Uma das ideias inconvenientes por trás dos projetos é a própria noção de que eles são conjuntos, abstraídos da cidade comum e separados. Pensar em recuperar ou melhorar os projetos como projetos é persistir no mesmo erro. O objetivo deveria ser costurar novamente esse projeto, esse retalho da cidade, na trama urbana – e, ao mesmo tempo, fortalecer toda a trama ao redor.
Esse é o capítulo 20
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Reintegrar esses projetos à cidade é imprescindível não só para dar vida aos próprios conjuntos perigosos e estagnados. É também imprescindível para o planejamento urbano amplo de distritos. Caso seja fisicamente recortado por grandes projetos habitacionais e suas zonas de fronteira desertas, em desvantagem social e econômica pelo isolamento de coletividades muito pequenas, o distrito urbano não tem condições de ser um distrito de verdade, suficientemente coeso e amplo para ter peso.
Os princípios fundamentais de revitalização do próprio terreno do conjunto e de suas fronteiras que precisam ser reintegradas ao distrito são os mesmos que os princípios do auxílio a qualquer área urbana de baixa vitalidade. Os planejadores urbanos precisam diagnosticar que condições capazes de gerar diversidade estão faltando – se a carência é de usos principais combinados, se as quadras são muito amplas, se existe uma mistura precária de idades e tipos de edifícios, se a concentração de pessoas é suficiente. Então, a condição que estiver faltando deve ser suprida – em geral gradualmente e no momento oportuno – da melhor maneira possível.
No caso dos conjuntos habitacionais, os problemas fundamentais podem ser muito parecidos com os que se apresentam nas áreas apagadas e desvitalizadas e em antigos subúrbios absorvidos. No caso de projetos não residenciais, como centros culturais e administrativos, os problemas fundamentais podem ser muito parecidos com os que se apresentam nas áreas decadentes dos centros urbanos nas quais ocorreu a autodestruição da diversidade.
Contudo, pelo fato de os grandes projetos e seus limites apresentarem obstáculos diferenciados ao preenchimento das condições para gerar diversidade (e às vezes, também, obstáculos especiais ao processo de recuperação de cortiços), a revitalização deles requer táticas diferenciadas.
Atualmente, os projetos que precisam ser revitalizados com mais urgência são os conjuntos habitacionais de baixa renda. Seus insucessos têm efeitos drásticos sobre a vida de muitas pessoas, principalmente crianças. Além do mais, por serem por si sós muito perigosos, degradantes e instáveis, em vários casos é muito dificil manter um nível de civilidade tolerável nas redondezas. Foram feitos investimentos enormes em conjuntos habitacionais financiados pelos governos federal e estadual; esses gastos, além de mal planejados, são vultosos demais para serem amortizados, mesmo num país rico como o nosso. Para fazer jus aos investimentos, os empreendimentos precisam vir a representar as vantagens imaginadas para a vida social e para as cidades1.
Esses projetos precisam ser recuperados como se faria com qualquer cortiço. Isso significa, entre outras coisas, que eles precisam fazer com que seus moradores neles permaneçam por livre escolha. Isso quer dizer que eles devem ser seguros e também viáveis para a vida urbana. Precisam, entre outras coisas, de personagens públicas informais, espaços públicos vivos, bem vigiados e usados com constância, acompanhamento fácil e natural das crianças e inter-relação de usos com as pessoas de fora. Em resumo, na sua reintegração à estrutura urbana, esses projetos precisam adquirir as virtudes de uma estrutura urbana sadia.
A maneira mais fácil de se aproximar mentalmente desse problema é imaginar, em primeiro lugar, que o nível do piso do projeto, junto das ruas que o circundam, tem um pavimento praticamente desobstruído e vazio. Acima dele pairam os prédios de apartamentos, ligados ao solo somente pelas escadas e pelas pilastes dos elevadores. Todo tipo de coisa pode ser feito nesse pavimento praticamente desobstruído.
Sem dúvida, esse pavimento hipoteticamente desobstruído nem sempre será tão desobstruído assim na realidade. Podem existir outros elementos fixos, além de elevadores e escadas, ao nível do piso. Alguns projetos mantêm no andar térreo escolas ou associações comunitárias ou igrejas. De vez em quando há grandes árvores, que devem ser conservadas se possível, e muito ocasionalmente há espaços abertos, cuja funcionalidade e singularidade justificam sua preservação.
O andar térreo dos projetos mais novos – especialmente a maioria daqueles construídos a partir de 1950 – costuma formar um pavimento ao nível do piso, que é, nesse aspecto, muito mais desobstruído que o dos projetos mais antigos. Isso se deve ao fato de que, com o passar do tempo, os empreendimentos habitacionais se transformaram cada vez mais na rotina de fincar arranha-céus cada vez mais altos, em ambientes cada vez mais inexpressivos.
Devem ser projetadas novas ruas nesse pavimento térreo: ruas verdadeiras, que precisam ganhar construções e novos usos, e não “passeios públicos” atravessando “parques” vazios. Essas ruas devem formar quadras pequenas. Sem dúvida, é preciso contar com pequenos parques públicos e áreas de esporte e lazer, mas só em número e em locais onde novas ruas movimentadas e seus usos possam garantir segurança e assegurar a atratividade.
A localização dessas novas ruas será influenciada por duas considerações físicas principais: primeiro, devem ligar-se a ruas além dos limites do projeto, já que a meta fundamental é integrar esse local ao que está à sua volta. (Uma parte importante do problema será replanejar e adicionar usos às próprias ruas laterais ao projeto.) Segundo, as novas ruas devem também ligar-se aos poucos elementos fixos dentro do terreno do projeto. Os prédios de apartamentos, que estamos imaginando como suspensos sobre pilotis, ligados ao chão somente por elevadores e escadas, podem tornar-se prédios de rua, com o andar térreo reprojetado e incorporado aos usos da rua; ou, se a rua não os “tocar”, os pontos de acesso podem ser caminhos ou acessos curtos que venham das ruas por entre os novos prédios. As torres existentes agora se elevarão aqui e ali acima das novas ruas, dos novos edifícios, da nova cidade que se estenderá abaixo delas.
Claro, muito provavelmente será impossível projetar ruas que se integrem à cidade, aos elementos fixos e imutáveis do local e sejam ao mesmo tempo retas, com traçado formando uma malha regular dentro do terreno. Como no caso das novas ruas abertas em quadras muito longas, elas deverão ter curvas, cotovelos e interseções em T. Tanto melhor, como sustentei no capítulo anterior.
Quais são os tipos possíveis de usos para as novas ruas e edifícios?
O propósito geral deve ser introduzir usos que não o residencial, porque a falta de usos combinados suficientes é exatamente uma das causas da monotonia, do perigo e da falta de comodidade. Esses usos diferentes podem ocupar por inteiro os novos edifícios de rua, ou somente o andar térreo ou o subsolo dos prédios. Praticamente qualquer tipo de uso de trabalho seria importante; e também usos noturnos e comerciais em geral, particularmente se atraírem boa interação de usos de fora dos antigos limites do conjunto.
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mais fácil falar em gerar diversidade do que tê-la de fato, porque os edifícios de uma rua nova em área projetada têm a séria desvantagem econômica de serem todos construções praticamente recentes, em vez de serem de idades diferentes. É uma desvantagem considerável; não existe uma maneira correta de superá-la – é uma das vantagens que herdamos junto com esses conjuntos. No entanto, há várias maneiras de minimizar essa situação.
Um deles, talvez o mais promissor, é lançar mão de carrinhos ambulantes, que prescindem de edifícios. São, em parte, um substituto dos antigos estabelecimentos comerciais de despesas fixas baixas.
Podem-se elaborar projetos cheios de vida, atraentes e interessantes para os carrinhos ambulantes de rua, já que as bancas de pechinchas estimulam bastante a interação de usos. Além do mais, podem ter ótima aparência. Um arquiteto de Filadélfia, Robert Geddes, projetou uma interessante área de vendedores ambulantes para uma proposta de renovação comercial de uma rua da cidade. No problema apresentado a Geddes, a área de vendedores ambulantes devia ser instalada numa esplanada de feiras livres, do lado da rua oposto a um edifício público; de seu lado da rua, a esplanada era fechada dos dois lados pelas laterais de uma loja e de prédios de apartamentos, mas nada a fechava nos fundos (ela penetrava só até a metade da quadra e limitava-se com um estacionamento). Geddes projetou como fundo um galpão atraente, mas de pequenas proporções, para guardar os carrinhos fora do horário comercial.
Um abrigo de rua para guardar carrinhos poderia ser usado em trechos das ruas dos grandes projetos, numa solução tão boa quanto no desenho da praça.
As vendas de rua seriam excelentes pontos de atração visual se colocadas nas interseções em T e nas curvas das ruas. Vocês devem lembrar que o que se coloque num ponto de atração visual da rua tem uma relação muito grande com o aspecto geral de toda a paisagem. Um dos problemas visuais difíceis na recuperação de projetos é fazê-los transmitir vitalidade e urbanidade convincentes; é difícil apagar a rigidez e a monotonia visual que eles têm.
Outro modo de vencer parcialmente a desvantagem do grande número de construções novas seria utilizar o recurso das moradias de renda garantida. Esses edifícios poderiam ser plantados em ruas planejadas da mesma maneira que em qualquer rua da cidade, conforme descrito no Capítulo 17.
Contudo, haveria a possibilidade de projetá-los como casas geminadas ou como sobrados duplos (um sobrado sobre o outro, somando quatro andares). Assim como se mostrou possível converter antigas casas de pedra geminadas em vários tipos diferentes de usos urbanos e combinações de usos, em geral um ou dois edifícios convertidos de uma vez ou até um ou dois andares de uma vez, aqueles edifícios pequenos, muito parecidos com estes, poderiam ter essa facilidade de adaptação. Eles representariam, em princípio, um estoque de conversão de usos.
Outra possibilidade ainda foi imaginada por Perkins & Will, firma de arquitetos de Chicago e White Plains, que, num serviço de utilidade pública, criaram para o Núcleo Comunitário Union, de Nova York, uma série de ideias para projetos de conjuntos habitacionais. Entre as propostas da Perkins & Will havia apartamentos de quatro andares sobre pilotis, para formar um “porão” aberto, com o pavimento do porão tanto ao nível do piso quanto a 1,5 metro abaixo dele; outra proposta visava possibilitar a construção de estruturas baratas para comércio e outros usos. Os porões abaixo do nível do piso fariam com que os apartamentos ficassem apenas meio andar acima do solo, em vez de um andar inteiro; essa solução, além de econômica, proporcionaria uma boa variação na rua, já que as lojas ou oficinas instaladas em porões e alcançadas por uma escada de poucos degraus costumam ser atraentes e muito populares.
Outra possibilidade ainda é construir alguns edifícios de rua baratos e temporários (o que não significa necessariamente que precisem ser feios), com a intenção de manter baixas as despesas fixas numa fase econômica mais difícil e facilitar sua substituição no futuro, quando a melhora econômica permitir. No entanto, esse método não é tão promissor quanto os outros, porque as edificações feitas para durar cinco ou dez anos precisam ser muito bem construídas para durar muito mais. É difícil atribuir a um prédio uma obsolescência programada para fazer uma economia aceitável.
Todos os conjuntos habitacionais com prédios altos têm uma desvantagem particular na vigilância das crianças e, mesmo depois de um trabalho de recuperação, será impossível supervisionar as crianças de um edifício alto, da mesma maneira que são supervisionadas, de janelas de apartamentos ou de casas, as crianças que brincam em calçadas comuns. Esse é um dos motivos por que é tão imperativo ter adultos circulando pelos espaços públicos e bem distribuídos em todos os horários, ter pequenos comerciantes tipicamente propensos a manter a lei e a ordem pública, e contar também com outras figuras e ruas bastante ativas e interessantes, de modo que se possa tomar conta das crianças pelo menos dos três ou quatro primeiros andares dos edifícios, nos quais essa função fica mais fácil.
Uma das ilusões no planejamento de projetos de porte tem sido a ideia de que eles podem fugir ao funcionamento geral da economia urbana. Sem dúvida, ao fazer uso de subsídios e do poder da desapropriação, é possível fugir à necessidade financeira de uma boa conjuntura econômica para o comércio urbano e outros usos. Todavia, uma coisa é contornar um problema financeiro, e outra é fugir à atuação econômica básica. É claro que os locais dos conjuntos habitacionais dependem da intensidade de uso tanto quanto outra parte da geografia urbana, e para obtê-la eles precisam ter um bom ambiente econômico. O fato de essa conjuntura econômica ser mais ou menos boa depende em parte de novas soluções e novas combinações de usos no antigo terreno do conjunto habitacional e também da recuperação gradativa de cortiços e da autodiversificação de sua população. No entanto, depende ainda da capacidade das áreas vizinhas de gerar diversidade e usos combinados.
Caso a área como um todo, junto com seus antigos conjuntos habitacionais, se torne viva, desenvolva-se e recupere seus cortiços, os usos não residenciais dos antigos terrenos dos conjuntos habitacionais devem dar um bom retorno. Contudo, um lugar desses costuma ter em princípio tantas deficiências e tantas carências por suprir, que será necessário empregar uma quantia considerável de dinheiro público na recuperação – dinheiro para replanejar e reprojetar o local, o que exigirá tempo e enorme criatividade, porque dessa vez ele não poderá ser construído de acordo com um padrão e por pessoas que não saibam o que e por que estão fazendo; será preciso dinheiro para a construção de ruas e outros espaços públicos; e, provavelmente, dinheiro para subvencionar a construção de pelo menos alguns prédios novos.
Se a propriedade das moradias existentes continuar ou não sendo dos órgãos de habitação, as novas ruas e os novos usos, aí incluídas as novas habitações misturadas a eles, não poderão pertencer a esses órgãos nem ser de sua responsabilidade, pois isso os colocaria numa concorrência politicamente impraticável (e descabida) com os proprietários particulares de edifícios. E também não se deveria atribuir aos órgãos habitacionais a responsabilidade de reintegrar seus antigos domínios à cidade livre, porque eles não estão de maneira alguma preparados para assumi-la. Essa terra foi encampada pelas autoridades públicas por meio de uma prerrogativa governamental. Pode então ser retomada por meio de uma prerrogativa governamental, replanejada, e os lotes para construção, vendidos ou arrendados com contratos de longo prazo. Partes do terreno, é claro, deveriam ficar sob a jurisdição dos departamentos municipais competentes, como o Departamento de Parques ou o Departamento de Vias Públicas.
Fora as melhorias físicas e econômicas ao nível do solo, como essas que mencionei, a recuperação dos conjuntos habitacionais requer outras mudanças.
Os corredores dos edifícios de baixa renda, que geralmente têm muitos andares, são como os corredores que aparecem em pesadelos: pessimamente iluminados, estreitos, malcheirosos, cegos. Parecem arapucas, e são, como também os elevadores que levam a eles. É a essas arapucas que as pessoas se referem ao dizer, vezes sem fim: “Para onde podemos ir? Não para outro conjunto! Tenho crianças. Tenho filhas pequenas.”
Tem-se escrito muito sobre o fato de as crianças urinarem nos elevadores dos conjuntos habitacionais. Sem dúvida é um problema, não só por cheirar mal como por corroer o equipamento. Mas talvez esse seja o mau uso mais inócuo dos elevadores sem ascensorista dos conjuntos habitacionais. Mais grave é o medo que as pessoas sentem neles, e com razão.
A única solução que consigo imaginar para esse problema, e para o problema correlato dos corredores, é colocar ascensoristas. Nada além disso – nem guardas, nem porteiros, nem a “educação dos moradores” – pode dar a esses edifícios um nível tolerável de segurança ou uma segurança tolerável para as pessoas contra os vândalos tanto de fora como de dentro do conjunto.
Isso também exige dinheiro, mas pouco em comparação com os vultosos investimentos que precisam ser recuperados – nada menos de 40 milhões de dólares num único conjunto habitacional. Eu disse 40 milhões de dólares porque foi esse o investimento público nas Frederick Douglass Houses, um novo projeto no Upper West Side de Manhattan, onde ocorreu, junto com todos os pavores corriqueiros, um crime no elevador tão espantosamente selvagem que até virou notícia de jornal.
Em Caracas, Venezuela, onde o ditador deposto deixou um legado enorme de conjuntos habitacionais similares com perigos similares, parece estar funcionando uma experiência de aumento da segurança em elevadores e corredores. As moradoras que podem trabalhar meio período ou período integral são contratadas como ascensoristas de 6 horas da manhã à 1 hora da manhã, quando os elevadores são desligados. Carl Feiss, consultor de planejamento urbano norte-americano, que fez vários trabalhos na Venezuela, contou-me que os condomínios se tornaram mais seguros, e que o relacionamento entre as pessoas também melhorou consideravelmente, porque as ascensoristas passaram a substituir as figuras públicas.
Também nos nossos conjuntos habitacionais poderia dar certo as moradoras trabalharem como ascensoristas durante o dia, quando os principais delitos nos elevadores são extorsão e assédio sexual de crianças menores por crianças de mais idade. Acho que no período noturno, quando os ataques, roubos e assaltos feitos por adultos são um perigo bem maior, os ascensoristas deveriam ser homens. Duvido que a suspensão do serviço noturno funcionasse conosco – primeiro, porque muitos moradores desses conjuntos habitacionais trabalham de noite e, segundo, porque muitas normas arbitrárias, diferentes das que valem para outras pessoas, já fizeram dos conjuntos um caso à parte e alimentam o ressentimento e o rancor dos moradores2.
Para a recuperação dos conjuntos habitacionais é preciso que eles sejam capazes de segurar as pessoas por sua livre escolha, quando elas têm condições de escolher (o que quer dizer que eles precisam criar apego pelo lugar antes de adquirir poder de escolha), e para isso é necessário executar as modalidades de recuperação interna e externa sugeridas anteriormente. Além disso, no entanto, é preciso que seja permitido que as pessoas fiquem por livre escolha, o que significa eliminar o limite de renda máxima. Não basta aumentar o limite; a dependência entre residência e faixa de renda deve ser totalmente extinta. Se for mantida, não só os mais bem-sucedidos ou afortunados serão inexoravelmente despejados, como também todos os outros se verão psicologicamente como transitórios ou “fracassados” em relação a seu lar.
Os aluguéis deveriam subir de acordo com o aumento da renda, até o ponto em que o aluguel proporcional integral fosse pago, como no proposto sistema de renda garantida, já explicado. O montante do aluguel proporcional deveria incluir a amortização rateada e o dispêndio com juros da dívida, para reinserir o custo investido no cômputo do aluguel.
Nenhuma das sugestões que fiz poderá isoladamente recuperar efetivamente tudo. Todas as três
– local reformado e reintegrado à cidade; segurança dentro dos edifícios; extinção do limite de renda máxima – são imprescindíveis. Sem dúvida, podem-se esperar resultados positivos mais rápidos nos conjuntos habitacionais em que a desmoralização e o processo de degradação típico dos cortiços permanentes causaram danos pequenos.
Os conjuntos habitacionais de renda média não exigem uma recuperação tão urgente quanto os de baixa renda, mas em certos aspectos são mais desconcertantes.
Ao contrário dos moradores de conjuntos de baixa renda, aqueles dos conjuntos de renda média parecem preferir isolar-se em grupos bem separados de outras pessoas. Minha impressão, que reconheço ser duvidosa, é que os conjuntos habitacionais de renda média, à medida que envelhecem, tendem a abrigar uma quantidade significativa (ou pelo menos bem evidente) de pessoas que receiam o contato fora de sua classe. Não sei dizer se essas tendências são próprias das pessoas que escolheram viver em conjunto segregados e burocráticos ou até que ponto esse sentimento é cultivado ou criado pela vida em Territórios. Conhecidos que moram em vários conjuntos de renda média me contaram que observaram aumento na hostilidade de seus vizinhos em relação à cidade, fora dos muros do conjunto, depois de incidentes desagradáveis nos elevadores e no terreno – incidentes que invariavelmente são atribuídos a pessoas de fora, com ou sem evidências. A disseminação e o fortalecimento da psicologia do Território em função de perigos verdadeiros – ou a concentração de uma quantidade apreciável de pessoas já atacadas de xenofobia, seja qual for – são um problema sério para as cidades.
As pessoas que vivem dentro dos limites dos conjuntos e se sentem alheias e profundamente inseguras em relação à cidade do lado de fora não poderão ajudar muito na eliminação das zonas de fronteira desertas nos distritos, ou mesmo permitir um replanejamento que vise a reintegração delas ao tecido do distrito.
Talvez os distritos que contêm condomínios com uma xenofobia tão acirrada devam simplesmente continuar a desenvolver-se como distritos da melhor forma possível, a despeito dessa desvantagem. Se, entretanto, as ruas externas a esses conjuntos habitacionais passarem a gerar mais segurança, diversidade e vitalidade e obtiverem uma estabilidade maior da população, e se, ao mesmo tempo, dentro dos limites do conjunto habitacional, os perigos resultantes do vazio forem atenuados de modo aceitável para os moradores e para as companhias de seguros, sindicatos, cooperativas e empresários donos desses lugares, talvez com o tempo seja possível reintegrá-los à vida da cidade. Certamente a esperança de que isso aconteça diminui à medida que também o distrito em torno desses conjuntos habitacionais é convertido cada vez mais em conjuntos estereotipados e perigosos.
Com os empreendimentos não residenciais, como centros culturais e centros administrativos municipais, provavelmente só em alguns casos podem ser aplicadas as táticas de replanejamento da área ocupada para reintegrá-los à estrutura urbana. O caso mais promissor é o dos conjuntos localizados nos limites dos centros urbanos, que têm apenas os obstáculos e as zonas de fronteira desertas resultantes de sua presença entre eles e o potencial de usos intensos suplementares. Pelo menos um dos lados do novo centro administrativo de Pittsburgh poderia ser reintegrado ao centro urbano, do qual se encontra atualmente isolado. Algumas partes do centro administrativo de São Francisco poderiam ser reintegradas à cidade com o acréscimo de ruas e de novos usos.
A principal dificuldade com relação aos centros administrativos, principalmente aqueles que têm auditórios e salas de reuniões e provocam grande concentração de pessoas por certo intervalo de tempo, é encontrar outros usos principais que sejam minimamente proporcionais às grandes concentrações de pessoas que esses centros proporcionam em outros horários do dia. Ainda seria preciso haver espaço, em algum lugar, para a variedade e a diversificação que esses usos intensos combinados conseguem comportar; e sem dúvida existe ainda o problema da falta de prédios mais antigos para que a diversidade de usos derivada seja bem variada. Em síntese, o problema é que muitos elementos dos centros administrativos e culturais só fazem sentido como elementos de uso intenso do centro urbano e, já que foram isolados, a tentativa de fazer com que eles tenham essa serventia significa fazer a montanha ir a Maomé.
A maneira mais prática de lidar com a reintegração na maioria dos casos, penso eu, é concentrar-se, de tempos em tempos, no desmembramento desses conjuntos. O desmembramento pode ser feito no momento oportuno e conveniente. Em Filadélfia, por exemplo, ocorreu uma oportunidade dessas na época em que a estação central da Rua Broad e os trilhos da Ferrovia da Pensilvânia foram removidos e projetado em seu lugar o Penn Center, empreendimento de escritórios, transportes e hotel. A Biblioteca Livre de Filadélfia, incrustada no bulevar de um centro cultural, onde seu uso é assustadoramente baixo, estava naquela época precisando de uma grande revitalização. Os funcionários esforçaram-se durante muito tempo para convencer a prefeitura de que, em vez de reformar o velho edifício, seria melhor tirar a biblioteca do centro cultural e transferi-la para o centro urbano, integrando-a ao projeto do Penn Center. Aparentemente nenhuma autoridade competente do governo municipal percebeu que justamente esse tipo de reinserção de instalações culturais básicas no centro da cidade era necessário – tanto para o centro da cidade quanto para a vitalidade das próprias instalações culturais.
Se os componentes das ilhas culturais e administrativas forem desmembrados e deixarem a ilha, um por um, quando oportuno, podem-se colocar em seu lugar usos inteiramente variados – de preferência que não apenas sejam diferentes, mas cujas diferenças complementem o que permanecer no projeto.
Filadélfia, enquanto persiste no velho erro da biblioteca, pelo menos se livrou de cometer outro erro – porque dessa vez a cidade tinha experiência com um centro cultural para não se deixar encantar com a suposta força revitalizadora de um lugar desses. Quando a Academia de Música, que fica no centro, precisou de reforma há poucos anos, quase ninguém levou a sério a ideia de que ela deveria ser transplantada para a ilha cultural. Foi mantida no lugar dela, o centro da cidade. Baltimore, depois de flertar durante anos com um e outro plano de um complexo cultural-administrativo separado e isolado, decidiu construí-lo no centro da cidade, onde essas instalações têm mais valor tanto por seus usos principais quanto como ponto de referência.
Esta é, obviamente, a melhor maneira de revitalizar qualquer tipo de projeto isolado, antes de ele ser efetivamente construído: refletir melhor sobre ele.
1. A concepção mais absurda de recuperação é construir uma reprodução do primeiro fracasso e transferir as pessoas dele para sua cópia mais dispendiosa, de modo que se possa recuperar o primeiro fracasso! No entanto, é nesse estágio de remoção e duplicação de cortiços que nossas cidades estão entrando. Buffalo, por exemplo, tem um projeto de baixa renda chamado Dante Place, construído com recursos federais em 1954. Dante Place tornou-se rapidamente uma ferida aberta. “Foi um obstáculo ao desenvolvimento das áreas próximas”, nas palavras do diretor do Departamento de Habitação. Solução: um novo projeto parecidíssimo com o Dante Place foi construído em outro local da cidade, e os moradores do Dante Place serão transferidos para lá para degradá-lo, de modo que o Dante Place possa ser recuperado – o que quer dizer, de modo que ele seja convertido num projeto de renda média. Esse processo de corrigir erros ampliando-os foi enaltecido em novembro de 1959 pelo secretário de Habitação do estado de Nova York como um avanço que “Pode muito bem ser um modelo para outras autoridades da habitação”.
2. Hoje em dia, poucas pessoas moram em conjuntos de baixa renda por livre escolha; mais precisamente, elas foram expulsas do bairro anterior para dar espaço à “renovação urbana” ou a vias expressas e, principalmente se eram pessoas negras e, portanto, sujeitas à discriminação residencial, não tinham outra escolha. Entre as pessoas despejadas, só cerca de 20 por cento (em Filadélfia, Chicago e Nova York, cujos índices foram divulgados) vão para habitações públicas. Das que não vão, há muitas que se enquadrariam, mas preferem não fazê-lo, na tentativa de achar outra saída. Ao descrever a ferrenha obstinação dos que têm a sorte de ter outra opção, uma autoridade do setor de habitação de Nova York citou o caso de 16 famílias despejadas que se enquadravam nas exigências para apartamentos de três dormitórios, os quais estavam à sua disposição num programa habitacional público. “Elas haviam recebido a carta de despejo, mas nenhuma queria ir para uma moradia pública.”