas, mas são boas e lógicas para a execução de empreendimentos e para que a burocracia se aposse deles e os administre. Na verdade, quaisquer outras táticas com esses fins são tão ilógicas e forçadas que as tentativas de incorporá-las morrem antes que seque a tinta dos informes oficiais.

Precisamos de novas táticas para a subvenção de moradias, não porque as existentes precisem ser remexidas e reavaliadas. Precisamos delas porque necessitamos de metas diferentes para a urbanização e uma nova estratégia para recuperar os cortiços e manter a diversidade populacional, também, nos lugares em que não há mais cortiços. As metas diferentes e a nova estratégia precisam ter táticas próprias e inteiramente diferentes.

1. O falecido Marshall Shaffer, brilhante funcionário do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, que criou o programa de auxílio para a construção de hospitais e o dirigiu por muitos anos, tinha colado na gaveta da escrivaninha um papel que ele olhava de quando em quando para lembrá-lo de alguma coisa. Estava escrito no papel: “Um tolo é capaz de se vestir sozinho melhor do que um sábio o vestiria.”

2. Esse procedimento já é às vezes utilizado em compras por desapropriação, quando os municípios estão cientes de que a injustiça às vítimas de seus planos resultará em grandes problemas políticos para os próprios planos. Assim, a cidade de Nova York, ao comprar terras na região setentrional do estado que seriam inundadas para abastecimento de água, obteve uma legislação estadual que lhe permitia pagar as indenizações justas e totais aos negócios desalojados, incluindo a compra do ponto comercial.

3. Uma palavrinha sobre ratos. Eles são um dos males primários que as novas habitações supostamente conseguem eliminar e as antigas perpetuam. Mas os ratos não sabem disso. A menos que sejam exterminados, quando prédios antigos infestados são demolidos, os ratos simplesmente se mudam para a área desabitada mais próxima. Um dos mais graves problemas do Lower East Side de Nova York, neste exato momento, são ratos e outros predadores que vêm de prédios demolidos para o terreno de um enorme condomínio de cooperativa, Seward Houses. Quando grande parte do centro urbano de St. Louis foi demolida, os ratos desalojados invadiram prédios num raio de vários quilômetros. Se não for feita a desratização dos novos prédios, a prole dos ratos volta para lá. A maioria das cidades possui instrumentos legais que obrigam o extermínio dos ratos em qualquer prédio demolido; em Nova York, é de cinco dólares a taxa vigente em 1960 para um certificado falso de desratização, pago por proprietários corruptos a exterminadores corruptos. Não sei como os órgãos públicos, como o Departamento de Habitação, ignoram a lei, mas, para ter certeza, basta ir ver o medonho festival e a fuga de ratos ao entardecer nos locais em processo de demolição. Os prédios novos não se livram dos ratos. Quem se livra dos ratos são as pessoas. Isso pode ser feito em prédios velhos quase tão facilmente quando que em prédios novos. Nosso prédio estava tomado de ratos – dos grandes – quando o compramos. Custa 48 dólares por ano para ficar completamente livre de ratos e de todos os outros predadores. Uma pessoa dá conta disso. A ideia de que os prédios se livram dos ratos é pior que um delírio, porque se torna uma desculpa para não exterminá-los. (“Logo ficaremos livres desses prédios infestados de ratos.”) Esperamos demais dos prédios novos e muito pouco de nós mesmos.

4. Muitas dessas ideias e outras mais foram expostas num simpósio, “The Dreary Deadlock of Public Housing” [0 triste impasse do sistema habitacional público], publicado na Architectural Forum de junho de 1957.