Em um estudo publicado pelo ITDP Brasil, são apresentados estudos e análises do impacto da mobilidade urbana na primeira infância, que relaciona os impactos e consequências da ausência de visão sobre cidades para as crianças. O estudo, realizado entre 2019 e 2020, mostra os desafios enfrentados pelos cuidadores das crianças nos deslocamentos cotidianos, sob a ótica da infraestrutura das ruas e equipamentos urbanos, e a partir do acesso e uso do transporte público coletivo por ônibus.
O Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) é uma organização sem fins lucrativos, constituída em Washington, D.C. em 1985 e sediada na cidade de Nova York. A missão do ITDP é promover o transporte ambientalmente sustentável e equitativo em todo o mundo. O ITPD trabalha com os governos municipais para implementar projetos de transporte e desenvolvimento urbano que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e a poluição, ao mesmo tempo que impulsionam a habitabilidade urbana e as oportunidades econômicas. O estudo exibido nesse artigo foi realizado com o apoio da Fundação Bernard van Leer (Fundação BVLF).
Cidades boas para as crianças são cidades boas para todos. São cidades mais humanas, que constroem comunidades mais sustentáveis e fortes. Por isso, mobilidade urbana e primeira infância têm tudo a ver. São intrínsecas, inerentes uma à outra. As crianças e seus cuidadores – sejam pais, avós, tios, primos ou babás – vivem mais a cidade do que muitos adultos em sua rotina diária casa-trabalho. E precisam dela para crescer bem, física e socialmente. As cidades devem ser provocadoras desse desenvolvimento integral e necessário. Sem a participação ativa na vivência dos espaços urbanos ele não acontece como deveria. E produzimos o emparedamento da infância, algo que não faz bem nem às pessoas nem às cidades.
O estudo teve dois momentos distintos.
- No primeiro, a perspectiva dos cuidadores foi a base para identificar os impactos diretos e indiretos da qualidade do espaço urbano na vida das crianças quando estão se movendo. Tendo o transporte por ônibus como eixo principal.
- No segundo momento foi feito o detalhamento desses obstáculos.
O material foi realizado com base em um estudo de caso de Recife, mas possui recomendações gerais que podem ser aplicadas a outras cidades.
Entre as conclusões, o transporte público e a mobilidade a pé, como já era de se esperar, têm papel fundamental na discussão e na vida das crianças e cuidadores. Juntos, são responsáveis por mais de 70% das viagens realizadas por motivo de trabalho e de 80% por motivo de educação na cidade de Recife.
Quando estes percentuais são analisados por faixa de renda, fica claro que o transporte público por ônibus possui um papel ainda mais central, sendo o principal modo de transporte utilizado para pessoas com renda abaixo de três salários mínimos, tanto por motivos de educação quanto de trabalho.
“Os bebês e as crianças pequenas vivem nas cidades tanto quanto ou até mais do que os adultos. Quase 75% das crianças pequenas brasileiras estão fora das creches, às vezes por falta de vagas e às vezes por opção dos pais. Onde essa criança pequena vive então? Ela vive em casa e na residência dos avós, dos tios, de vizinhos, e nas cidades com os pais. Ela os acompanha em atividades cotidianas como ir ao supermercado, ao posto de saúde e à farmácia. A criança vai junto o tempo todo e circula na cidade de forma muito diferente do adulto, que acorda de manhã, pega um transporte público até o trabalho e volta à noite”, ensina a psicóloga Cláudia Vidigal, da Fundação BVLF, com forte e ampla atuação na causa da primeira infância.
A especialista alerta para o fato de que a sociedade, os gestores e planejadores públicos precisam entender que a mobilidade urbana não é um problema só de adultos.
“Por que esses deslocamentos cotidianos não podem ser um momento de aprendizado? Serem transformados em desenvolvimento e inserção das crianças à cidade? Enquanto esperam o ônibus poderiam estar aprendendo a contar, a conferir sua altura e brincando de amarelinha. Por que nossos pontos de ônibus não podem ser adaptados para esse desenvolvimento? Afinal, estamos falando de 21 milhões de crianças de até seis anos de idade”, provoca.
A psicóloga defende três eixos fundamentais na relação da mobilidade urbana com a primeira infância:
- segurança;
- conforto e;
- interatividade.
“A segurança é, como exemplo, o distanciamento das paradas de ônibus da guia da rua para dar mais espaço para a criança enquanto aguarda o ônibus.
Conforto é sombra, abrigo de chuva, calçadas melhores construídas, trafegáveis para carrinhos de bebê, por exemplo.
E interatividade são pequenos componentes que a gente pode trazer na cidade para que ela se torne mais brincante. As crianças não precisam ir exclusivamente para o parquinho para brincar. Elas deveriam poder brincar em qualquer calçada.
Quando você prepara uma cidade para uma criança você contribui para que ela tenha uma perspectiva diferente quando for adulta. Se a criança desde pequena compreende que a rua é algo dela, faz parte de sua vida, constrói uma relação de mais amor com a cidade”, ensina Cláudia, com mais de 20 anos de experiência na defesa da primeira infância no setor público e privado.